Entre Dois Mundos
O túnel parecia não ter fim. Siena corria atrás de Luca, os pulmões ardendo e a mente fervilhando. A mansão havia se tornado um campo de batalha, mas o que a corroía por dentro era o que descobrira no escritório — a ligação de Luca com seu pai, com o passado que ela julgava enterrado.
— Falta muito? — sussurrou, tentando não demonstrar o pânico.
— Só mais alguns metros. Vai dar tudo certo — respondeu ele, mesmo com os olhos cheios de tensão.
Ao final do túnel, uma escotilha levou-os a uma garagem subterrânea. Um carro os esperava, já ligado, com vidros escurecidos.
— Tem gente sua lá fora? — ela perguntou.
— Não mais. Quem invadiu sabia os horários, os códigos... Alguém muito próximo me traiu.
— E me colocou no meio disso — retrucou, sentando-se ao lado dele, o corpo ainda tremendo.
— Eu não queria te envolver, Siena. Mas agora que você sabe da verdade... não posso te deixar ir. Eles te matariam.
O carro saiu em disparada por uma estrada de terra escondida, serpenteando entre matas e montanhas. Siena observava a paisagem escura, tentando encontrar algum sinal de equilíbrio dentro do caos.
— Aonde estamos indo?
— Para o único lugar seguro agora: o sítio da minha avó, em Domingos Martins. Isolado. Ninguém sabe da existência.
— E você acha que isso vai resolver tudo?
Luca soltou um suspiro pesado, mantendo os olhos fixos na estrada.
— Não. Mas vai nos dar tempo. E talvez... respostas.
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Duas horas depois, já sob a luz alaranjada do amanhecer, chegaram ao sítio. Uma casa de madeira, simples, rodeada por mata e um lago espelhado. A brisa da montanha era fria, mas reconfortante.
— Aqui parece outro mundo — murmurou Siena.
— É o único lugar onde não sou o chefe da máfia. Aqui, eu era só Luca... o neto da dona Dolores.
Ela quase sorriu, mas algo a impedia. Estavam longe do perigo, mas ainda mergulhados em incertezas.
Luca a guiou até um quarto de hóspedes. O ambiente era rústico, com colcha de crochê, janelas abertas para o verde e cheiro de madeira envelhecida.
— Pode descansar aqui. Prometo que ninguém vai entrar sem sua permissão.
Siena assentiu, mas antes que ele saísse, segurou o braço dele.
— Por que você nunca me contou sobre meu pai?
Luca virou-se lentamente, os olhos carregados de lembranças.
— Porque eu me odiava por isso. E achei que, ao manter distância, estaria te poupando. Mas depois que te vi naquela boate... eu soube que já era tarde. Que você já estava no meio do jogo.
— Eu não escolhi isso — disse ela com voz baixa.
— Eu também não. Mas agora que estamos aqui... — ele se aproximou mais um passo — talvez possamos escolher o que fazer com isso.
Siena sentiu o peito apertar. Parte dela gritava para afastá-lo. Outra parte queria ceder, esquecer tudo por uma noite, por um segundo.
— Me deixa sozinha um pouco — pediu.
Luca assentiu, respeitando o limite. Saiu devagar, fechando a porta.
Ela desabou na cama, o corpo cansado, mas a mente em ebulição. Pegou o celular — sem sinal. Estava desconectada do mundo. Só restava a ela enfrentar o que sentia.
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Horas depois, já ao entardecer, Siena saiu para respirar. Encontrou Luca sentado à beira do lago, sem camisa, com uma garrafa de cerveja na mão. Ele olhou por cima do ombro e sorriu de lado.
— Vem ver o pôr do sol comigo?
Ela hesitou... e foi.
Sentou-se ao lado dele, sentindo a grama fria sob as pernas.
— Sabe — começou ela —, eu sempre vi o mundo dividido entre certo e errado. Meu pai me ensinou isso.
— E agora?
— Agora eu vejo que tudo depende de quem está segurando a arma.
Luca bebeu um gole, sem tirar os olhos do céu avermelhado.
— Seu pai foi o melhor homem que conheci. E eu falhei com ele. Mas talvez... só talvez... eu possa fazer algo certo agora.
— Como o quê?
Ele se virou para ela, os olhos mais suaves do que nunca.
— Como proteger você. Mesmo que você nunca me perdoe.
O silêncio entre eles não era mais desconfortável. Era cheio de significados não ditos. Quando ela encostou a cabeça no ombro dele, Luca fechou os olhos, como se respirasse alívio pela primeira vez em anos.
Não disseram mais nada.
Mas o lago refletia duas sombras unidas, como se o destino — cruel e inevitável — já tivesse escolhido por eles.
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