Capítulo 2 – O caderno que sussurra
Ren não dormiu naquela noite.
Mesmo com os fones no ouvido e o volume no máximo, ele ainda ouvia as palavras riscando sua mente como unhas em vidro: "Um por um, ela vai fazer vocês lembrarem."
No colégio, na manhã seguinte, tudo parecia igual — mas ele sabia que não era. Não depois do porão. Não depois do que viu.
Hina entrou na sala com o mesmo passo silencioso e o caderno negro contra o peito. Desta vez, ninguém fingiu não olhar. Todos olhavam. Só que ninguém ousava falar.
Quando ela se sentou, o caderno tremeu como se pulsasse. Ren viu. Ele tinha certeza. Como se o caderno respirasse. Como se visse.
Durante a aula de História, a professora falava sobre guerras que ninguém lembrava, mas a atenção de Ren estava em outra coisa: o caderno. Ele sentia que, se encarasse por muito tempo, seria tragado para dentro.
Foi quando ele ouviu.
Uma voz. Fraca. Molhada. Como se viesse do fundo de um poço.
— "Você estava lá. Você viu. Por que mentiu, Ren?"
Ele arregalou os olhos, procurando de onde vinha. Mas ninguém mais reagia. Nem mesmo Hina. Ela apenas desenhava lentamente com a caneta vermelha, as palavras sumindo assim que tocavam o papel.
No intervalo, ele a seguiu.
Ela parou perto do bebedouro, sozinha, como se esperasse por ele. Sem olhar, falou:
— Você lembra do que ela disse, antes de sumir?
Ren hesitou. Seu corpo dizia para correr. Mas a culpa o fez ficar.
— Você… viu o que estava escrito no espelho, antes?
— Sim. — Hina virou lentamente. Os olhos dela estavam mais escuros. — Mas agora… é o caderno que escreve por ela.
Ren franziu o cenho.
— Por ela? Quem é ela?
Hina abriu o caderno. Uma página em branco. E então, lentamente, as palavras surgiram:
"Vocês prometeram. Traíram. E agora, ninguém vai esquecer."
Ren sentiu um arrepio subir pela nuca.
Antes que pudesse dizer algo, uma gritaria estourou do outro lado do pátio.
— É a Aiko! Ela... ela desmaiou! Está sangrando!
Os alunos correram. Aiko estava caída, os olhos virados, e um filete de sangue escorria do ouvido. Mas o pior estava em sua mão: ela segurava uma folha rasgada… do mesmo caderno.
Hina não se moveu.
Apenas fechou o caderno com um estalo seco.
Como se soubesse exatamente o que havia acontecido
Os professores chegaram correndo. A multidão abriu espaço quando a vice-diretora se ajoelhou ao lado de Aiko.
— Chame uma ambulância! — gritou alguém. — Ela não está respondendo!
Ren se aproximou devagar. Sentia-se como um intruso em uma peça que conhecia o final, mas não podia impedir. Seus olhos pousaram na folha que Aiko apertava com força. Mesmo com o sangue, ainda dava pra ler algumas palavras.
> “Ela mentiu primeiro. Agora paga.”
Ren engoliu em seco. A caligrafia... não era de Hina. Era irregular, raivosa, quase desesperada. Como se alguém estivesse escrevendo com a mão de outra pessoa.
Ele se virou. Procurou Hina no meio dos alunos. Mas ela já não estava lá.
Enquanto a ambulância levava Aiko, um silêncio ainda maior se instalou. Não era o silêncio comum da escola — era um silêncio que parecia esperar o próximo nome.
Na diretoria
A vice-diretora, senhora Ishiguro, fechou a porta com força. Olhou para Ren como se ele carregasse a culpa no bolso.
— Você estava perto quando aconteceu?
Ren hesitou.
— Estava... mas eu não fiz nada. Aiko já estava caída.
Ela o encarou por mais alguns segundos, depois suspirou e sentou-se.
— Esse é o segundo caso estranho em três dias. Primeiro a volta da Hina, agora isso. Você viu alguma coisa... incomum?
Ren pensou em contar. Sobre o caderno. As palavras. A voz. Mas quem acreditaria? Ele mesmo não queria acreditar.
— Não — mentiu.
Quando saiu da sala, o corredor parecia mais estreito. Mais escuro. Como se a escola respirasse em silêncio, alimentando-se do medo.
No andar de cima, perto da escada de incêndio, ele finalmente viu Hina. Sozinha. O caderno aberto no colo, encarando a página em branco.
Ele se aproximou devagar.
— O que está acontecendo, Hina?
Ela não olhou.
— Não é o caderno que escolhe. Ele só escreve o que já está dentro das pessoas.
Ren franziu a testa.
— O que isso quer dizer?
Ela virou a página. Novas palavras surgiram, lentas como sangue escorrendo.
> “Quem mente uma vez, mente duas. Quem assiste em silêncio... também é culpado.”
Hina levantou o olhar. Pela primeira vez, havia algo ali além do vazio: tristeza.
— Aiko não foi a primeira. E não será a última.
Ren sentiu o estômago afundar. Porque, no fundo, ele sabia: o caderno só estava começando.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 32
Comments
Yajaira Gaona
Que livro incrível! Parabéns, autora!
2025-05-24
0