A semana começou com uma novidade grudada no quadro de avisos do corredor principal: *“Apresentação Interdisciplinar: Grupos de até 6 alunos, tema livre, execução obrigatória.”*
Kaori leu o aviso em silêncio, os olhos fixos na folha como se pudesse apagá-la com o olhar. Sayaka, animada como sempre, se aproximou já carregando ideias e confusão.
— “A gente podia fazer uma peça! Ou uma apresentação musical! Ou um documentário poético!” — disse Sayaka, gesticulando com as mãos.
— “Ou algo simples, tipo uma leitura dramática com trilha sonora,” — sugeriu Ren, sempre com aquele tom que soava como uma tentativa de equilíbrio.
Leon, encostado no batente da janela, apenas observava. Não falou nada.
Kaori desviou o olhar quando sentiu os olhos dele sobre ela.
— “Você vai participar com a gente, né?” — perguntou Mei, segurando seu estojo de canetas coloridas como quem segura um amuleto.
— “Sim...” — Kaori respondeu, hesitante. — “Acho que sim.”
Yuto entrou na conversa meio atrasado, rindo de algo que só ele sabia. Mas logo parou ao perceber o clima sutil no grupo. Ele lançou um olhar rápido para Kaori e depois para Leon.
Foi Sayaka quem quebrou o momento.
— “Então somos nós seis, né? Fechado?”
Mas antes que qualquer um pudesse confirmar, uma nova voz surgiu:
— “Tem espaço pra mais um?”
Um garoto novo, alto, de olhar calmo e sorriso treinado, estava parado atrás deles. Cabelos escuros, camisa meio amassada, mas com uma energia que imediatamente chamou atenção.
— “Sou Sora. Acabei de me transferir. Ouvi dizer que essa apresentação é importante, então... queria participar com um grupo já formado.”
Sayaka quase gritou.
— “Mas é claro! Somos super receptivos! Né, pessoal?!”
Kaori olhou de relance para Leon. Ele permanecia imóvel, mas havia algo nos olhos dele. Um lampejo de incômodo que desapareceu rápido demais para ser confirmado.
— “Mais um integrante pode trazer boas ideias,” — disse Mei, sorrindo educadamente.
Ren assentiu. — “Seja bem-vindo.”
Yuto estalou os dedos. — “Então são sete. E o tema?”
Foi Sora quem respondeu primeiro:
— “Que tal... ‘memórias que não nos pertencem’?”
Kaori empalideceu levemente. Leon olhou diretamente para Sora pela primeira vez.
— “Interessante,” — disse Ren, anotando.
— “É só uma ideia,” — Sora completou, com um sorriso gentil demais para ser casual.
Aquele tema. Aquilo soou como uma provocação — ou um presságio.
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Naquela tarde, a sala do clube de literatura foi aberta só para eles. Kaori ficou junto de Mei, preparando as ideias no papel. Sayaka falava demais. Ren rabiscava. Yuto tocava acordes aleatórios em um violão desafinado. E Sora... se aproximava.
— “Você é Kaori, né?” — ele disse, puxando uma cadeira ao lado dela.
— “Sou.”
— “Você tem olhos de quem já acordou de um sonho que não queria esquecer.”
Kaori congelou. Aquilo... soava familiar. Demais.
— “Desculpa, falei algo estranho?” — Sora perguntou, sorrindo com leveza.
Leon estava do outro lado da sala, mas sua atenção estava neles. Cada palavra.
— “Eu não gosto de sonhos,” — respondeu Kaori. — “Eles acabam quando a gente mais precisa deles.”
Sora pareceu entender. Mas não se afastou.
Mei tentou amenizar a tensão jogando ideias no quadro. — “Podíamos representar uma sequência de lembranças que se entrelaçam... como se fossem de pessoas diferentes, mas que compartilham o mesmo coração.”
— “Gostei,” — disse Yuto. — “Talvez isso ajude a expor... coisas que a gente normalmente esconderia.”
— “Tipo?” — Sayaka perguntou.
— “Tipo você ficar olhando pro Ren quando ele não tá vendo,” — ele respondeu, rindo.
Sayaka ficou vermelha.
— “Mentira!”
Ren fingiu não ter ouvido. Mas seus dedos pararam de escrever.
Leon se levantou e pegou o pincel da mão de Mei. No centro do quadro, escreveu:
**“Se eu esquecer, me ensina de novo.”**
Kaori olhou a frase como se a tivesse lido em algum lugar antes. Ou sentido.
— “É disso que a apresentação precisa,” — disse Leon, em voz baixa. — “De algo que a gente não consegue explicar, mas sente.”
Sora se aproximou do quadro, encarando a frase.
— “Poético... Mas alguém já viveu isso?”
— “Talvez,” — respondeu Leon, sem encará-lo.
A tensão estava ali. Invisível, mas real.
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Naquela noite, Kaori subiu sozinha até o farol. O vento estava mais frio que o normal. Ela não esperava encontrar ninguém, mas lá estava ele. Leon. De novo. Sentado no mesmo canto.
— “Você sabia que ele ia usar aquela frase?” — ela perguntou.
— “Sora?” — ele perguntou, já sabendo a resposta. — “Não. Mas acho que ele também sente.”
— “Sente o quê?”
— “Que tem algo faltando. Algo que ninguém lembra... mas faz falta mesmo assim.”
Ela se sentou ao lado dele.
— “Você acha que pode confiar em alguém que sente o mesmo que você... mas que não sabe por quê?”
Leon demorou a responder.
— “Depende.”
— “Do quê?”
— “De quem foi a primeira pessoa que te fez sentir isso.”
Kaori não respondeu. Mas seu silêncio dizia mais do que palavras.
Ali, à beira do mar invisível naquela noite nublada, havia um espaço onde o tempo parecia parar. Onde o passado, o presente e o impossível se misturavam em memórias que talvez não fossem reais... mas ainda assim, pertenciam a eles.
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**\[FIM DO CAPÍTULO ]**
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Atualizado até capítulo 30
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