Capítulo Dois – O Herdeiro do Morro
O tempo passou, mas a dor de ser invisível continuava a queimar no peito de Luana. Agora com dezessete anos, ela estava no último ano do ensino médio, e embora seu corpo começasse a mudar — ganhando curvas delicadas, a pele limpando, os traços se suavizando — a visão que todos tinham dela seguia a mesma. Era como se estivessem cegos para qualquer transformação. Todos... menos Cíntia.
— Se você deixasse eu te maquiar só um pouquinho… — insistia a amiga, sentada na cama de Luana com um batom na mão. — Você tem um rosto lindo, só tá escondido aí, nesse exército de moletom e rabo de cavalo.
— E pra quê? Pra ser alvo da Renata e das outras de novo? — respondeu Luana, rindo sem humor. — Tô bem assim. Invisível dói, mas ao menos não machuca tanto quanto virar piada.
Cíntia não desistia, mas respeitava. Sabia que, por trás daquela armadura, havia uma menina que sentia tudo em dobro. E principalmente, sabia que o coração de Luana ainda pertencia a Rafael Moreira.
Mas o Rafael de agora não era mais o mesmo garoto sorridente que jogava bola na quadra da escola. Ele havia mudado. Depois da morte do pai — o lendário Tio Zé, um dos homens mais temidos do Complexo — Rafael assumiu o controle do morro com apenas dezoito anos. Ninguém achou que ele daria conta, mas ele surpreendeu a todos.
Passou a andar com seguranças, a dar ordens, a ser chamado de “chefe” por homens que antes o tratavam como moleque. Rafael virou respeitado, temido. E mais distante do que nunca de Luana.
Ela o via de longe, em reuniões na laje, cercado por motos potentes e vozes sussurrando estratégias. Ele agora era o dono de tudo: das ruas, das festas, do olhar das mulheres. Inclusive de Renata, que não perdia a chance de colar nele como uma sombra.
Mesmo assim, o coração de Luana não mudava. Toda vez que ouvia o nome dele, uma parte dela ainda sonhava com aquele garoto do colégio, o que ajudava a avó com as sacolas e ria com os amigos no pátio. Aquele garoto ainda existia? Ou teria desaparecido com o pai, soterrado sob o peso de um trono manchado de sangue?
— Ele mudou, Lu — disse Cíntia, certa tarde. — Você precisa entender isso. Ele não é mais o mesmo.
— Eu sei — respondeu ela, mexendo no caderno sem foco. — Mas o meu sentimento não mudou. E isso… isso é pior.
Ouvia-se, pelas ruas, histórias sobre Rafael. Como ele negociava com traficantes maiores, como impunha regras no morro, como protegida as crianças da comunidade e mantinha as bocas de fumo funcionando com disciplina quase militar. Ele era uma mistura perigosa de justiça e perigo. Uma lenda viva.
E Luana, como sempre, só observava. Amava em silêncio. Sofria sozinha.
Até que, numa noite de sábado, a rotina dela virou de cabeça pra baixo.
Estava voltando da mercearia quando viu Rafael parado na esquina, encostado numa moto, cercado por dois comparsas. Estavam rindo de alguma coisa. Quando ela passou, baixou a cabeça instintivamente. Mas dessa vez, algo diferente aconteceu.
— Ei. — A voz dele a fez parar. O coração disparou. — Tu não é aquela menina que estudava comigo?
Ela congelou.
— É a Luana, né? — Ele sorriu, um sorriso torto que ela nunca esqueceu. — A CDF.
Luana virou o rosto devagar, surpresa por ele lembrar seu nome.
— Sou eu, sim — respondeu, a voz firme apesar do coração em frangalhos.
Rafael assentiu, a observando por um segundo a mais do que o necessário.
— Tá diferente — comentou. — Mas continua quieta, né?
Ela não sabia se era um elogio ou provocação. Talvez os dois. E antes que ela pudesse dizer algo, ele já estava de volta à conversa com os comparsas, como se aquele momento não tivesse significado nada.
Mas pra Luana… significou tudo.
Porque pela primeira vez, Rafael Moreira a enxergou.
E isso foi o bastante para reacender todos os sentimentos que ela tentou enterrar.
LUANA A FEIA
RAFAEL DONO DO MORRO
CINTIA AMIGA DELA
RENATA
PAOLLA
JESSYCA
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Atualizado até capítulo 37
Comments
Jessika Danta
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2025-05-01
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