Sob Dívida e Honra
Eu sou Camila Montenegro. Trabalho no restaurante à noite, todos os dias, para ajudar nas contas de casa. A vida nunca foi fácil, mas a dignidade sempre foi o que minha mãe me ensinou a carregar.
Estava no meu quarto, sentada no chão, com Miguel — meu irmão de 10 anos — no colo, rindo alto enquanto eu fazia cócegas na barriga dele. Era o tipo de momento que me fazia esquecer do mundo lá fora, das dívidas, das horas intermináveis no restaurante e da exaustão que me aguardavam assim que o relógio marcasse o início do expediente.
O sorriso de Miguel era tudo que eu precisava para me manter firme.
— Para, Camila! — ele gargalhava, tentando escapar das minhas mãos.
— Só paro se você disser quem é a irmã mais linda do mundo — provoquei, e ele se rendeu com um sorriso travesso.
— Você!
Antes que eu pudesse responder, a porta do quarto se abriu de repente. Lorayne, minha prima, entrou ajeitando o cabelo, como sempre fazia quando queria chamar atenção.
— Hoje vamos ter que trabalhar até tarde — ela suspirou alto e se jogou na minha cama como se o mundo passasse só sobre os ombros dela. — Ah, Camila... Eu queria mesmo arrumar um homem rico, sabe? Daqueles que bancam tudo. Que me compra roupas caras, joias, bolsas de grife... uma vida de princesa.
Miguel se calou, o sorriso foi se apagando, enquanto eu apenas balancei a cabeça. Essa era a Lorayne. Sempre sonhando com o fácil, sempre esperando que a vida se resolvesse num passe de mágica.
— Você, Lorayne, só pensa nisso — respondi firme, ajeitando o cabelo de Miguel. — O trabalho que a gente faz é decente. É honesto.
Ela deu uma risada debochada, olhando para o teto como se minhas palavras fossem bobagem.
— Camila, você se acostuma com pouco. Pensa alto, garota! Você merece mais do que esse uniforme de restaurante. Merece luxo, merece ser servida, não servir.
Olhei para ela, sentindo uma mistura de pena e desgosto.
— Eu trabalho para ajudar meus pais, Lorayne. Não vivo sonhando em casar com homem rico. Meu sonho é bem simples: ver minha mãe tranquila e meu irmão crescendo longe desse mundo que você tanto deseja.
O clima no quarto ficou pesado. Lorayne cruzou os braços, virando o rosto com um sorrisinho irônico.
Miguel encostou em mim, como se entendesse cada palavra, e no fundo eu pensava:
— Essa vida... é só para quem aguenta.
Lorayne soltou um riso fraco, ajeitando o cabelo e encarando o teto.
— Fala sério, Camila... vai dizer que você não tem um pequeno sonho? Algo maior? Não me venha com esse papo de viver só para pagar conta.
Eu abaixei o olhar para Miguel, que estava encostado no meu peito, brincando com a barra da minha blusa. Passei a mão carinhosamente no cabelo dele, sentindo aquele aperto no peito que só quem carrega o mundo nas costas entende.
— Eu penso sim, Lorayne. — falei num tom calmo, sem tirar os olhos do meu irmão. — Quero fazer faculdade de moda um dia... criar minhas próprias peças, ter meu nome em etiquetas, ver gente importante usando o que eu desenho. Mas agora, meu sonho maior é trabalhar o suficiente para ajudar o Miguel. Quero que ele cresça, estude, e se torne alguém de bem.
Lorayne soltou um suspiro impaciente, rolando na cama como se minhas palavras fossem pesadas demais para ela escutar.
— Ai, Camila... você é linda, sabia? Podia arrumar um cara rico pra te dar tudo que quiser. Essa vida de restaurante, de bater ponto na Cantina Santo Mare, não vai te levar a lugar nenhum. A gente trabalha quase se matando e... vamos falar a verdade? Eu já percebi. Henrique vive de olho em você.
Minha expressão endureceu no mesmo instante. Encarei Lorayne de forma direta, sem rodeios.
— Para de falar bobagem, Lorayne. Henrique é filho do nosso patrão, Otávio. E, sendo bem clara, ele também é nosso patrão.
Ela arqueou uma sobrancelha e sorriu, maliciosa.
— E se ele me quisesse... eu não pensava duas vezes. Eu queria.
O quarto ficou em silêncio por alguns segundos, só o som de Miguel mexendo no pano da minha blusa preenchia o espaço. O clima ficou estranho, pesado, como se a verdade pairasse no ar, sem ninguém ter coragem de quebrar.
Eu olhei pela janela, sentindo o peso daquela vida que mal tinha começado e já me cobrava mais do que eu podia dar.
— Eu não preciso de alguém pra me dar tudo, Lorayne — pensei em silêncio. — Eu só preciso de paz.
Me levantei do chão, ajeitando o cabelo enquanto Miguel se soltava do meu colo e saía do quarto, ainda com o sorriso tímido no rosto. Peguei a roupa em cima da cadeira e encarei Lorayne, que continuava esparramada na minha cama, como se o mundo girasse devagar só pra ela.
— Vamos, Lorayne. Se arruma e para de falar bobagem. Já são dezesseis horas. A gente tem que estar no restaurante até às dezoito horas.
Ela bufou alto, jogando o corpo de lado e batendo os pés na ponta da cama como uma criança mimada.
— Sempre assim, todo santo dia a mesma coisa. Trabalhar, trabalhar, trabalhar. Tô cansada disso, Camila! Você vai ver... eu ainda vou arrumar um homem rico, bem rico, que me tire dessa vida. Vou sair viajando pelo mundo, comprando o que quiser, vivendo do jeito que eu mereço.
Segurei a roupa contra o peito, encarando a prima de cima. Respirei fundo e balancei a cabeça, cansada daquelas mesmas palavras que ela repetia como se fosse mantra.
— Você tinha que dar graças a Deus por ter um trabalho, Lorayne. Pensa menos em besteira e mais no que tem agora. Sonhar alto não enche a geladeira, não paga conta.
Sem esperar resposta, entrei no banheiro, fechando a porta atrás de mim. Enquanto a água começava a correr no chuveiro, ouvi a voz dela abafada pelo vapor e pelo eco das paredes:
— Você é boba, Camila. Vive se contentando com pouco...
Mas naquele momento, Lorayne não falava mais comigo, falava com ela mesma. Sentou-se de novo na beirada da cama, mexendo no celular, o olhar fixo num ponto qualquer, longe.
Eu sou Lorayne.
E não quero viver na miséria como a Camila. Quero ser rica, quero luxo, quero ser desejada.
Ela olhou para a porta do banheiro, com um sorriso quase venenoso, se formando no canto dos lábios.
E um dia. Camila vai ver. Vai ver quem eu sou de verdade.
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Atualizado até capítulo 51
Comments
Lucas Cardoso
lorayne , eu não sou avião mas te levo até o céu 🤣🤣
2025-05-02
2
Sophia
criança sempre deixam o ambiente mais leve por mais difícil que seja
2025-05-05
1
Lucas Cardoso
coitado do Miguel ter qe aguenta essa lorayne
2025-05-02
1