A mesa da sala de jantar parecia saída de um daqueles filmes antigos: rústica, longa, cheia de comida caseira, vinho sendo servido como se a vida dependesse disso — e talvez dependesse mesmo. Toda vez que nos reuníamos assim, duas ou três vezes por semana, eu pensava no quão necessário apesar de raro era um momento de paz entre tanta gente armada até os dentes.
— Giovanni tá cada vez mais mandão — Enrico provocou, com um sorriso de canto enquanto mergulhava um pedaço de pão no molho vermelho. — Aposto que depois do casamento vai ficar ainda pior.
— Aposto que depois do casamento quem vai mandar é a Julia — retruquei, rindo. — Giovanni só tá no comando até o vestido branco aparecer. Depois disso, irmão, adeus autoridade.
— E você meu filho, quando pensa em me arrumar um neto? Claro que casando primeiro. — falou minha mãe.
— Mãe, para que uma nora, se posso ter vários amores. — respondi rindo.
— Luca não pode nem falar, tem que andar na linha, Serena é furiosa. — Enrico provocou.
Todos riram. Luca até sorriu, com aquele olhar que dizia “fiquem zombando, seus idiotas, mas eu sou o mais feliz aqui”.
Julia, sentada ao lado dele fazia carinhos como quem diz que são só bobagens, mas sabe que vai mandar.
Serena, também com um brilho nos olhos, trocava olhares com Luca. Era bonito de ver. Casais feitos em meio ao caos, sobrevivendo ao improvável.
— Pelo menos agora tá tudo calmo — comentou Lavinia, colocando uma porção de salada no prato de Paola. — Nenhuma ameaça deixou de ser ameaça nas últimas semanas, nenhuma movimentação estranha nos territórios...
— Vamos esperar que eles não tenham coragem e fiquem só em ameaças, eles podem não ser fortes o bastante e por isso não saem das ameças. — falou Fernando.
— Ou sinal de que fizemos direito — retruquei, dando de ombros. — Às vezes, os inimigos aprendem que brincar com os Rossi, marcheses ou os Romanos não vale a pena.
Minha mãe me lançou aquele olhar clássico de "não fale sobre isso com a boca cheia", mas eu sorri mesmo assim.
— Falando em aprender… — disse Dante, servindo-se mais uma vez de lasanha — alguém aí vai dar aula de luta para esses meninos? Vão treinar ou se exibir no tatame?
— Isso aí é com o Vincenzo — Luca riu. — O cara é basicamente autoestima diariamente.
Mais risadas. O ambiente era leve, familiar. O tipo de cena que ninguém imaginaria se dissesse que ali, ao redor daquela mesa, sentavam algumas das pessoas mais temidas da Itália.
Mas ali… a gente era só família.
— A gente precisa mesmo marcar outro almoço no jardim — disse Lavinia. — Com as crianças, com as mulheres, sem armas escondidas nos bolsos dessa vez, por favor.
— Sem promessas — brinquei, erguendo a taça. — Mas por você, Lavínia, a gente tenta.
Enquanto os talheres tilintavam nos pratos e a conversa se dividia em mil pequenos assuntos ao mesmo tempo — de armas a fraldas, de operações a convites de casamento — Lavinia repousou a taça sobre a mesa e limpou os lábios com o guardanapo de tecido. O gesto foi calmo, mas o olhar dela se acendeu de um jeito diferente.
— Hoje eu entrevistei uma mulher… — começou ela, com a voz mais suave, fazendo Paola erguer o olhar com atenção — ...um dos casos mais tristes que já escutei em muito tempo.
As conversas foram silenciando aos poucos. Aquilo sempre acontecia quando Lavinia trazia à mesa uma das histórias que carregava no peito.
— Ela se chama Maria. Muito jovem. Casou com um idiota agressivo aos dezoito, engravidou e, durante a gravidez, ele se revelou um monstro. Abusos físicos, humilhações, abandono. A filha dela, Angeline, tem paralisia cerebral. Ele sumiu quando a menina tinha apenas três meses.
Giovanni franziu o cenho, Serena abaixou os olhos e Luca mordeu o interior da bochecha, como se engolisse a raiva. Eu… bom, eu fiquei em silêncio, mas algo no nome Maria mexeu comigo. Talvez fosse o modo como Lavinia pronunciava, como se já a tivesse adotado no coração.
— E ela está lutando sozinha — continuou Lavinia — sem apoio dos pais, sem recursos. Procurou ajuda pública e acabou vendo a placa do nosso escritório, mesmo que o estagiário tenha feito errado colocando aquela placa, isso a trouxe até mim, e minha meta para essas duas semanas é justamente derrubar esse idiota. Disse que o “não” ela já tinha, então resolveu tentar, a audiência é em duas semanas. Quero que todos estejam lá, se puderem — ela olhou em volta. — Não só para apoiar… mas porque essa mulher precisa sentir que não está mais sozinha no mundo.
— Todos que puderem te acompanharão filha, não só por ser sua primeira audiência, mas por ser uma moça vulnerável que precisa de ajuda. — respondeu tia Luna acariciando a mão dela.
— Conte comigo — disse Giovanni, de imediato, nós temos várias situações com vulnerabilidade na família, o sangue sempre arde quando a proteção se faz necessária.
— E comigo — reforçou Serena.
— Eu também vou — Paola afirmou, com aquele brilho protetor nos olhos.
Virei a taça lentamente e encarei Lavinia, fingindo despreocupação. Mas o interesse já estava aceso.
— É bonita? — brinquei, arqueando uma sobrancelha, arrancando risos da mesa.
Lavinia revirou os olhos, mas sorriu.
— Mais do que bonita. É digna. Mesmo com tudo, ela continua de pé. Só isso já me fez querer lutar com tudo que eu tenho.
Fiquei quieto por um segundo. Digna. Essa palavra me pegou. E se Lavinia acreditava nela… então eu já estava meio convencido também.
— Então tá decidido — falei, largando o garfo e erguendo a taça de novo. — Que ela saiba que agora tem uma mesa inteira lutando com ela.
Todos brindaram. E, sem saber ainda… brindamos também ao início de algo que mudaria minha vida.
O brinde foi geral. O clima era de paz, e mesmo que fosse só por uma noite... a gente se permitia viver como se o mundo fosse justo.
E naquela noite, olhando para cada rosto ali, eu pensei... talvez valesse a pena continuar lutando por isso.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 47
Comments
Maria Helena Macedo e Silva
quando o amor nasce em alguns, antes do encontro físico, o encontro de almas acontece primeiro 💘💗💝 e confirma quando si encontram no decorrer da vida💖
2025-04-26
2
Andrea Freire
Já se interessou só pelo nome e pela garra que a Maria tem
2025-04-14
3
Vera Lúcia Vieira
que história linda e emocionante estou amando ler essa história maravilhosa parabéns
2025-04-27
0