...CAIO NARRANDO......
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Cadeia é escola pra quem entra cego e sai pior. Mas pra mim... foi só mais uma etapa.
Três anos trancado. Três anos vendo o tempo passar devagar, como se cada minuto fosse uma sentença nova.
Quando pisei de novo nesse morro, ele reconheceu o meu passo. O povo calou a boca. Os que sabiam, abaixaram a cabeça. Os que não sabiam... iam aprender rápido.
Aqui, nome tem peso. E o meu, Caio, carrega história. Sangue, lealdade... e dor. Muita dor.
Tô sentado agora na laje da minha antiga quebrada, com a vista da favela inteira.
O sol tá rachando, mas eu nem ligo. Gosto de ver tudo de cima. De lembrar que, nesse pedaço aqui, sou eu quem dita as regras.
— Tá tudo no esquema, patrão — falou o Juninho, um dos meus homens de confiança.
— E os moleque do beco? — perguntei, sem tirar o olho da viela lá embaixo.
— Tavam querendo vender por fora... já botei ordem.
Assenti, sem emoção.
— Só avisa mais uma vez. Depois é bala.
Juninho fez que sim com a cabeça e saiu. Ninguém desafia quem já voltou do inferno. E eu voltei. Com o coração gelado e o olhar seco. Lealdade, pra mim, é linha de vida. Quem trai, não respira. Simples.
A quebrada mudou, mas o jogo continua o mesmo. O Hugo me passou o comando antes de sumir do mapa.
Disse que confiava em mim. Que eu era o único que podia manter o controle sem deixar o sangue escorrer à toa.
Mas o povo esquece. Esquece quem tu é. Esquece o que tu fez. Tem que lembrar eles todo dia.
— Caio, o Léo da barbearia tá pedindo tua presença lá embaixo. Quer trocar ideia — disse o Negrete, outro dos meus fiel.
— Ele deve tá achando que aqui é democracia — murmurei, levantando. — Vamo ver o que ele quer.
Desci com calma, passo firme, camisa regata preta e a Glock na cintura. Aqui ninguém anda desarmado. Mas comigo é diferente: eu nem preciso mostrar. Só de aparecer, nego já muda de calçada.
Cheguei na barbearia e o Léo tava suando.
— Fala, Caio... tudo certo? — tentou puxar papo.
— Fala logo, Léo. Tempo é curto.
— Então... é que uns parceiro do asfalto tão querendo trazer uns produtos pra cá. Sem envolver tua quebrada. Achei que devia saber...
Meu olho estreitou. Eu odeio indireta. Fui chegando mais perto dele.
— Tá me dizendo que tão querendo passar a perna na minha área?
— Não, não é isso... é só que...
— Que tu é frouxo demais pra botar limite — completei. — Se vier de fora, vai tombar. E se tu facilitar, vai junto.
Ele engoliu seco.
— Beleza, Caio. Tá entendido.
Dei um tapa leve no ombro dele. Não sou monstro. Mas também não sou santo.
Saí de lá e fui andando pela favela. As crianças correram quando me viram. As mães puxaram os filhos. E é isso. O respeito às vezes vem pelo medo. E eu aceitei isso.
Foi quando vi ela.
A garota de ontem. Tava sentada com a amiga, rindo de alguma coisa. Cabelo preso, cara limpa, olhar perdido em sonhos que não pertencem a esse lugar. E mesmo assim, ali. No meio do caos.
Me olhou. De novo. E desviou rápido, como se eu fosse um erro.
Talvez eu seja mesmo.
Mas por algum motivo... não consegui tirar ela da cabeça. Não é o tipo de mina que se joga em cima. É o tipo que tem nojo desse mundo. Que sonha com faculdade, vida nova, liberdade.
E eu? Eu sou prisão.
— Quem é aquela ali? — perguntei pro Negrete.
— Laura. Filha da Dona Cida. Estuda quando dá. Vive falando que vai sair do morro.
Laura. Nome leve. Mas sei que ela carrega peso. No olhar dela tem raiva misturada com esperança. E esperança... é coisa que morre aqui dentro.
— Fica de olho nela. Mas de longe.
— Qual é a fita, Caio?
— Nenhuma. Só curiosidade.
Mentira. Curiosidade é o caralho. Alguma coisa naquela garota mexeu comigo. Mas eu não posso me dar ao luxo de sentir.
Nesse jogo aqui, emoção é fraqueza. E fraqueza... mata.
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Atualizado até capítulo 52
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