A Marca Invisível

Aurora não saiu de casa por dois dias. Mantinha as cortinas fechadas, o celular desligado e as luzes acesas durante a madrugada. Dormia no sofá, com uma faca de cozinha sob o travesseiro. Seu corpo já não distinguia mais o que era sonho e realidade. Quando adormecia, sonhava com ele – os olhos negros, o sorriso gentil disfarçado de ameaça, as mãos frias tocando sua pele como se ela já fosse dele. E quando acordava, o medo permanecia. Real. Palpável.

As mensagens continuaram. Na manhã do terceiro dia, encontrou um e-mail em sua caixa de entrada. Nenhum remetente. Nenhum assunto. Apenas uma foto anexada. Ela, dormindo. De camisola, corpo encolhido no sofá. Tirada de dentro de sua casa.

O grito morreu na garganta. Ela jogou o notebook no chão, os olhos borrados de lágrimas. Ele tinha estado ali. Dentro de seu lar. Enquanto ela dormia.

Aurora correu até a porta e verificou a tranca, desesperada. Nada parecia forçado. Nenhum sinal de arrombamento. Como ele entrou? Como ele saiu? Não fazia sentido. Nada fazia. Sentia-se como uma marionete em um teatro de horrores, presa em uma peça cujo enredo não conhecia.

A polícia. Era a única saída. Mas o medo ainda falava mais alto. O que ele faria se ela denunciasse? Até onde ele iria para mantê-la sob seu controle?

E então, naquela mesma tarde, o telefone fixo tocou. Ela não queria atender. Ficou olhando para o aparelho, como se aquilo pudesse impedi-lo de invadir seu mundo mais uma vez. Mas atendeu.

— Você não precisa ter medo de mim — a voz dele era serena, quase doce. Um contraste grotesco com o terror que causava. — Eu só quero você. Só você. Sempre quis.

Aurora não respondeu. Estava paralisada. A voz dele não era apenas familiar — era íntima. Era como se falasse diretamente dentro da mente dela.

— Você ainda não entendeu, não é? Você foi feita pra mim. E tudo isso... — uma pausa. — É apenas o começo.

A ligação caiu. O som do silêncio parecia ainda mais alto depois de suas palavras. Aurora caiu de joelhos, as mãos cobrindo o rosto. Estava sendo consumida, invadida, despedaçada aos poucos. E o pior: ninguém acreditaria nela. Ninguém entenderia.

Naquela noite, decidiu fugir. Empacotou algumas roupas, pegou o pouco dinheiro que tinha e saiu às pressas. Não deixou bilhetes. Desligou o telefone. Pegou um táxi para uma cidade próxima. Um hotel barato, no centro. Um lugar onde ninguém a conhecia. Onde ele não a encontraria.

Ou assim pensava.

Horas depois de se trancar no quarto, ela ouviu três batidas na porta. Suaves. Ritmadas. Como se tivessem sido ensaiadas. Seu corpo congelou. Ninguém sabia onde ela estava. Ninguém. Caminhou devagar até a porta. Olhou pelo olho mágico. Nada.

Abriu uma fresta com o coração aos pulos. Um envelope estava no chão. Pegou com mãos trêmulas. Dentro, outro bilhete:

"Você acha mesmo que pode fugir de mim? Eu sempre saberei onde você está. Você é minha. Até o fim."

Aurora deixou o bilhete cair. Um vento frio passou por sua espinha. Ela sabia, então, que o inferno real não era feito de fogo — era feito de silêncio, de vigilância e de olhos que nunca piscavam.

E o dele... nunca desviavam dela.

Naquela madrugada, ela não dormiu. Sentada no chão, encostada na porta, abraçada às pernas, sentia que sua sanidade estava por um fio. Começou a questionar a própria mente. Estaria enlouquecendo? Teria criado tudo aquilo em um surto paranoico? Mas as provas estavam ali. As fotos. As palavras. Os toques.

Ela vasculhou o quarto do hotel em busca de câmeras escondidas. Olhou atrás da TV, dentro das tomadas, sob a cama. Em cada canto, procurava algo que revelasse como ele a encontrava. Mas tudo parecia limpo. Impecável. Intocado. Como se o próprio mundo estivesse conspirando ao lado dele.

Pela manhã, foi até a recepção e exigiu saber se alguém perguntara por ela. O recepcionista — um homem calvo, de aparência cansada — apenas balançou a cabeça.

— Ninguém. Só a senhorita mesmo.

Ela saiu andando pelas ruas da cidade como uma fugitiva, sempre olhando por cima do ombro. Em uma vitrine de loja, viu seu reflexo — pálida, o cabelo bagunçado, olheiras profundas. Não era mais a mesma mulher da boate. Aquela garota livre, risonha, não existia mais. O que restava era uma sombra, uma versão quebrada e em constante alerta.

Quando voltou ao hotel, havia algo em sua cama. Um buquê de lírios brancos. O quarto estava trancado. Nenhuma entrada forçada. Nenhum funcionário admitiu ter estado lá. Mas os lírios estavam ali, com um novo bilhete:

"Até mesmo as flores sabem onde você está."

Aurora gritou. Jogou os lírios no chão, esmigalhou-os com os pés. Chorou de raiva, de medo, de impotência. Ela sabia, agora, que fugir não adiantaria. Ele a encontraria onde quer que fosse. Ela era a obsessão dele. Um jogo que ele não pretendia perder.

E, pela primeira vez, Aurora se perguntou: até onde ela estaria disposta a ir para acabar com aquilo? Até onde seria capaz de descer para enfrentar o monstro que a marcava com olhos invisíveis e palavras cortantes?

Ela não tinha respostas. Mas sabia que não poderia continuar fugindo. Alguma coisa teria que mudar.

Porque a próxima vez que ele a encontrasse... poderia ser a última.

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Comments

Claudia

Claudia

deve ser realmente uma agonia ser o objeto de obsessão de alguém... que coisa mais aflitiva ...

2025-04-20

0

Sheyla Cristina

Sheyla Cristina

será q ele é real

2025-04-23

1

Iali Marques silva

Iali Marques silva

😳😵‍💫🥴 amo um Darkzinho

2025-04-05

1

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