Gabriel Costa encarava a pilha de relatórios sobre a máfia Moretti como se pudesse incinerar cada folha apenas com o olhar. O som ritmado do teclado quebrava o silêncio do escritório vazio, mas sua mente estava a quilômetros dali, afogada em lembranças que se recusavam a morrer.
Entre os papéis, uma foto. Enzo Moretti. Ex-colega de quarto. Amor não declarado. O homem que Gabriel nunca esqueceu — e agora, seu principal alvo.
Era cruel. Ironicamente cruel. Ele havia ingressado na polícia com o ideal de proteger os inocentes, de combater o crime e honrar a justiça. Mas agora, tudo parecia um castigo do destino. Enzo não era apenas o nome mais temido nos relatórios da força-tarefa — era o homem que um dia ele quis chamar de lar.
— Gabriel — a voz grave de Ricardo Mendes, seu chefe e mentor, ecoou na porta.
Gabriel ergueu os olhos, lutando para esconder a névoa emocional que turvava seu raciocínio. Ricardo, de braços cruzados, o observava com atenção. Sabia o que aquele nome significava para o jovem policial. Sabia demais.
— Está pronto para a operação?
Gabriel forçou a postura, embora o peito parecesse esmagado por dentro.
— Sim, chefe. Quando começamos?
Ricardo se aproximou, o semblante mais tenso que de costume.
— Amanhã. Precisamos agir com rapidez. A máfia Moretti está crescendo como erva daninha. Se não cortarmos agora, será tarde demais.
Gabriel assentiu, engolindo a dor que ameaçava transbordar. Seu dever era claro, inquestionável. Mas no fundo, ele sabia: aquela missão era um campo minado emocional. Não era apenas sobre justiça. Era sobre Enzo. Sobre o que viveram. Sobre o que não viveram.
— Eu vou fazer o meu trabalho, chefe — disse, a voz firme, embora por dentro estivesse em pedaços.
"Por que tinha que ser ele?", pensou.
A noite caiu, e Gabriel já estava posicionado no restaurante onde a operação teria início. O local era sofisticado, envolto por uma iluminação elegante e um luxo silencioso que escondia o perigo nas entrelinhas. Vestia o terno escuro que usava em missões delicadas, como se o tecido pudesse blindá-lo da tempestade interna que se formava.
Sabia que Enzo estaria ali. Sabia que o reencontro era inevitável. Só não sabia o que fazer quando o momento chegasse.
Sentou-se em uma mesa discreta, de onde podia observar a entrada com precisão. Tentava manter a postura, o olhar analítico, mas por dentro… o caos. O destino, caprichoso, parecia rir da sua desgraça. Na juventude, ele e Enzo haviam sido mais do que colegas de quarto. Tiveram algo intenso, mas nunca nomeado. Nunca vivido por completo.
E então, ele o viu.
Enzo Moretti surgiu como um fantasma do passado, vivo, perigoso e sedutor. Impecável num terno escuro, caminhava com a confiança de quem sabia ser observado. E foi direto ao ponto: olhou nos olhos de Gabriel. E o mundo parou.
— Gabriel — disse Enzo, a voz baixa, com aquele tom inconfundível que fazia o coração de Gabriel acelerar. — Quanto tempo, não?
Por um momento, Gabriel se perdeu. Queria gritar. Queria fugir. Mas não conseguiu. Enzo ainda tinha esse poder: o de congelar seu mundo com um simples olhar.
— É… muito tempo — murmurou Gabriel. Depois, ergueu o queixo e completou com frieza: — Você está sendo investigado, Enzo. Devia tomar mais cuidado.
Enzo sorriu. Não era um sorriso cordial. Era provocador, cortante.
— Eu sei por que você está aqui. Mas também sei que não veio só por causa da missão.
O sangue de Gabriel ferveu sob a pele. A provocação era clara. E ele odiava o quanto ainda reagia à presença daquele homem.
— Você não sabe nada sobre mim. Vim aqui para cumprir meu dever.
Enzo deu um passo à frente, os olhos nunca deixando os dele.
— Não acredito nisso. Você nunca foi só um policial para mim. E eu... nunca fui apenas o vilão da sua história.
A tensão era palpável. Palavras não ditas pairavam no ar. Gabriel sabia que estava num ponto sem retorno. A linha entre o dever e o desejo se tornava cada vez mais tênue.
E o que ele não sabia era que Enzo faria de tudo para mantê-lo por perto — mesmo que isso significasse destruir tudo o que Gabriel acreditava.
Horas depois, Gabriel dirigia pelas ruas vazias, tentando deixar para trás o turbilhão que o encontro despertara. Mas era impossível. As palavras, os olhares, o toque não dado — tudo queimava em sua memória como se tivesse acabado de acontecer.
Seu celular vibrou no painel. Uma mensagem de Sofia.
Sofia: “Preciso falar com você. Encontrei algo sobre a operação. Me liga assim que puder.”
Gabriel suspirou e estacionou o carro perto de um parque abandonado, um lugar onde costumava ir para pensar. Mas antes que pudesse responder, outro nome apareceu na tela.
Enzo Moretti.
Seu coração parou por um segundo. Ele não devia atender. Não podia. Mas seus dedos se moveram antes que a razão conseguisse impedi-lo.
— Você não devia me ligar, Moretti — disse, tentando soar firme. Mas a firmeza estava longe dali.
— E você não devia ter me olhado daquele jeito hoje — veio a resposta, carregada de veneno doce. — Não como policial. Como o Gabriel que eu conheci.
O silêncio se arrastou por segundos longos demais.
— O que você quer?
— Te ver.
— Já nos vimos. E foi o suficiente.
— Não. Você sabe que não foi.
Gabriel fechou os olhos. Devia desligar. Encerrar aquilo. Mas, em vez disso, disse:
— Onde?
Meia hora depois, Gabriel estacionava em frente a um galpão abandonado na zona industrial. O coração batia como se quisesse escapar do peito. Sabia que era um erro. Mas não conseguia ir embora.
A porta metálica rangeu ao se abrir, revelando Enzo nas sombras. Agora sem o terno impecável — vestia apenas uma camisa escura e jeans. Desarmado. Exposto.
— Eu sabia que você viria — disse Enzo, se aproximando.
— Isso não significa nada.
Enzo parou a centímetros dele, encarando-o nos olhos.
— Não mente pra mim, Gabriel. Nunca funcionou.
O ar parecia denso. Gabriel sentia o calor do corpo de Enzo, o cheiro amadeirado familiar que evocava memórias perigosas. Enzo ergueu a mão devagar, tocando seu rosto com os dedos. O polegar roçou sua mandíbula, como um pedido mudo. Ou uma sentença.
— Se você não sente mais nada… então me afaste.
Era um desafio. Um convite. Uma queda livre.
E Gabriel falhou.
Agarrou Enzo pela nuca e o beijou com urgência, raiva e saudade. Suas bocas se encontraram como duas forças em colisão, vorazes, feridas e famintas. As mãos de Enzo o puxaram pela cintura, prendendo-o num abraço que dizia tudo o que os anos calaram.
O beijo era tudo o que não deveriam sentir — mas era real. Era inevitável.
Quando se separaram, Gabriel estava ofegante. Os olhos perdidos, carregados de culpa.
— Isso... nunca deveria ter acontecido.
Enzo sorriu de lado, a voz rouca:
— Mas aconteceu. E vai acontecer de novo.
Gabriel deu as costas, o corpo ainda em chamas. Enquanto caminhava de volta ao carro, uma certeza o consumia: da próxima vez… ele talvez não tivesse forças para resistir.
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Atualizado até capítulo 31
Comments
Anna Silva
Oi gente boa, estou com uma nova obra, vão lá no meu perfil e leiam ela também..... Obrigada 🌹❤️
2025-04-11
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rosangela aparecida
Eita!! Começando a leitura hoje 04/07/2025 Já estou gostando.
2025-07-04
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Raquel Alves Pedrosa Rachel Alves
❤️
2025-05-01
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