As Palavras Não Ditam

A noite se estendia sobre Kyoto como um manto de seda azul-escuro, pontilhado pelas luzes dos lampiões que tremeluziam suavemente com a brisa úmida. As ruas de pedra brilhavam sob a garoa leve, e o som de passos ritmados ecoava entre as vielas.

Yukio e Hana caminhavam lado a lado, sem pressa, sem destino. O silêncio entre eles não era desconfortável, mas cheio de significados.

— Você escreve em algum lugar? — Hana perguntou de repente, os olhos brilhando com a curiosidade de quem já sabia a resposta.

Yukio hesitou.

— Por que a pergunta?

Ela sorriu de canto, puxando o celular do bolso do casaco e, sem dizer nada, virou a tela para ele.

O choque o atingiu como uma onda.

Ali, na tela iluminada, estava seu blog. O título discreto, o fundo minimalista, os textos repletos de sentimentos que ele nunca havia dito em voz alta. Hana rolava lentamente a página, os dedos deslizando sobre palavras que, até aquele momento, ele acreditava serem invisíveis para o mundo.

— Como você encontrou isso? — Yukio perguntou, o coração acelerado.

— Eu procurei — ela respondeu, como se fosse óbvio. — Você disse que não escrevia, mas sua expressão dizia o contrário. Então, eu segui um palpite.

Ele ficou em silêncio, observando enquanto ela continuava a leitura. Sentia-se vulnerável, exposto. Nunca imaginou que alguém um dia encontraria aquele canto secreto onde ele despejava sua alma.

— Você escreve sobre coisas que não diz — Hana murmurou, os olhos ainda na tela. — Sobre saudade, sobre solidão, sobre querer estar em outro tempo e lugar.

Yukio passou a mão pelos cabelos úmidos, desviando o olhar.

— Talvez… seja mais fácil escrever do que falar.

— É como eu disse — Hana ergueu os olhos para ele, um brilho curioso em sua expressão — poesia é uma confissão disfarçada.

Aquelas palavras ficaram pairando no ar entre eles.

— O que você acha? — Yukio perguntou, sem saber exatamente por que queria ouvir a opinião dela.

Hana sorriu suavemente.

— Acho que você tem medo de ser visto.

Yukio sentiu um aperto no peito. Como ela podia enxergar através dele tão facilmente?

— E você? — ele revidou. — Você disse que escreve, mas não deixa ninguém ler. Então, qual é a diferença?

Ela inclinou a cabeça levemente, como se ponderasse sobre a pergunta.

— A diferença — respondeu, sua voz baixa e pensativa — é que você escreve para ser encontrado, mesmo que não perceba.

Yukio franziu a testa.

— O que quer dizer?

— Seus textos — Hana passou o dedo sobre a tela do celular, apontando para um trecho específico — sempre terminam com uma pergunta. Sempre há algo que você parece esperar como resposta.

Yukio olhou para a tela. Ela estava certa. Ele nunca havia percebido aquilo.

A noite se aprofundava ao redor deles, mas o mundo parecia suspenso naquele instante.

— Eu gosto do que você escreve — Hana disse, guardando o celular no bolso. — Você deveria escrever mais.

Yukio a observou por um momento, sentindo que algo dentro dele estava mudando.

Talvez, pela primeira vez, ele quisesse realmente ser encontrado.

O vento frio da noite já não incomodava quando Yukio e Hana entraram em sua casa. O ambiente era simples, organizado de um jeito que misturava funcionalidade e um certo toque de desleixo artístico. Livros empilhados sobre a mesa, folhas rabiscadas aqui e ali, um violão encostado na parede.

— Bem-vinda ao meu caos — ele disse, dando de ombros.

Hana olhou ao redor com curiosidade, os olhos percorrendo cada detalhe. Ela sorriu ao notar um caderno aberto sobre a escrivaninha, repleto de rascunhos e anotações desconexas.

— Então você também desenha?

— Mais ou menos — Yukio respondeu, puxando uma cadeira. — Mas esse aqui… esse está fazendo sucesso.

Ele pegou o tablet da mesa e, com um toque na tela, abriu um desenho. Assim que Hana viu, cobriu a boca com as mãos, tentando conter uma risada.

— O quê?! — ela arquejou, arregalando os olhos.

O desenho era hilário. Uma sandália tradicional japonesa, mas feita de madeira maciça, batizada de *Havaianas de Pau*. O design exagerado, a descrição detalhada e os comentários das pessoas tornavam tudo ainda mais cômico.

— Você não fez isso! — Hana gargalhou, segurando o estômago.

— Eu fiz! — Yukio riu junto, inclinando-se para olhar a tela com ela. — E as pessoas estão adorando!

Ele rolou a página, mostrando os comentários animados. Alguns diziam que queriam um par, outros sugeriam variações ainda mais absurdas.

Hana chorava de tanto rir.

— Isso é genial! Imagine só o barulho que isso faria ao andar!

Yukio riu ainda mais ao imaginar a cena.

— Exato! O slogan seria: *"O equilíbrio entre tradição e torção de tornozelo!"*

Isso foi o suficiente para Hana cair na gargalhada novamente, encostando-se no sofá para recuperar o fôlego. Yukio, por sua vez, se divertia observando-a. O brilho nos olhos dela, a maneira como inclinava a cabeça ao rir, o som genuíno da sua alegria… era contagiante.

Ele percebeu que gostava de vê-la assim. Gostava da forma como a presença dela parecia iluminar o ambiente, como se trouxesse cor para um mundo que, até então, ele enxergava em tons de cinza.

Por um instante, Hana virou o rosto e encontrou seu olhar. A risada foi se acalmando, e o silêncio se instalou de forma diferente dessa vez — não constrangedor, mas carregado de algo que nenhum dos dois sabia exatamente nomear.

O sorriso ainda pairava nos lábios de Hana quando ela cruzou os braços e inclinou a cabeça levemente.

— Então… você faz sucesso como escritor e como designer de calçados revolucionários?

Yukio sorriu.

— É um talento natural.

Ela riu outra vez, balançando a cabeça.

— Eu definitivamente quero ver mais disso.

— Posso te mostrar, se quiser — ele disse, pegando o tablet novamente.

Hana apenas assentiu, e os dois passaram a próxima hora explorando as criações absurdas de Yukio, rindo, comentando e compartilhando histórias que talvez nunca tivessem contado a mais ninguém.

Era engraçado como, às vezes, os encontros mais inesperados nos levam às conexões mais genuínas.

A noite em Kyoto tinha um perfume suave de terra molhada e o sussurro da brisa nas folhas das árvores. Depois de tanto rirem do desenho das *Havaianas de Pau*, Yukio e Hana sentaram-se na varanda de madeira da casa, sentindo a tranquilidade daquele momento.

A chuva fina já havia cessado, e um silêncio confortável se instalou entre eles. Hana abraçou os joelhos, observando o quintal iluminado pela luz fraca de um poste próximo. Yukio, por sua vez, pegou o violão que estava encostado na parede ao lado da porta.

— Você toca? — Hana perguntou, surpresa.

Ele deu de ombros, dedilhando as cordas suavemente.

— Às vezes. Quando quero silenciar os pensamentos.

A melodia que começou a tocar era delicada, melancólica, quase como um poema sem palavras. O som preenchia o ar, criando uma atmosfera que parecia suspender o tempo. Hana desviou o olhar para os pés dele, descalços, levemente levantados atrás do pé da cadeira, como se estivessem flutuando com o ritmo da música.

Ela sorriu. Era um detalhe bobo, mas havia algo fascinante na forma distraída como ele tocava, completamente imerso na melodia.

Yukio, por outro lado, olhava para ela nitidamente. Não era um olhar invasivo, mas havia uma verdade ali, algo que não precisava ser dito. Como se, apenas naquele instante, ele percebesse o quanto gostava da presença dela ali.

Hana sentiu o coração bater diferente, mas não desviou o olhar. Deixou-se ficar naquele momento, naquela canção que ele tocava sem pressa, sem medo, como se fosse apenas para ela.

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