A chuva continuava a cair, fina e persistente, como se o céu nunca fosse se cansar de lamentar. No hospital, o mundo parecia suspenso no tempo — o branco das paredes, o cheiro de éter, o som abafado das máquinas monitorando vidas que se equilibravam entre o agora e o nunca mais.
Dambis sentia o peso do lugar, mas a presença de Yami era um desvio inesperado daquela monotonia sufocante. Ele ainda não sabia o que pensar sobre ela. Não era como se tivessem trocado grandes palavras. Apenas a chuva, os olhares e o entendimento silencioso que só aqueles que convivem com o fim conseguem compartilhar.
Ele a observava de canto de olho enquanto rabiscava no caderno. Não era um poema, não ainda. Apenas fragmentos.
"O tempo dança, mas para onde ele vai?
Os ponteiros correm, mas nunca chegam a lugar algum.
Será que o fim é só o começo de outro vazio?"
Suspirou e fechou os olhos por um instante. Yami, ao seu lado, não disse nada. Mas ele sentiu que ela estava lendo.
— Você escreve para fugir ou para se encontrar? — a voz dela soou baixa, mas firme.
Dambis abriu os olhos e virou o rosto lentamente. Yami não o encarava diretamente; seus olhos estavam fixos na chuva lá fora. Mas ele sabia que a pergunta não era vazia.
Ele pensou na resposta. Pensou nas noites em claro, na febre que vinha e ia, no gosto metálico do medo quando o médico lhe dissera o diagnóstico. Pensou na ausência da mãe, no silêncio do quarto dela, na falta daquele sorriso que antes preenchia tudo.
— Escrevo porque não sei o que fazer com o tempo.
Yami soltou um pequeno riso nasalado, sem humor.
— Engraçado. Eu escrevo porque o tempo está acabando.
Os dois ficaram em silêncio novamente. A chuva continuava.
Dambis se perguntou há quanto tempo ela estava ali, quanto tempo ainda lhe restava. Perguntou-se se ela também pensava em quem deixaria para trás, se havia alguém esperando por ela fora dali.
Ele não soube o que dizer, então apenas voltou a escrever.
"Se o tempo fosse feito de papel,
eu rasgaria cada página que me condena."
Yami pegou o próprio caderno. Dambis percebeu que a capa era escura, gasta pelo tempo. Ela passou os dedos sobre as páginas amareladas e, sem olhar para ele, começou a escrever também.
A chuva lá fora se intensificou. E, de alguma forma, naquele instante, não importava mais quanto tempo restava para cada um deles.
O silêncio entre eles se estendia, mas não era desconfortável. A chuva batia na janela com uma força crescente, acompanhada dos trovões distantes, como se o próprio céu estivesse compartilhando suas emoções. O som das gotas que se chocavam contra o vidro se tornou um ponto de conexão, um vínculo invisível entre as duas almas que se entendiam sem palavras.
Dambis observava os dedos de Yami deslizando pela caneta, rabiscando no papel com uma suavidade desconcertante, como se cada palavra fosse um alívio para algo profundo que ela guardava. Ele não sabia o que ela escrevia, mas a quietude no ar dizia que estava escrevendo para si mesma, algo íntimo, talvez mais verdadeiro do que qualquer conversa que poderiam ter.
O tempo, esse inimigo invisível que insistia em correr, parecia se arrastar lentamente naquele quarto de hospital, mas, ao mesmo tempo, se expandia. A mente de Dambis se sentia sufocada pelo peso do futuro, mas suas mãos continuavam a escrever, como se as palavras fossem uma tentativa de ancorar sua mente na realidade.
Ele não queria pensar no fim. Não queria se perder na ideia de que a morte estava se aproximando de forma implacável. Então, ao invés disso, escreveu:
"O tempo se desfaz, como poeira ao vento,
mas será que ele pode ser salvo?
Será que, ao final, ele se lembra de nós?"
Yami parou de escrever por um momento. A caneta, que antes corria suavemente sobre o papel, agora estava imóvel em suas mãos. Ela olhou para Dambis, os olhos profundos e sombrios, como se estivesse pesando as palavras que ele havia escrito.
— O tempo não se lembra de nós — disse ela, a voz agora mais baixa, quase um sussurro. — O tempo nos esquece, Dambis. Não importa o que fizemos, não importa quanto tentemos segurar.
Ela fez uma pausa, como se as palavras que saíam de sua boca fossem um tipo de confissão, algo que ela não costumava compartilhar com facilidade.
— Mas as palavras... as palavras permanecem. Elas têm o poder de nos guardar. Mesmo quando o tempo nos leva embora, nossas palavras ficam. Elas são como fragmentos de algo que resistiu. Algo que, talvez, nunca se acabe.
Dambis sentiu um arrepio na pele, não apenas pelo que ela disse, mas pela maneira como ela falou. Como se ela conhecesse, de alguma forma, a dor que ele tentava esconder. Ele não respondeu imediatamente, sentindo o peso de suas próprias palavras no ar.
— Então, por que escrever? — ele perguntou, sua voz mais suave do que ele pretendia. — Se nada do que fazemos importa no fim?
Yami olhou para ele, os olhos estreitos, como se estivesse tentando decifrar a pergunta.
— Porque, mesmo que o tempo nos apague, aquilo que escrevemos nos torna imortais, mesmo que seja por um instante. Nossas palavras podem ser esquecidas, mas o eco delas nunca desaparece totalmente. E, quem sabe, alguém ainda poderá ouvir esse eco.
Dambis ficou em silêncio por um momento, absorvendo o que ela dissera. Ele sentia que suas próprias palavras eram apenas um grito abafado, uma tentativa desesperada de encontrar algo em meio ao caos. Mas, ao mesmo tempo, ele sentia a verdade no que Yami dizia.
Ele olhou para o caderno em seu colo, as palavras escritas ali, tão pequenas diante do que ele sentia, mas, talvez, fossem tudo o que ele poderia oferecer.
E, de repente, ele se deu conta de que talvez as palavras fossem mais do que um alívio ou uma fuga. Talvez fossem o último laço que ele teria com a mãe, com sua própria vida, com o mundo que ele estava prestes a deixar para trás. E, mesmo que a morte estivesse à espreita, havia uma espécie de liberdade nas palavras. Uma liberdade que o tempo não poderia levar.
Ele pegou a caneta novamente, com uma decisão firme. Olhou para Yami, que ainda estava ali, ao seu lado, compartilhando o momento, e escreveu:
"Mesmo que o tempo se apague,
nós persistimos nas palavras.
E, por um instante, somos eternos."
Yami leu as palavras e, pela primeira vez, um sorriso suave apareceu em seu rosto. Era um sorriso pequeno, mas significativo, como se ela finalmente tivesse encontrado um terreno comum com ele.
Eles continuaram a escrever em silêncio, com a chuva lá fora como a única testemunha do que se passava no interior daqueles dois corações. O tempo continuava a correr, mas agora parecia um pouco menos urgente, um pouco menos assustador. No final, talvez o que restasse não fosse a luta contra o tempo, mas a capacidade de criar algo que o tempo não pudesse destruir.
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Atualizado até capítulo 31
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