Melhores amigas

l— É, você me deixou surpreso, Amelie.

Sorri ao beber mais um gole da minha cerveja. O gosto amargo parecia grudar na garganta, e, ainda assim, havia algo reconfortante naquela sensação. Era como um lembrete de que eu continuava viva e, de certo modo, perigosa.

Conrad se aproximou em silêncio, o barulho dda boate era ensurdecedor. Sentei-me na beira da poltrona de uma mesa vazia, observando o reflexo das luzes da cidade sobre o vidro para o lado de fora. Não precisei virar o rosto para sentir o olhar dele pousado em mim pesado, avaliador, inquietante.

— Surpreso? — perguntei, sem me mover. — Por quê, querido? Você não achou que eu fosse ficar trancada lá embaixo, não é? Eu também gosto de um pouco de diversão.

— Você gosta de chamar atenção — respondeu com a voz baixa, quase um murmúrio, mas carregado de provocação. — Isso é diferente de querer se divertir.

Revirei os olhos, girando o copo entre os dedos.

— Se julga tão inteligente… eu tenho pena de você, Conrad.

Me levantei, pronta para deixá-lo falando sozinho. O ar entre nós estava carregado, denso, quase palpável. Mas antes que eu pudesse dar um passo, ele me segurou pelo braço e me puxou para perto, perto o bastante para que eu sentisse o cheiro do whisky misturado ao perfume amadeirado da sua pele.

O toque foi firme. Dominante. Deliberado.

— Não brinque comigo. — Sua voz roçou em meu ouvido, grave, controlada. — Você não faz ideia do que está provocando.

— Ah, eu sei exatamente o que estou provocando. — retruquei com um sorriso enviesado.

Ele me olhou nos olhos, e por um instante o tempo pareceu se comprimir. O silêncio entre nós era uma guerra muda, o desejo e poder disputando o mesmo espaço. Conrad se inclinou devagar, a respiração quente tocando minha pele. Eu poderia ter cedido. Poderia ter me perdido ali, mas não…

Desviei o rosto no último segundo.

Eu não facilitaria para ele.

— Ah, não… — ele sussurrou, quase rindo. — Vai me dizer que está surpresa por eu tentar te beijar?

— Não. — soltei, erguendo o queixo. — Não estou surpresa por você tentar me beijar. Estou surpresa por você achar que eu iria corresponder.

Meu sorriso foi frio, controlado, mas por dentro o coração batia num ritmo perigoso. Quando me afastei, vi o maxilar dele travar e eu soube que tinha vencido a rodada.

Ponto para você, Amelie. – Pensei.

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Horas depois, os corredores de mármore da Cede pareciam mais longos do que o normal. O som distante de passos ecoava e desaparecia, engolido pelo silêncio habitual do andar técnico. Abri a porta do laboratório sem bater, os velhos hábitos morrem devagar, e o cheiro de metal, papel e reagentes químicos me atingiu como uma lembrança.

— Até quando você vai me ignorar? — perguntei, cruzando os braços e me encostando à bancada.

Maitê nem se mexeu. Continuou folheando os relatórios com precisão cirúrgica, o cabelo preso em um coque apressado.

— May, é sério. — insisti. — Não podemos superar isso?

— Não podemos. — respondeu, seca, sem desviar os olhos.

Suspirei fundo.

— Você é impossível. — caminhei até ela, apoiando as mãos na mesa. — Eu sinto tanto a sua falta…

Ela largou os papéis devagar, respirou fundo e finalmente me olhou. O olhar dela era firme, mas havia cansaço ali. Dor também.

— Eu também sinto sua falta. — admitiu. — Mas sei que, na primeira oportunidade, você foge daqui como um rato.

— E você me odeia por isso? – Questionei encarando-a.

— Odeio você por não me contar o que sente. — respondeu com calma. — Odeio você por ter ido embora sem avisar. Achei que éramos parceiras.

— E somos. — dei um passo à frente, mostrando o pulso, onde ainda estava a pulseira de prata com o pingente de algemas. — Olha… ainda está aqui. Parceiras nos crimes, lembra? Sempre juntas. Eu nunca tirei.

Os olhos dela se encheram d’água, e o gelo começou a derreter.

— Eu também não tirei. — murmurou, levantando a manga da blusa para mostrar a dela. — Eu te odeio, sabia?

Em um segundo, o rosto dela desfez a dureza e ela me puxou para um abraço. Fiquei imóvel por um instante, antes de ceder. O calor do toque dela dissolveu parte da armadura que eu vinha carregando desde o dia em que voltei.

Ali, entre tubos de ensaio e segredos químicos, eu encontrei o único tipo de afeto que ainda me parecia verdadeiro. E o que eu mais havia sentido falta

— Você é uma idiota. — disse ela, com a voz abafada contra meu ombro.

— E você tem o coração mole. — sorri.

Nos separamos, e por um momento o ar pareceu mais leve. Sentamos lado a lado, e ela começou a me atualizar sobre tudo o que tinha acontecido. Falava rápido, empolgada, como antes. Eu só observava, o brilho nos olhos dela, o jeito como gesticulava, a forma como tentava esconder o quanto ainda se importava.

Enquanto ela falava, percebi algo que me atravessou como um estalo: eu sentia falta disso.

Falta dela. Falta de ter alguém com quem eu pudesse ser mais do que a mulher fria que todos viam. Por um instante, deixei o pensamento se alongar: talvez eu quisesse recomeçar. Talvez essa fosse minha chance. Uma parte de mim estava feliz por estar de volta.

Mas no fundo, eubsabia que a paz era temporária. O jogo da máfia nunca parava. Conrad ainda estava lá fora, me observando como quem planeja o próximo movimento. Henrique ainda esperava minha obediência. E Maitê, sem perceber, acabava sempre no fogo cruzado das minhas escolhas.

O barulho do sistema de ventilação quebrou o silêncio, e eu olhei para ela uma última vez.

— May… se as coisas piorarem, você promete que vai ficar fora disso?

Ela me olhou, desconfiada.

— Promessas nunca foram o seu ponto forte, Amelie.

Sorri, sem graça.

— É, mas sempre fui boa em quebrar padrões.

Ela balançou a cabeça, rindo, e voltamos à conversa como se nada tivesse acontecido.

Mas no fundo, eu sabia: o fio que nos unia era frágil. E o próximo erro podia rompê-lo para sempre.

Ainda assim, por alguns minutos, escolhi acreditar que tudo estava bem.

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