Naquela tarde, Júlia chegou em casa sentindo o peso das palavras de Miguel ainda em seus ombros. Sua casa era um pequeno refúgio, uma típica casa de classe média, com paredes de um amarelo suave e fotos antigas da família espalhadas pela sala de estar. Assim que entrou, sua mãe, Mariana, a cumprimentou com um sorriso caloroso, enquanto terminava de preparar o jantar.
— Oi, filha! Como foi na escola? — Mariana perguntou, sem notar o semblante preocupado de Júlia.
— Foi… normal — Júlia respondeu, colocando a mochila no sofá e se jogando ao lado. Ela queria falar sobre o que estava acontecendo com Miguel, mas não sabia se sua mãe entenderia. Mariana sempre foi uma pessoa otimista, o tipo que acreditava que tudo podia ser resolvido com uma boa conversa. Mas Júlia sabia que as coisas eram mais complicadas do que isso.
— Está tudo bem? Você parece meio distante. — A mãe de Júlia sentou ao lado dela, olhando-a de perto.
Júlia forçou um sorriso. — Só cansada. O terceiro ano está pesado, e… tem muitas coisas na minha cabeça.
Mariana assentiu. — Eu sei que é um ano importante, mas não se pressione demais. Você tem o apoio de todos nós. E quanto a Miguel? Vocês estão bem?
Júlia hesitou antes de responder. — Sim, estamos... bem.
Ela sabia que estava mentindo, mas não tinha forças para discutir o assunto agora. Subiu para o quarto, fechou a porta atrás de si e se deitou na cama, encarando o teto. As palavras de Miguel ainda ecoavam em sua mente. “Estamos nos afastando.” Será que aquilo era só uma fase ou um sinal de que algo maior estava errado?
Enquanto isso, na casa de Miguel, a atmosfera era completamente diferente. Seu pai, Dr. Marcos, estava sentado à mesa do jantar, analisando os resultados de alguns exames de seus pacientes, enquanto sua mãe, Renata, preparava o jantar com a mesma precisão de sempre. A casa dos Silva era silenciosa, organizada, e carregada de expectativas não ditas.
— Como foi na escola hoje, filho? — perguntou Dr. Marcos, sem desviar os olhos dos papéis à sua frente.
— Normal — Miguel respondeu, sentando-se à mesa com uma expressão distante. Ele sabia o que viria a seguir. Seu pai sempre perguntava sobre os estudos, mas era só uma preparação para a verdadeira questão: os planos para a faculdade de medicina.
— Espero que você esteja aproveitando bem as aulas de reforço para o vestibular. Você sabe que não podemos deixar nada ao acaso. Medicina não é fácil, Miguel.
Renata, que estava servindo a comida, lançou um olhar silencioso de apoio para o filho, mas não disse nada. Ela sabia que Marcos tinha o melhor interesse em mente, mas também sabia o quanto ele pressionava Miguel.
— Eu sei, pai. Estou estudando. — Miguel respondeu com um tom contido, já acostumado com a conversa.
A verdade era que ele se sentia sufocado. A pressão para entrar em medicina vinha de todos os lados. Ele entendia a expectativa de seu pai, mas a sensação de que sua vida já estava predeterminada por alguém o incomodava profundamente. E agora, com Júlia parecendo tão distante, ele se sentia mais perdido do que nunca.
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No dia seguinte, na escola, Júlia e Miguel não conversaram muito durante a manhã. Havia uma tensão palpável entre eles, mas ambos estavam tentando ignorar. Durante o intervalo, Miguel foi chamado para uma reunião com o professor de biologia, que queria falar sobre sua preparação para o vestibular. Enquanto ele estava ocupado, Júlia decidiu se juntar a sua melhor amiga, Clara.
— Você e Miguel parecem meio estranhos ultimamente. — Clara comentou casualmente enquanto mordiscava um pedaço de bolo.
Júlia suspirou, olhando para o chão. — Eu não sei... parece que estamos nos distanciando, e não sei o que fazer.
— Isso acontece, sabe? O terceiro ano é estressante para todo mundo. Entre vestibular, família e expectativas, as coisas podem ficar confusas.
— É, talvez seja só isso. — Júlia queria acreditar que o estresse estava fazendo tudo parecer pior do que realmente era, mas uma voz em sua cabeça dizia que o problema era mais profundo.
Mais tarde, durante a aula de literatura, Miguel entrou na sala com um caderno de anotações, com um olhar mais tenso do que o habitual. Júlia o observava de longe, tentando decifrar o que se passava na cabeça dele. O professor pediu que eles formassem duplas para um trabalho sobre as obras de Machado de Assis, e, naturalmente, Miguel e Júlia ficaram juntos.
Enquanto os outros alunos discutiam animadamente, os dois trabalhavam em silêncio, cada um mergulhado em seus próprios pensamentos. Finalmente, foi Júlia quem rompeu o silêncio.
— Eu sinto que não estamos mais como antes — ela disse baixinho, olhando para o livro à sua frente.
Miguel respirou fundo, hesitando antes de responder. — Eu também sinto isso, mas não sei como consertar. Parece que tudo está desmoronando ao nosso redor.
Ela olhou para ele, buscando alguma resposta em seus olhos. — A gente vai encontrar um jeito, Miguel. Sempre encontramos.
Ele olhou para ela por um momento, como se estivesse prestes a dizer algo importante, mas então desviou o olhar, voltando a se concentrar no trabalho.
Aquele momento não trouxe a clareza que Júlia esperava, mas ao menos, por um breve instante, ela sentiu que eles ainda estavam juntos, de alguma forma. Mesmo com todas as dificuldades e incertezas, ela não estava pronta para desistir.
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Mais tarde, quando Miguel chegou em casa, ele encontrou sua mãe sentada na sala, esperando por ele. Renata sempre foi mais compreensiva do que o pai, e Miguel sabia que podia conversar com ela.
— Tudo bem, meu filho? — Ela perguntou, observando o olhar cansado do filho.
Miguel hesitou, mas depois de um momento, desabafou. — Não sei, mãe. Às vezes sinto que estou decepcionando todo mundo... o pai, Júlia, eu mesmo.
Renata se aproximou e segurou a mão dele. — Você não está decepcionando ninguém. O importante é que você seja honesto consigo mesmo. O que você quer, Miguel?
Ele olhou para ela, sem saber o que responder. Pela primeira vez, a pergunta que sua mãe fez parecia tão distante de uma resposta. O que ele queria? Ele não sabia mais.
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Atualizado até capítulo 55
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