Será que tem um gosto bom?

Uma respiração ofegante era a única coisa que se ouvia ali.

Passo por passo, Ciel tentava avançar, tropeçando ou escorregando na grama uma vez ou outra.

Sua respiração era pesada, difícil. Ela não sentia que estava carregando uma mochila, mas sim que era uma montanha.

Seu olhar passeava inútilmente pelo chão, já que ela não podia ver nada.

A mente dela que havia começado tendo medo pelo desconhecido, agora já não se importava tanto.

Ela não tinha mais força mental para se preocupar. Não depois de quase três dias de caminhada naquele lugar estéril.

O rio que antes era belo e encantador, agora parecia rir da lentidão e aparência desgrenhada dela.

Mas ela passou a considerá-lo um sinal de sorte e esperança. Já que com sede talvez ela estivesse bem pior.

Com os seus pensamentos enlouquecendo novamente nessa direção, Ciel balançou a cabeça para retomar o foco.

Por conta da solidão e eterna escuridão, seus pensamentos muitas vezes não pareciam seus.

Às vezes ela sentia como se um sussurro tentasse convencê-la a deixar a mochila para trás.

No pior dos casos, o sussurro pedia que ela se jogasse no rio e ficasse por lá.

Suspirando pesadamente e tomando um gole da garrafa de água, ela parou, deixando seu olhar vazio passear.

Ciel estava cansada daquilo tudo.

Lembrando-se da cama quente e confortável antes de vir parar ali, não pareciam ter passado dias, pareciam semanas.

Às vezes, aquela escuridão parecia abraça-la e ela esquecia da noção do quanto andou. Ao menos até que seu estômago roncasse de fome e seus pés reclamassem de dor.

Lembrando-se inutilmente que hoje — pelo que constava no celular — deveria ser o dia que ela voltava para casa, sua expressão ficou sombria.

"O que fazer sobre isso?", ela pensou transbordando ironia e tristeza, "Se eu voltasse, deveria ao menos pedir o dinheiro de volta".

***

Pelo que pareceu horas, Ciel não teve mais forças para questionar a distância daquele lugar. Mas questionou sua sanidade, quando em meio a escuridão completa, sentiu que ouviu um bater de asas.

Logo, ela finalmente viu algo que a fez parar.

Naquela escuridão, qualquer coisa poderia assusta-la. Mas ainda pior foi não ter certeza sobre o que ela estava vendo.

Com uma onda de alívio, ela percebeu que era pequeno e pelo som e altura, tinha asas.

Logo a figura pousou alguns metros a frente.

Pouco a pouco Ciel viu penas de um preto brilhante, com várias delas roxas, se destacando.

Mas seu olhar não quis se desviar dos olhos da coruja que havia pousado.

Eram simplesmente hipnotizantes, de um preto fosco ainda mais profundo que os das penas, porém iluminado por um azul maravilhoso nas íris.

A coruja rapidamente cortou o transe da jovem, quando ao encontrar seus olhos deu um pio fraco e voou em sua direção.

Ciel se desesperou, seus olhos se arregalaram vendo o pássaro vir na direção do seu rosto. Porém a dor que ela esperava nunca veio.

Franzindo a testa depois de sentir o vento roçar sua bochecha, Ciel abriu os olhos.

Com um susto que tirou todo o ar dela, ela deu um salto para trás quando percebeu o pássaro a observando do seu ombro.

O pássaro se ergueu no ar, calmante mantendo sua altura de um jeito estranhamente anormal e belo.

”É como magia" ela pensou observando o pássaro pairar no ar, até que avançou para ela denovo, agora mais lentamente.

Pousando no seu ombro como se nada tivesse acontecido e a observando curiosamente.

Com um misto de medo e confusão, ela sentiu que a coruja parecia até meio arrogante ali, quase como se dissesse que o lugar sempre foi dela... "Ou como se mandasse um cavalo voltar a andar...", pensou Ciel, piscando algumas vezes.

Cansada demais para entender tudo aquilo e dando alguns olhares estranhos para seu hóspede, que bicava suas penas, Ciel voltou a caminhar.

Por algum motivo, sem sentir tanto medo ou tensão pelo pássaro.

Ao contrário, parecia que o peso a mais em seu ombro a confortava.

"Carona de graça...", ela pensou com um sorriso pálido, que se tornou um pouco feroz em seguida:

"Será que tem um gosto bom?", ela ouviu sua mente sussurrar de repente, enquanto sentia o pássaro piscar agradavelmente para os olhares dela.

***

Pelas próximas horas, Ciel caminhou em silêncio. Muitas vezes, lançando olhares para a bela coruja.

A maioria deles, sendo apenas para confirmar que ela não estava louca. O pássaro não se importava. Ele passava a maior parte do tempo de olhos fechados, era quase uma estátua no ombro dela.

As vezes, ela se perguntava de onde o animal tirava toda essa tranquilidade.

Nos últimos dias ela mal conseguia fechar os olhos por três ou quatro horas e acordava de um pesadelo.

Sua mente se tornou instável demais, ela mesma podia perceber. Muitas vezes, ela chorava de ansiedade por todo o caminho.

Parava a cada poucas horas para descansar e se lavar. A água era morna e podia ficar bem agradável.

O rio e o pássaro, começaram a se tornar bons companheiros para ela, e seu celular era sua luz naquele lugar. Uma prova de que ela ainda estava vivendo. Todas as vezes que ela o ligava e via que os horários haviam mudado, um suspiro de alívio fluía dela antes de rapidamente desligar o celular.

Ironicamente, o pássaro se tornava uma boa companhia nessas paradas.

Na primeira vez que ela o ligou, ele voou assustado, na segunda vez já encarava o aparelho com um olhar curioso e nas próximas ele perseguia a mão dela, quase parecia querer tirá-lo das mãos dela para tentar, arrancando risadas da garota.

De vez em quando, frente ao brilho fraco da tela, ela percebeu algo que não ficou tão exposto antes.

Em um contraste incrível à sua própria aparência desgrenhada e torturada, o animal parecia no mínimo elegante com seu manto de penas, violetas e de cor ônix. Na verdade, ela começou a admirar sua aparência no tempo livre, ele era realmente majestoso, com seu jeito calmo e inocente, e com aqueles belos olhos.

Ela tinha de admitir, se voltasse para casa adoraria ter o animal como bicho de estimação, mas por agora, em oposto aos seus pesadelos ela muitas vezes sonhava com uma panela e fogo para depenar e cozinhar o animal.

Várias vezes ela se pegou salivando com o pensamento. Mas ela ainda persistiu, havia algo no porte mandão e decidido do animal que a tranquilizava de que eles estava indo bem, assim, depois de mais dois dias de caminhada, sua resiliência finalmente foi recompensada, Ciel saiu daquela escuridão interminável.

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Comments

Akina

Akina

Não sei mais o que fazer enquanto aguardo o próximo capítulo! Por favor, não me faça esperar mais!

2023-08-03

1

Rara Makulua

Rara Makulua

Foi a melhor escolha de livro que fiz em muito tempo! 🏆📚

2023-08-03

1

✨(。•́︿•̀。)✨

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Eu li todo o livro em um dia. Autora, precisamos de mais histórias de você!

2023-08-03

1

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