As cores da dor
O ateliê estava vazio quando Akira apareceu, sem avisar, no meio da tarde
Cain estava sozinho, misturando tintas, tentando encontrar o tom exato de azul para o fundo de uma nova pintura
Akira
Posso entrar? *pergunta, parado na porta, com a câmera pendurada no ombro e um olhar cansado*
Cain
Você já está dentro *sorri de canto, fazendo sinal para que ele se aproximasse*
Akira
*larga a câmera sobre uma das mesas e puxa uma cadeira, sentando-se ao lado de Cain, em silêncio*
Depois de alguns minutos observando Cain misturar as cores, soltou
Akira
Não sabia que azul tinha tantas tonalidades
Cain
*sorri sem tirar os olhos da paleta*
Cain
Depende da luz, da textura… do que você quer transmitir
Akira
*inclinou-se, apoiando o queixo na mão*
Akira
E o que você quer transmitir agora?
Akira
*ri baixo, meio triste*
Akira
Você pinta solidão muito bem
Cain
*o olhou, finalmente largando o pincel*
Cain
E você… fotografa o quê?
Akira
*fica em silêncio por alguns segundos*
Akira
*desvia o olhar, mexendo na alça da câmera*
Akira
Porque é o que eu mais temo… e o que mais vivo
Cain
*se aproxima um pouco mais*
Cain
Sua mãe… não está bem, não é?
Akira
*respira fundo e olha para o teto, tentando conter a emoção*
Akira
Hoje ela teve outra crise… A Meg me ligou, mas… eu não consegui ir
Akira
Não consegui ver ela daquele jeito
Cain tocou de leve no braço de Akira, um gesto discreto, mas cheio de cuidado.
Cain
Você não precisa ser forte o tempo todo
Akira
*fecha os olhos, lutando contra as lágrimas*
Akira
Ela sempre foi… tão viva, sabe?
Akira
A mulher que gritava no meio da rua, que pintava as paredes de casa com frases inspiradoras…
Akira
Agora… ela mal consegue sair do quarto
Cain não disse nada, apenas permaneceu ali, ao lado dele
Akira
E eu me sinto um covarde *voz falhando*
Akira
Porque quando estou lá… eu a amo tanto que não consigo ver ela murchando
Akira
Mas quando estou longe… me sinto culpado por não estar ao lado dela
Cain
*respira fundo, entendendo aquela dor mais do que gostaria*
Cain
Eu sei como é *disse, finalmente*
Cain
Quando me expulsaram de casa… meus pais estavam bem vivos… mas mortos pra mim
Cain
E eu passei anos tentando decidir o que era pior
Cain
Ter perdido eles… ou eles terem me perdido
Akira
*segura a mão de Cain, apertando com força*
Akira
E o que você decidiu? *voz baixa*
Cain
Que nenhuma perda é mais fácil que a outra
Cain
A gente só aprende a conviver com o vazio
Akira ficou em silêncio, encarando Cain como se estivesse vendo algo além da superfície
Depois de um tempo, soltou
Akira
Você tem medo de se apegar?
Cain
*morde o lábio inferior*
Akira
*solta a mão dele e fica em pé, indo até a janela, olhando a cidade lá fora*
Cain ficou olhando para ele, observando como a luz do entardecer iluminava o cabelo branco, os traços fortes, a pele negra contrastando com aquele olhar azul tão intenso
Akira
Mas… às vezes acho que… o medo não é de se apegar
Akira
É de perder, mais uma vez
Cain
*levanta, caminhando até ele*
Cain
Eu nunca sei se é pior perder… ou nunca ter tido
Akira sorriu de lado e, pela primeira vez, encostou a cabeça no ombro de Cain, num gesto silencioso, cúmplice
Ficaram ali, parados, olhando a cidade, enquanto o sol começava a se pôr, tingindo o céu de tons alaranjados e azulados
Depois de um tempo, Akira murmurou
Akira
O tom de azul que você procurava… tá ali
Cain seguiu o olhar dele e viu o céu, mesclando-se em infinitas tonalidades
Cain
Você tem razão *sorri*
Akira
*se afasta devagar e pega a câmera, apontando para Cain sem avisar, clicando uma foto*
Akira
*riu, aliviando um pouco a tensão que pairava*
Akira
Gosto de capturar momentos quando as pessoas estão verdadeiras
Cain
*o encarou, provocando*
Cain
Então quer dizer que você acha que eu estava sendo verdadeiro agora?
Cain
*respira fundo, sentindo uma confusão que não sabia nomear*
Antes de sair, Akira se virou e disse
Cain
*sorri, meio sem jeito*
Akira hesitou na porta, como se fosse dizer mais alguma coisa, mas desistiu e saiu
Cain ficou sozinho no ateliê, olhando para a paleta com os tons de azul
Misturou mais um pouco de tinta, até alcançar aquele exato tom que Akira tinha apontado no céu
Pintou um traço longo na tela, sorrindo sozinho
Cain
Despedidas… e começos *murmurou, antes de guardar os pincéis*
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