Coração de mãe

Por Allie

Acordo com uma ligação de Tris. Levanto da cama e me espreguiço, na tentativa inútil de espantar o sono. Estou me sentindo destruída, a cabeça gira e a ressaca é insuportável. Não devia ter bebido tanto no dia anterior!

Pego o celular e atendo a ligação.

— Então... — Falo, a voz arrastada. Apesar de estar acordada, sinto que meu subconsciente ainda dorme. — O que foi? — Pergunto, soltando um longo bocejo.

— Está em casa? — Beatrice pergunta, em seu tom animado de sempre.

Tenho inveja de quem acorda com tamanho entusiasmo, às nove da manhã, em pleno sábado.

— Não, — Consigo dizer, cochilando na frente da janela de meu quarto. — estou na praia. — Minto, pois, sei que não serei capaz de encarar uma Beatrice cheia de animação tão cedo.

Ouço sua risada melodiosa. Sei que não consigo mentir para ela, mas não custa nada tentar.

— Allie, eu estou vendo a sua sombra na janela... — Tris fala, ainda rindo e cancela a ligação.

Solto um grunhido e desço a escada com muita preguiça, sem ao menos ter o cuidado de não tropeçar e cair. Abro a porta e dou de cara com uma criatura pequena e adorável, com o cabelo cacheado volumoso e um sorriso enorme nos lábios com gloss.

— Bom dia! — Beatrice me abraça espontaneamente.

Retribuo seu abraço, com um sorriso amistoso. O bom de ter amigas como Beatrice é que, não importa seu mau-humor, você será uma pessoa regenerada após receber um abraço carregado de amor como esse. 

— Por que não queria me atender? — Ela pergunta, se afastando de mim e fazendo uma careta.

Seguro seu braço e a puxo para dentro de casa, depois fecho a porta.

— Acabei de acordar, e não teria feito isso se não fosse por sua ligação. Saí para beber com o pessoal do abrigo e cheguei tarde ontem. — Explico, massageando as têmporas, tentando amenizar a dor de cabeça. — Uma pena você não ter ido...

— Após ter se encontrado com a família que quer adotar o Bob, eu tive que passar a chuva na frente daquela loja de produtos naturais, fiquei o resto da tarde lá... esperando a chuva passar. — Beatrice termina de falar e só então percebo que se serviu do chá posto na mesa. 

Quando o assunto é o melhor chá silvestre do condomínio, feito por mim, Tris não perde tempo para beber uma xícara enorme.

— Por isso chegou tão tarde?

— Como você sabe que eu cheguei tarde? Não lembro de ter avisado. — Beatrice me avalia, com cautela.

— Recebi uma mensagem de um cara que fiquei na quinta-feira. Ele disse que te viu andando com um sujeito e que vocês pareciam próximos demais. Daí ele perguntou se você já estava em casa. — Explico, um pouco entediada, mas não com a minha amiga e sim, com o cara fofoqueiro que peguei.

Beatrice me olha impressionada, depois, se serve mais do chá e come um pedaço da torta de mirtilos que minha mãe preparou mais cedo, antes de ir para o escritório.

— Esse sujeito é um grande fofoqueiro! — Ela exclama, dramaticamente.

— E beija horrivelmente... — Reviro os olhos, com arrependimento.

Tris faz uma careta e confisca o celular, duas vezes seguidas.

— Esperando mensagens de alguém? — Pergunto, curiosa. — Quem era o cara?

— Para ser sincera, sim. Estou esperando Hellen me responder, preciso falar com ela. — Faço uma careta quando ouço o nome de Hellen, pois não simpatizo muito com ela. Temos uma história complicada. Beatrice continua: — E o cara era Christian, um sujeito curioso. Eu o conheci ontem mesmo, enquanto esperava a chuva passar. — Ela esboça um sorriso de canto, enquanto brinca com sua pulseira de estrelinhas.

— Pegou ele, sua safada? — Indago, olhando Tris com orgulho.

— Misericórdia, Allie! Claro que não! — Entre risadas, ela consegue negar.

Finjo descontentamento. — Meu maior sonho é ver minha alma gêmea beijando alguém que não seja o espelho... — Zombo, fazendo um drama e Beatrice me belisca.

— Eu não beijo espelhos, pare com isso.

— Nem espelhos, muito menos garotos... — Provoco, rindo. 

Beatrice faz um gesto vulgar, em reprovação. Quando o assunto é garotos — coisa que eu bem entendo —, ela não suporta quando eu fico zombando de sua santidade fingida. Beatrice é tão safada quanto eu, disso eu tenho certeza. Ela só é uma boa atriz.

Meu celular vibra, recebo uma mensagem de Louis. Sorrio.

— Mais uma boca para beijar?

— Não. — Reviro os olhos. — É Louis.

— Você ainda fala com o Lu? — Pergunta, surpresa. Rio com o apelido que ela deu ao coitado. — Vocês voltaram?... — Pergunta, hesitante.

— Não! Somos amigos ainda, sabia?

Segue um silêncio desconfortável. Até que...

— Ai, meu Deus, Allie! — Beatrice grita, alarmada. — Vocês vão... — sua voz sai como um sussurro, mas ela não consegue terminar a frase.

— Não, Beatrice! Pelo amor de Deus, está louca?! — Exclamo, um pouco horrorizada, apesar de querer muito que isso acontecesse entre nós.

— Ele te chamou para sair?

— Sim, vamos passar o dia na praia, ele vai me ensinar a andar de skate... — Conto, animada.

É a primeira vez que Louis se prontifica para me ensinar a andar de skate, coisa que eu sempre quis aprender. E pensar que precisamos terminar o namoro para isso acontecer. Talvez ele queira passar mais tempo comigo.

— Você não me explicou com clareza o porquê de terem terminado...— Seu tom é curioso.

— Terminamos porque... — Engulo em seco, tentando controlar as minhas emoções, enquanto minha mente é invadida por lembranças eletrizantes do nosso amor; e do que vivemos durante nossos três anos de namoro. — não havia mais química, como namorados. Mas ainda somos melhores amigos, e mantemos uma relação saudável.

— Eu venero vocês dois, sempre serão meu casal, sabe disso, não é? Torço para que vocês voltem logo.

Beatrice esboça um sorriso largo e me acompanha até meu quarto. Pego minha toalha de banho e escolho um vestido de verão, o conjunto de biquíni já está separado desde ontem, quando recebi o convite de Louis.

— Continue torcendo, gata. E cuidado para não morrer com a espera... — Brinco, enquanto escolho um par de tênis confortáveis. — O que vivemos nunca será esquecido, porém, eu não voltarei com ele, nunca mais... acabou.

— Não seja dramática. Louis é o seu primeiro amor, esqueceu?

— E não deixará de ser... — comento, o tom de voz um pouco abatido.

Os minutos se passam e Beatrice não me faz mais perguntas sobre Louis e eu sou grata por isso. Depois tomo um banho, arrumo meu cabelo em um coque frouxo e pego meu vestido amarelo.

— Vai aprender a andar de skate usando um vestido? — Beatrice pergunta, surpresa.

— Qual o problema?

— Imagina se você cai, e mostra o que não deve?

Solto uma risada irônica. — Nada que ele já não tenha visto.

— Allie, sua pervertida! — Beatrice joga um travesseiro em mim, está chocada.

— Estou brincando com você, gata... — Falo, dessa vez, séria. Mas ela sabe que é verdade. — O que devo vestir?

— Uma blusinha, um short confortável e tênis. — Ela sugere, entusiasmada.

— Esse é o tipo de coisa que você usa. Seu estilo é inspirado na Taylor Swift; romântico demais. Não gosto. Não quero usar um short, fica entrando lá. — Solto uma risada e ela continua séria.

— Use uma calça, então — Dá de ombros, com desinteresse. — E meu estilo não é inspirado na Taylor.

No fim, é óbvio que eu uso calça. Estou quase pronta quando Beatrice pergunta, com seu tom de gente inexperiente:

— O que você sente quando beija garotos que não são o Louis, após passar tantos anos com ele? Vocês terminaram há duas semanas...

— Eu estou me desconstruindo, Tris... — Paro de passar o batom vermelho e a olho, com seriedade.

— Como assim?

— Após passar tantos anos com o Louis, esqueci o que é conhecer garotos novos, e sentir aquele frio na barriga enquanto converso com alguém interessante. Eu me esqueci a sensação de se sentir atraente e...  — Explico, sentando ao seu lado e segurando suas mãos. — Eu quero que seja com alguém especial.

— O quê? — Ela franze o cenho, desentendida.

— A minha primeira vez. Já vai ser algo desastroso, então quero que seja com alguém especial... Quase acontecia com Louis e seria a melhor coisa que já me aconteceu. — Confesso, pensativa.

— Por que não aconteceu?

— Está doida?! — Exclamo, espantada, mas não deixando de rir. — Depois que descobri acidentalmente o quão enorme Louis é, fiquei com medo desde então. — Solto uma gargalhada, Beatrice ri, nervosa e sem jeito.

— Allie, querida... se Deus criou, é porque cabe! — Ela diz, rindo.

— Eu vou esperar a pessoa certa.

— Louis não era a pessoa certa? — Alfineta, me cutucando e rindo.

— No fim, ele sempre será, mas... — Paro de falar e desvio o olhar. — Há mais pessoas certas no mundo e eu vou encontrá-lo. Nem que tenha que sair com um garoto por dia, como estou fazendo.

— Eu nunca entenderei você, Allie.

— Se nem eu me entendo, imagina você! Eu vou encontrar alguém tão especial quanto o Louis e, enquanto não encontro, vou sair com geral. Tenho um coração de mãe; cabe todo mundo.

— No seu caso, garotos para beijar? — ela indaga, com um sorriso travesso.

— Exatamente.

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