De volta na vida de Alex

Adele está te ligando?

Paco chama minha atenção e eu olho pra ele fazendo uma careta.

- Está sim. Como você sabe?

- Aileen já me ligou quatro vezes. Não tive coragem de dizer a ela sobre o bebê, achei que não fazia sentido. Se eu conseguir voltar ela vai me chutar, então não tinha necessidade.

Ele usou a quinta feira pra ajeitar os papéis e fazer um seguro de vida colocando Dove como beneficiaria. Também registrou em cartório o desejo do apartamento ficar com a criança, e fez James garantir que providenciaria a pensão pra ele se precisasse.

É um inferno. Nós literalmente nos preparamos para a morte hoje.

Eu fiz um documento de próprio punho deixando todos os meus bens pra caridade. Eu já contribuo regularmente, então achei que seria um bom destino para aquele dinheiro todo.

- Estou me agarrando ao pensamento de que é melhor pra Adele me esquecer.

É só assim pra me fazer resistir e ficar longe dela.

Nós descemos na área particular do aeroporto e seguimos para o hotel, já é início de madrugada. Eu não quis pegar um vôo convencional. Primeiro que eu ia ter dificuldade em achar duas passagens de última hora. Segundo, que eu não quero deixar rastros sobre meus passos, por isso saquei uma boa quantia em dinheiro pra pagar tudo à vista.

- Boa noite, Paco. Amanhã nós vamos lá no hospital.

Meu parceiro se despede de mim e entra no quarto dele que fica em frente ao meu.

Decido tomar outro banho e visto um pijama. Me deito olhando pro teto depois de ficar um bom tempo vendo uma foto de Adele no celular. Apesar de saber na minha mente o que é certo, meu coração grita pra não me afastar dela. Eu acabei de ficar sem ela e já parece uma eternidade.

********

Chegamos ao Presbyterian Lower pouco depois das oito da manhã.

Passo na recepção e a moça que trabalha no hospital me diz qual o andar devemos ir. Assim que um elevador se abre nós vemos um policial em pé na porta de um quarto. Nos identificamos e ele abre caminho pra nós dois.

Entro no quarto e vejo Alex dormindo. Ela está bem mais magra e eu percebo o acesso do soro no seu braço esquerdo. Junto com ela tem uma moça de cabelo castanho e cacheado, usando um vestido branco rodado e com a cintura marcada por um cinto.

Ela se assusta comigo e com Paco.

- Quem são vocês?

A preocupação no rosto dela é visível.

- Eu sou Martín, esse aqui é meu parceiro, o Paco. Bom dia.

Ela levanta as sobrancelhas ligeiramente. Provavelmente já ouviu falar de mim, mas não esperava que eu fosse aparecer.

- Bom dia. Eu sou Sharon, amiga de Alex.

Faço um gesto de cabeça indicado a loira na cama.

- Como ela está?

- Está bem. O médico disse que ela está evoluindo bem.

Nós ficamos em silêncio enquanto Paco observa o quarto e depois sai pelos corredores. Ele gosta de conferir tudo ao redor.

Quando ele volta, fala comigo.

- São cinco quartos vagos nesse corredor. Parei no posto médico aqui desse andar e pedi uma relação de todos os médicos e enfermeiros que têm acesso à Alex. Daqui a pouco vão né entregar.

- Ótimo. Agora vamos esperar por ela acordar.

Depois de uma hora mais ou menos, Alex acorda. Ela pisca algumas vezes olhando pra cima e quando baixa os olhos também se assusta comigo.

- Martín, o que você está fazendo aqui?!

Me aproximo da cama dela.

- Eu vim pra acompanhar de perto você. Aliás, eu só não, Paco também.

Ela desvia o olhar e para na direção dele.

- Oi Alex, bom ver você viva.

Alex assente e depois olha pra mim denovo.

- Vocês não têm muita coisa pra fazer lá no Texas?

- Nós pegamos uma licença. Eu quero acompanhar seu caso de perto.

Ela respira fundo e depois olha pro nada por um tempo.

- Se estão de licença, porque as armas?

Coço o queixo antes de responder.

- Bom, nós estamos de licença mas ainda somos policiais Alex, o porte de arma serve pra todo o país. Preciso te dizer também que nós estamos aqui pra garantir que nada mais vai te acontecer. Nem que pra isso eu tenha que trocar tiros com qualquer um que seja, dentro desse hospital.

Alex não responde nada. Eu me sento em uma cadeira próxima a cama dela.

- Me conta o que aconteceu. Você se lembra de tudo?

Vejo as lágrimas descendo no rosto dela. Seguro em sua mão direita e aperto de leve.

- Se você não quiser falar, eu pergunto a outra pessoa. Está tudo bem.

- Me deixa passar pelo ritual da manhã primeiro, depois a gente conversa.

Concordo com a cabeça e digo que vou esperar do lado de fora. Enquanto Paco e eu estamos no corredor esperando por ela terminar o que tem que fazer, a detetive Grayves chega. Ela vem acompanhada de um outro detetive. É um homem baixinho e com um olhar penetrante.

Grayves aperta minha mão.

- Muito prazer Martín, eu sou Shonda Grayves.

É uma mulher da minha idade mais ou menos. Loira de olhos azuis, e veste um terninho preto com sapatos Mary Jane de salto baixo e quadrado.

Ela aperta a mão de Paco e em seguida o parceiro dela se apresenta.

Ele se chama Jhon Forbes.

- Vocês já sabem alguma coisa sobre Wolf?

- Ainda não. Nós estamos mantendo escolta policial vinte e quatro horas aqui na porta do quarto de Alex.

Grayves me mostra uma pasta com as informações do caso. Paco se aproxima de mim e nós dois ficamos tensos vendo o estado em que Alex chegou ao hospital.

Ela apanhou muito. De um jeito que fez com que os seus dois olhos ficassem completamente pretos. Tiveram que fazer uma plástica no seu nariz, porque ele ficou completamenta torto. Ouço a voz de Grayves.

- Ela desmaiou, e só parou de ser agredida porque quem estava fazendo isso com ela, pensou que Alex já estava morta.

Paco dá um gemido do meu lado e eu fecho os olhos sentindo raiva.

- Ela recebeu algum presente?

Vejo os dois policiais franzindo a testa sem entender. E Grayves me pede pra contar sobre o que eu sei e porque Alex quis me ligar.

- Há quase dois anos atrás eu interrompi os negócios de Will, o infeliz que mantinha Alex prisioneira. Eu não conheci ela na época. Naquela ocasião eu prendi Will e logo depois ele foi solto, foi aí que ele tentou me matar arrumando um acidente de carro. Eu sobrevivi, mas minha esposa não. Fiquei dois meses no hospital, e ele me mandou uma espécie de presente, com um recado pra ficar fora do caminho dele. Will ficou muito tempo fora do radar, eu só me aproximei dele por acaso em uma operação policial. Foi quando conhecemos Alex. Eu acabei matando ele no desenrolar da história. É por isso que estamos aqui. Tentaram matar a mim e meu parceiro nessa quarta de manhã, e ontem eu recebi duas cabeças de presente. Pessoas que tinham a ver com a história que culminou com Will morto...

Shonda fica surpresa com o que eu disse.

-... Olha Grayves, eu tenho a impressão de que Wolf é mil vezes pior do que o irmão dele. Will me mandou girassóis que eram a flor favorita da minha esposa. Esse agora me mandou c*d*veres. Pode esperar, ele vai mandar algo pra ela.

Entrego a pasta de volta pra ela.

- Vocês dois vieram pra ficar?

Digo a ela que tiramos uma licença sem prazo de voltar.

- Eu e Forbes viemos colher o depoimento dela, Alex não estava em condições antes, tudo o que ela me deu foi o nome. Se vocês quiserem acompanhar, seram bem vindos.

Decido aproveitar pra ouvir essa história agora. Vai ser muito difícil já dá primeira vez, imagina da segunda.

A detetive cumprimenta ela e a amiga. Paco e eu ficamos de canto no quarto ouvindo com atenção o que ela está falando.

- Você pode me contar o que aconteceu Alex? Queremos te ajudar.

Vejo Alex respirando fundo.

- Eu estava sozinha em casa e resolvi pedir uma pizza. Quando tocaram a campainha o entregador parecia ser normal, e estava tudo bem. Estendi a mão para dar a ele o dinheiro e foi aí que ele me atacou. Eu moro no térreo e tentei fazer barulho, mas ele me levou pra dentro do quarto e começou a me bater. No meio da situação toda eu... eu ouvi ele dizendo o nome de quem tinha mandado fazer aquilo. Foi a primeira coisa que eu lembrei quando tomei consciência denovo. Wolf Montenegro...

Alex faz uma pausa e olha pra cima. Não sei se ela está lembrando de mais alguma coisa, ou contendo o choro. Talvez sejam as duas coisas. Ela respira fundo e continua.

-... Eu não conheci Wolf pessoalmente. O tempo todo em que eu estive prisioneira de Will, o irmão dele, eu só ouvia falar no nome. Eles prezam muito por discrição, não se deixam ver por qualquer um. Eu já escutei ligações entre os dois, as vezes estavam tranquilos um com o outro, outras vezes estavam brigando. Mas no geral, tinham uma boa relação.

Forbes pergunta a Alex se ela se lembra do agressor dela. Alex olha pra ele e balança a cabeça.

- Não, eu não me lembro. Eu lembro do nome que ele disse no meio daquilo tudo, mas não me lembro do rosto do homem que tentou me matar. Isso é ruim, não é? Quer dizer, ele pode voltar aqui e tentar terminar o serviço e eu não vou saber que estou em perigo.

Grayves segura na mão dela em um gesto de conforto.

- Isso é normal Alex. Sua mente está se poupando de lembrar do seu agressor. Nós não vamos deixar que isso aconteça. Além do mais, você tem dois amigos na sua proteção pessoal.

Alex olha pra mim e para Paco, e acho que está pensando que não somos amigos coisa nenhuma. Ela deve ter ódio de nós dois Eu não a julgo.

***********

O relógio está marcando duas da tarde.

Já conversei com James, com Mark, com Waltter e a gracinha. A única pessoa com quem não conversei foi a que está me ligando agora.

Adele me ligou o dia todo. Eu furei em um compromisso importante com ela.

Por fim ela se cansa de ligar e manda uma mensagem.

📲 - Eu não sei se fico brava com você ou preocupada. Por favor Martín, me atende.

Aperto a ponte do meu nariz e abaixo minha cabeça. Paco está do meu lado no corredor e ouço o telefone dele vibrando sem parar também. É quando Adele me manda outra mensagem.

📲 - Você e Paco estão juntos? Aileen também está preocupada.

Ah, ótimo. Estão as duas enlouquecendo juntas.

- Aileen acabou de me perguntar sobre você por mensagem.

Me viro pro meu parceiro.

- Então deu empate. Adele fez o mesmo.

Nós ficamos em silêncio por um tempo. Depois Paco vai buscar um café pra nós dois, e eu decido perguntar a ele sobre o assunto extraordinário que surgiu na vida dele na quarta feira.

- Dove entrou em contato com você?

Paco me entrega um copo de café.

- Me mandou uma mensagem ontem assim que eu entrei pro meu quarto. Disse que estava entrando em contato pelo bebê. Porque a amiga encheu o saco dela dizendo que não era justo roubar dele a chance de ter um pai presente, como as duas não tiveram.

- É, seria de um egoísmo sem tamanho da parte dela. Como você está se sentindo com isso?

Nós dois sentamos nas cadeiras de espera.

- Ainda não consegui saber direito como estou me sentindo. Não estava preparado pra isso, e o momento é o pior possível. Mas eu quero dar o meu melhor pra essa criança, ajeitei tudo pra que fosse assim, eu só espero poder ser presente e dar o principal: eu mesmo. Eu não consigo parar de pensar nessa criança, e em como eu me senti várias vezes mal por pensar em mim como um rejeitado que foi colocado para a adoção. Já foi péssimo isso, convivi com esse sentimento até ser adotado. Imagina viver sabendo que você nunca vai poder conhecer seu pai porque ele morreu quando você ainda estava na barriga da sua mãe?

Não gosto nem de imaginar uma coisa dessas.

- Deve ser péssimo isso. Mas vamos focar nas coisas boas, a Dove ter escondido isso der você, deixou ela e o seu filho fora do radar de Wolf. Eles estão seguros.

**********

Já é noite. Eu passei o dia todo fora do quarto de Alex.

Não quero constranger ela com a minha presença. Ela me disse naquela carta que estava trazendo pra cá a mágoa dela comigo, então, vou ficar afastado. Paco e eu tiramos no palitinho pra ver quem ia dormir aqui hoje e eu fui o "premiado". Eu não me importo de ficar, não estou conseguindo dormir mesmo, a última noite foi péssima pra mim.

Meu telefone apita com mais uma mensagem. É de áudio dessa vez.

📲🔊 - O que foi que aconteceu que você saiu da cidade, meu bem? Foi por causa do atentado que você sofreu? Me fala onde você está. Eu só sei que você saiu daqui porque escutei uma conversa na delegacia quando fui te procurar, ninguém quis me falar nada Martín. Você não me atende, só visualiza as mensagens e não responde. Eu fiz alguma coisa de errado?

Ah, não. Não posso deixar ela pensar isso.

Chego a digitar o número dela no celular, mas na hora de realizar a chamada eu recupero meu bom senso.

É melhor continuar sem dizer nada.

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