Vejo que a aula de hoje será sobre poesias, fico feliz, amo poesias, mas do mesmo jeito que minha felicidade se instala ela saia.
– Melissa, poderia ler para nós o poema?
Srta. Elisa deve estar brincando comigo. Eu lendo? Já sinto os olhares na minha direção e alguns murmúrios que devem ser, com certeza, piadas. Olho para os lados e respiro fundo.
Levanto entrando de corpo e alma no poema, tento transmitir os sentimentos que estão descritos. Como o amor nos faz sofrer, e como eu sofro por ele.
“Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;
É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;
É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos a amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo amor? (Camões)”
Termino de ler e percebo que todos estão calados, olho ao redor e todos estão surpresos. Quando meu olhar vai em direção a ele, me assusto. Será que estou delirando? É a única explicação plausível para o que vejo.
Olhos esverdeados me observam de maneira tão intensa que me deixam sem graça. Eles demonstram carinho, admiração, surpresa. É um olhar amoroso. Não! Pisco, desviou o olhar, devo estar tendo alucinações. Um olhar assim do garoto que me odeia? Não. Seria mais fácil eu fugir do pesadelo que é a minha vida do que isso acontecer.
– Parabéns pela leitura, Melissa. – Srta. Elisa me elogia.
– Obrigado. – digo no automático.
Ainda estou confusa. Primeiro no espelho, depois aqui? Sim, loucura é a única explicação.
A professora passa os capítulos que caíram na prova e anoto no automático.
Estou saindo da escola quando arrancam o livro que está em minhas mãos.
– Natasha, – digo em tom de choro – me devolva, por favor.
– O que? Este lixo? Monstrinho acha mesmo que vou te devolver? Iludida. – seu tom é de puro deboche, sinto meus olhos arderem.
– Bolinha. – ele precisava aparecer? Precisa me humilhar? – Tá querendo alguma coisa? – ele se aproxima segura a Natasha pela cintura e a beija.
Fico com os olhos marejados, não quero mais ver isso. Vejo que Ben puxou o livro das mãos da Natasha e agora o folheava.
– É desse lixo que você gosta? Olha o que eu faço com isso.
Cubro a boca com as mãos horrorizada, Ben estava arrancando páginas do livro e deixando cair numa poça de lama.
As lágrimas escorrem e tento contê-las. Eu mereço o que estou sofrendo, mereço tudo o que recebo.
Ele se abaixa, pega as folhas e joga tudo na minha direção.
– Tá aí seu lixo!
Saio correndo com o livro nos braços e quando chego em casa corro para o quarto e entro no banheiro, fico sob o jato de água vestida, chorando aos soluços.
– Por que eu tenho que existir? Por que não morro logo?
Depois do banho coloco uma roupa e fico estudando. Antes de dormir pego o livro que ele destruiu e jogo no cesto de lixo.
Chego cedo e ninguém me perturba por todo o caminho. Guardo minha bolsa no armário e pego o necessário para fazer a prova.
A sala está vazia e sento no lugar costumeiro. Aos poucos os outros vão chegando e muitos estranham o fato de eu já estar lá.
Uma colega chega e me dirigi um sorriso. Olho para os lados e depois para ela novamente. Estranho que alguém fale comigo. Ela se aproxima e fico observando os outros olharem como se temessem que algo.
Me sinto o monstro que tanto dizem que sou.
– Oi. Você é Melissa, certo? – ela fala e apenas concordo com a cabeça – Bem queria te fazer uma pergunta sobre a matéria da prova. Notei que você foi a única que acertou todos os problemas.
Ela coloca uma folha na minha frente com um dos problemas que aprendemos e fala:
– Pode me ajudar a entender?
– Claro. – viro a folha para poder ler e explico item por item, ao final da explicação ela agradece.
– Obrigado Melissa. – ela se vira para ir para seu lugar, mas olha na minha direção – Sou Amanda.
– Prazer Amanda. – volto a prestar atenção nos outros alunos que estão entrando apressados.
Ele entra com Natasha e seus amigos e faço de tudo para não olhar na sua direção.
O professor chega. Pego minha prova e me dedico a responder todas as questões. Temos três horas para terminar a prova.
Só podemos ir embora depois de uma hora e acabo minha prova no tempo exato para poder sair. Sou a primeira a entregar a prova e sem olhar para ninguém saio da sala e corro até meu armário, pego minha bolsa e vou embora em tempo recorde.
Me encaminho à loja de antiguidades. Preciso descobrir se o que vi é real ou não. Olho pela vitrine e vejo a mesma senhora do outro dia e entro na loja olhando alguns objetos. Ela percebe a minha presença e abre um sorriso.
– Bom dia, querida. Procura algo em especial? – me pergunta
Olho para o local onde está o espelho e fico surpresa por ver a parede vazia. Ele não está mais ali. Olho para ela e imagino que esteja pálida ou demonstre alguma reação, pois a senhora se aproxima com fisionomia preocupada.
– Você está bem, querida. Sente-se. Você parece ter visto algum fantasma. Vou buscar um copo de água.
Ela retorna e depois de beber me pergunta:
– Está melhor? – apenas confirmo que sim – O que te assustou?
– Eu vim para perguntar se o espelho que ficava naquela parede estava à venda, mas fiquei surpresa quando não o vi.
– Ele foi vendido recentemente. Se quiser posso te mostrar outro. – nego com a cabeça.
– Obrigado. Preciso ir. – saio da loja com um peso no peito.
Agora não saberei quem é o rapaz que vi no espelho. Vou sempre achar que foi sonho ou minha cabeça. Que vi coisas. Me recuso a chorar. Devia ter pedido o espelho ao meu pai.
Não adianta chorar sobre o leite derramado. Vou para casa e me enterro nos livros. Nos dois dias seguintes tenho a mesma rotina: acordar cedo, ir para a escola, chegar antes de todos, não olhar para ninguém, responder a prova e sair assim que o tempo de prova acabe.
Sinto olhares na minha direção, mas não dou atenção. Ele foi claro quando disse que não queria ser incomodado pela minha presença e estou fazendo isso.
Chego em casa neste dia de sol e vejo meu pai me esperando na sala de estar.
– Oi filha como foi na escola? – me pergunta.
– Tudo bem. Tive prova. Fui bem. – falo sorrindo.
– Bem como você nunca me decepcionou tenho uma surpresa para você. – fala empolgado.
Olho para ele. Vejo-o subir as escadas e me chamar do alto.
– Você não vem? Tenho certeza que vai gostar. – saio correndo e subo as escadas, alcanço-o na frente do meu quarto e quando ele abre a porta o espelho está do outro lado do quarto.
– Pai! Não acredito! Você comprou? – corro para frente do espelho e vejo meu reflexo nele.
É ele. Meu espelho mágico. Fico tão feliz! A primeira alegria em tanto tempo.
Corro até meu pai e me jogo em seus braços. Ele ri muito.
– Como você conseguiu? Eu fui à loja, mas não estava mais lá. – ele dá risada.
– Sua mãe me falou que você ficou encantada e como estava pensando em lhe dar um presente decidi pelo espelho. Bem, espero que goste.
– Pai, este foi o melhor presente do mundo.
– Aproveite-o bem. Depois almoçaremos juntos, certo? – ele pergunta.
– Claro pai.
Ele sai e fecha a porta. Corro para frente do espelho e fico olhando meu reflexo nele. Nada acontece, mas só de saber que estou com ele no meu quarto já me faz a pessoa mais feliz do mundo.
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Atualizado até capítulo 51
Comments
Lena Macêdo E Silva
na infância e adolescência passei por isso no ano letivo 💔 me tornei indiferente aos de fora e uma jovem, adulta introspectiva, cada um no seu quadrado, procuro estar com quem precisa de algo depois que ajudo me distancio novamente.pois para quem não se alegra em minha presença merece minha ausência.
2023-08-20
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