O Nome Que Ela Sussurrava no Escuro
Ninguém percebia quando ela entrava na sala. Não porque fosse invisível, mas porque aprendera a ocupar pouco espaço — como quem pede desculpa por existir. Helena sentava sempre perto da janela, onde a luz era fraca e o mundo parecia distante o suficiente para não machucar.
Foi ali que ele a viu.
Não foi amor. Nunca é.
Foi reconhecimento.
Caio tinha o olhar de quem sabia demais. Sorria pouco, observava muito. Ele percebeu o jeito como Helena apertava os dedos quando alguém levantava a voz, como prendia a respiração ao ouvir passos atrás de si. Pessoas quebradas reconhecem rachaduras umas nas outras.
Ele sentou ao lado dela sem pedir permissão.
— Você também odeia barulho? — perguntou, baixo.
Helena não respondeu. Mas não se afastou. E isso, para Caio, já era um sim.
Os dias passaram a se organizar em torno daquela presença. Caio surgia sempre quando ela começava a se sentir pequena demais. Nunca tocava nela. Nunca precisava. As palavras eram afiadas, precisas, como se ele soubesse exatamente onde pressionar.
— Eles não te veem — dizia. — Eu vejo.
Era o suficiente.
Helena começou a escrever o nome dele nos cantos do caderno, depois apagar, depois escrever de novo. Começou a esperar por ele. Começou a moldar o silêncio para caber nos dois.
Mas Caio não era abrigo.
Era espelho.
— Você confia em mim? — ele perguntou certa noite, no corredor vazio.
Ela hesitou. Confiar sempre fora perigoso. Mas ele estava ali. Sempre estava.
— Sim — respondeu, quase sem voz.
Ele sorriu. Não de felicidade. De posse.
A partir dali, tudo ficou mais escuro. Caio começou a escolher por ela: onde sentar, com quem falar, quando ir embora. Dizia que era cuidado. Que o mundo não merecia alguém como ela.
— Eles te machucariam — sussurrava. — Eu não.
Helena acreditou. Porque acreditar doía menos do que ficar sozinha.
Até o dia em que percebeu que não lembrava mais do próprio riso. Que o silêncio agora tinha o peso dele. Que o nome que ela sussurrava no escuro não era mais um consolo — era uma corrente.
— Você mudou — disse ela, finalmente.
Caio inclinou a cabeça, analisando-a como quem avalia uma falha.
— Não. Você só parou de fingir.
Foi naquele instante que Helena entendeu: ele nunca quis salvá-la. Queria que ela precisasse dele. Queria ser a única sombra em um mundo já escuro.
Naquela noite, ela não escreveu o nome dele.
Escreveu o próprio.
E foi a coisa mais perigosa que já fez.