O ponteiro dos segundos do relógio de parede na cafeteria deu um estalo seco. Faltavam exatamente trinta minutos para as nove da manhã. Naquele instante, o rádio que tocava um jazz suave foi interrompido por um chiado estático, seguido por uma voz trêmula que falava sobre trajetórias orbitais e o impacto iminente. Ele não derrubou a xícara. Pela primeira vez — ou seria a centésima? — ele apenas observou o reflexo do próprio rosto no café preto. Ele parecia normal: uma camisa social levemente amassada e a expressão de quem apenas esperava o ônibus. “Você ouviu isso?”, a garçonete perguntou, as mãos voando à boca. Ele sabia que, em três segundos, ela deixaria o bule de vidro cair. Três. Dois. Um. O som do vidro estilhaçando ecoou exatamente como ele se lembrava. O pânico explodiu em uma cacofonia de gritos, mas ele sentiu apenas uma fisgada na base do crânio, uma pressão familiar de quem já viveu aquele terror tempo demais para se importar com o susto.
Ele se levantou, mas seus movimentos eram lentos, arrastados por uma inércia que ele não conseguia explicar. Ao sair da cafeteria, o mundo já estava em sua fase de aceleração: pessoas abandonando veículos e o céu ganhando um tom de cobre doentio. Faltavam vinte minutos. Ele caminhava pela calçada com os ombros caídos, sentindo que cada passo exigia uma negociação exaustiva com os próprios joelhos. Passou pelo mesmo jornaleiro que chorava de joelhos; ele já decorara o timbre daquele lamento. O cansaço agora se manifestava como uma névoa física; sua pele parecia mais fina, gasta pelo atrito de tantos fins de mundo repetidos. Ele se sentou em um banco de praça, observando um pombo indiferente. Invejava o pássaro por não ter memória, enquanto ele sentia o tempo se dobrar sobre si como uma folha de papel amassada tantas vezes que já estava prestes a rasgar. Suas pálpebras pesavam toneladas e o barulho das sirenes ao longe tornava-se um zumbido branco, o som do vácuo que ele conhecia intimamente.
Faltavam cinco minutos. O céu era agora uma ferida aberta em tons de violeta e o som do mundo havia se tornado um silêncio pressurizado. Ele pendeu a cabeça para trás no banco da praça, incapaz de sustentar o próprio peso. O clarão começou no horizonte, uma onda lenta de luz absoluta que vinha devorando o concreto, transformando tudo em nada. Ele fechou os olhos, mas a claridade atravessava a carne, tingindo tudo de vermelho. Sentiu o calor sufocante e, por um microssegundo, o alívio de seus átomos se dispersando — a promessa de que o peso finalmente sumiria. Mas então, o estalo seco do relógio retornou. Eram trinta minutos para as nove. Ele não abriu os olhos; ficou sentado na banqueta de couro sintético, sentindo o cansaço acumulado da caminhada que acabara de fazer retornar aos seus músculos imóveis. O café fumegava, mas ele já sentia o gosto de cinzas. Estava mais velho por dentro, cada vez mais gasto, obrigado a assistir ao fim com olhos que o universo se recusava a deixar fechar.