Entre Plantões e Sonhos
Diana Munhoz
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O dia amanheceu cinzento, como se o céu
partilhasse a mesma dor que me consumia. Seria o último adeus ao meu pai, meu herói, minha fortaleza. Eu sabia, no fundo, que ele já não suportava mais tantas dores. Ainda assim, meu coração se recusava a soltá-lo.
Naquele quarto silencioso, trocamos as últimas palavras.
Diana: – Você sempre será o melhor pai do mundo, a minha pessoa favorita. Mas acho que chegou a hora de descansar, pai. Não precisa se preocupar comigo… eu vou ficar bem.
Antônio: – Você também é a minha pessoa favorita, filha. A melhor escolha da minha vida foi ter deixado que você me escolhesse como pai. Mas me prometa uma coisa...
Seus olhos, cansados, ainda tinham o brilho de sempre.
Antônio: – Você vai terminar o seu sonho. Já parou tantas vezes por causa das minhas netas, depois por causa do seu casamento, e outra vez por mim. Agora não. Quero que pense em você. Quero que se abra para um novo amor, não faça como eu fiz. Prometa que vai viver, filha.
Diana: – Eu prometo, pai. Sim, sim, eu prometo… você terá muito orgulho de mim.
Ele sorriu. E então partiu.
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Hoje, 16 de março de 1993, o céu amanheceu nublado e frio, como se vestisse luto ao meu lado. Enterrei meu pai cercada pelas minhas filhas, pelo pai delas e a nova companheira dele, por minha mãe e meus irmãos. Edmundo estava lá também, ao lado de Edgar. Alguns amigos próximos, colegas de profissão. Foi um velório sóbrio, elegante como ele sempre fora — e, ainda assim, cheio de uma presença invisível que parecia me acompanhar o tempo todo.
Talvez tenha sido essa presença que me deu coragem de responder à proposta de Edmundo mais tarde, quando o silêncio já se espalhava.
Diana: – Eu aceito. Vou para Portugal. Trabalharei na clínica.
Edmundo: – Ô, filha, que alegria! Seu pai ficaria feliz.
Diana: – Eu sei que sim. Mas também sei de uma pessoa que não vai gostar nada disso.
Edmundo: – Edgar? Não se preocupe. Às vezes, perto de você, ele ainda parece um moleque.
Diana: – Pois é. Não sei como será… confesso que não tenho mais paciência para ele.
Edmundo: – Vai dar certo. Conversarei com ele. Você vai somar muito por lá. Tudo aquilo, um dia, também será seu.
[[...
Eu tinha apenas seis anos quando descobri que o mundo podia ser cruel demais para alguém tão pequeno. Meus pais biológicos me deixaram para trás como quem abandona uma roupa velha em um canto qualquer. Não lembro dos rostos deles, só da sensação de vazio. E esse vazio foi me levando de lar em lar, como se eu fosse uma peça quebrada passando de mão em mão.
As famílias de acolhimento eram muitas. Algumas me tratavam como um peso, outras como uma obrigação. Sofri abusos que até hoje ecoam em mim, marcas invisíveis que nenhum banho de água quente conseguiu apagar. Cresci aprendendo a desconfiar de gestos de carinho, sempre esperando o próximo tapa, a próxima palavra dura.
Eu já não acreditava em milagres quando ele apareceu. Antônio.
Diferente dos outros, ele não me olhou com pena, nem como quem avaliava uma mercadoria. Olhou-me nos olhos, como se eu fosse importante, como se eu tivesse valor. E naquele instante, eu soube: ele seria meu porto seguro.
– Quer vir comigo, pequena? – perguntou, com um sorriso tímido.
Eu balancei a cabeça em silêncio. Não precisava de palavras. Ele entendeu.
Foi assim que aos dez anos encontrei, enfim, um lar de verdade. Antônio me adotou como filha e me deu algo que eu nunca tinha conhecido: pertencimento...]]
Mas a vida, como sempre, não deixou de testar meus sonhos.
Diana e Antônio Munhoz
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Cristina, minha mãe adotiva, era doce, mas trazia em si uma inquietação. Eu a amava, mas logo percebi que o casamento dela com Antônio tinha fissuras. Ele era estéril, e o sonho dela de ser mãe biológica gritava mais alto. Quando eu entrei na adolescência, vi aquele lar seguro começar a se desfazer.
Cristina partiu, reconstruindo sua vida ao lado de Edmundo, um médico respeitado e viúvo, pai de um garoto chamado Edgar. Foi doloroso ver meu pai sofrer com a separação, e ainda mais difícil lidar com a nova configuração familiar.
De repente, eu era a filha que não tinha sangue do pai que me escolheu, nem da mãe que me ensinou a amar. Eu era a intrusa entre irmãos que nasceriam depois, e também a sombra que irritava o menino de olhos azuis, o tal Edgar, que parecia me odiar desde o primeiro olhar.
Mas naquela época, nada importava tanto quanto o abraço de Antônio. Ele me lembrava todos os dias:
– Você é a melhor escolha da minha vida, Diana.
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Antônio Munhoz
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Atualizado até capítulo 80
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