5. Fanny

Novamente no outro dia, Cristine ia buscar uma cópia, e deu de cara com Guilhermina, que ao vê-la. Tentou resolver os problemas do passado.

— Podemos conversar...

—... — Cris não respondeu.

— Cristine, você não sabe como tudo mudou depois do que ocorreu. Eu mudei, não sou mais aquela garota... — disse Guilhermina, a voz pesada, o corpo ainda curvado como se carregasse o peso do passado em seus ombros.

— Estou vendo. Virou a miss simpatia — falou Cristine, seus passos ecoando suavemente no piso enquanto se aproximava de Guilhermina. O ar entre elas ficou mais denso. — Agora para você, todos os alunos são bonzinhos e bonitinhos. Eu era o quê, mesmo? Ah, sei. Fanny, a garota assombrosa, não era?

Fanny era o nome de uma personagem de um filme de terror, onde a protagonista se apaixonava pela garota mais popular e líder de torcida. No filme, Fanny, movida por uma obsessão sombria, matava todos os pretendentes da líder de torcida, sem que ninguém soubesse. Era a garota estranha que sempre se sentava no fundo da sala, perto da janela, observando o mundo através do vidro frio. E as pessoas associavam a personagem a Cris.

— Cristine, eu não tive culpa do que fizeram com você. Eu não estava lá no dia... e desde que aquilo aconteceu, juro, eu mudei. Eu luto aqui, todos os dias, para que coisas como essa não se repitam.

— Mudou tanto que sequer se lembrava de mim, e que eu era sua vítima... Curioso, não é? Nós duas aqui. Parece que o destino quer que a gente acerte as contas.

— Por favor, já não somos crianças. Aqui é meu lugar de trabalho... — falou Guilhermina, dando um passo instintivo para trás, o

— Engraçado, você ainda tem medo de mim. Acha mesmo que eu sou obcecada por você? — disse Cris, seus olhos fixos em Guilhermina, intensos e escuros como um poço.

— Eu nunca disse isso.

— Não, não disse? — Cris sorriu, um sorriso. — Não se preocupe, não estou aqui por vingança. Na verdade, estou aqui porque acredito que posso fazer a diferença na vida dos alunos, ao contrário dos seus métodos "paz e amor".

— Bem questionáveis...

— Pois é, né? Se não aguentar, pede para sair — disse Cris, lançando um sorriso malicioso antes de virar as costas, seus passos firmes e decididos se afastando pelo corredor.

Guilhermina ficou parada, o som dos passos de Cris desaparecendo, deixando um silêncio pesado para trás. Ela sabia que, agora, tudo poderia ser pior.

De forma indireta, ela era responsável pelo que fizeram com Cris. E tudo que movia a outra mulher, era o ódio e a raiva.

"Ela não me parece que não está aqui por vingança. Aquele olhar... Eu acho que devo pedir as contas... mas e os meus alunos?"

No outro dia na sala de aula, o zumbido dos ventiladores de teto parecia mais alto que o normal. Guilhermina não conseguia processar o que ela mesma falava, as palavras saindo de sua boca como se pertencessem a outra pessoa.

— Então, vamos. Qual era o nome do autor da obra Cem Anos de Solidão?

— Machado de Assis? — perguntou Ítalo, com genuína incerteza.

— O quê? Machado? Que Machado? — falou Guilhermina, a mente à deriva, o olhar perdido na poeira que dançava no feixe de luz da janela.

— O escritor, da obra Cem Anos de Vazio.

Um coro de risadas abafadas se espalhou pela sala.

— Não, não é Cem Anos de Vazio, é de Solidão — corrigiu Dani, com um sorriso.

— Professora? Professora, você está bem? — perguntou Paula, a preocupação vincando sua testa.

— Sim, sim, desculpem. É... Gabriel García... Gabriel García Márquez.

O sinal tocou, um som estridente que fez seu coração disparar no peito. Pela primeira vez em anos nesta escola, desde que finalmente conquistou a confiança deles, o pavor voltou a dominá-la. Antes, vivia apavorada com os alunos. Agora, o medo tinha o rosto de uma mulher.

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