Guilhermina sentiu o ar ficar pesado. A pergunta da diretora pairava entre elas, carregada de desconfiança. Antes que pudesse pensar em uma resposta, Cris adiantou-se, mantendo a mesma expressão neutra de sempre.
— Sim, diretora. A professora Guilhermina estava apenas me explicando que a impressora da sala dos professores costuma emperrar com frequência. Uma informação útil para o meu dia a dia — disse Cris, com uma naturalidade desconcertante.
Alana franziu o cenho, seu olhar alternando entre as duas mulheres. Era evidente que não estava completamente convencida, mas a lógica de Cris sobre como lidar com os alunos parecia ter capturado sua atenção.
— Certo... — disse Alana, arrastado, ainda desconfiada. — Sua sugestão sobre a punição faz sentido, Cris. Não quero uma rebelião de pais no meu primeiro dia. Vamos para a minha sala. E você, Guilhermina, volte para suas tarefas.
Sem esperar resposta, Alana virou-se e caminhou de volta para a direção, com Cris seguindo-a em silêncio.
Guilhermina ficou parada no corredor, sentindo uma mistura de alívio e frustração. Cris havia mentido para encobrir a discussão, Por quê?
Na sala da direção, Alana sentou-se em sua cadeira e apontou para que os alunos ficassem de pé à sua frente.
— A inspetora Cristine me deu uma ideia. Vocês não serão expulsos. Ainda. — Ela fez uma pausa dramática, saboreando o poder do momento. — Em vez disso, terão uma punição exemplar. Limparão todos os banheiros da escola, masculinos e femininos, por duas semanas. Depois das aulas. E se eu souber de um único rabisco a mais nas paredes, de uma única reclamação de outro funcionário, a expulsão será imediata. Entendido?
Os garotos se entreolharam, derrotados. Erick, que antes esbanjava arrogância, agora mantinha a cabeça baixa. A ameaça velada de Cris sobre seu passado parecia tê-lo neutralizado completamente.
— E você, Erick — continuou Alana, focando nele. — Sua situação é diferente. Você já é maior de idade. Além da limpeza, vou convocar seus pais para uma conversa muito séria sobre sua permanência nesta escola.
— Meus pais não... — ele começou a protestar.
— Não o quê? Não vão se importar de saber que o filho deles está agindo como um criminoso juvenil aos 19 anos? — Alana cortou, implacável. — A reunião será amanhã. Dispensados.
Um a um, eles saíram da sala, cabisbaixos. Alana recostou-se na cadeira com um sorriso satisfeito.
— Isso foi eficaz — comentou, olhando para Cris. — Mas não pense que esqueci. O que vocês duas realmente conversavam?
Cris manteve o olhar fixo na porta por onde os alunos saíram.
— A professora Guilhermina acredita que eu agredi um aluno. O garoto que fugiu, André, contou a ela que usei um taser no Erick.
Alana ergueu as sobrancelhas, um brilho de interesse nos olhos.
— E você usou?
— Isso importa? — devolveu Cris, sem se virar. — O resultado foi o que a senhora queria. Eles foram contidos, e a situação, resolvida. Sem testemunhas, sem provas. Apenas o boato, que agora trabalha a nosso favor.
Alana riu, um som baixo e seco.
— Você é realmente como dizem, Cristine. Eficiente. Gosto disso. Continue de olho na professora. Idealistas, ela pode ser mais perigosa que os próprios alunos.
— Sim, senhora — respondeu Cris, sentindo um peso incômodo no peito ao pensar na ordem.
No final do dia, Guilhermina organizava seus materiais na sala dos professores, a mente ainda repassando os eventos. A porta se abriu e Cris entrou, caminhando diretamente até a impressora. O silêncio entre elas era denso.
Guilhermina pegou uma folha de papel e uma caneta, anotou o horário e o local de encontro para a excursão e estendeu para a inspetora.
— Aqui está o que pediu. O ônibus sairá às sete da manhã, em frente ao portão principal. Na próxima sexta.
Cris pegou o papel sem olhar para ela, seu foco na máquina que começava a imprimir uma série de documentos.
— Por que mentiu para a diretora? — Guilhermina não conseguiu se conter.
Cris parou o que estava fazendo e a encarou. Seu rosto, pela primeira vez, trazia um lampejo de algo que não era indiferença. Parecia... cansaço.
— Porque uma briga entre funcionários no primeiro dia não seria produtiva. E porque a expulsão deles seria um erro. Você estava certa quanto a isso.
Guilhermina ficou surpresa com a admissão.
— Então você concorda que eles não são bandidos?
— Eu não disse isso. Disse que a expulsão seria um erro estratégico. Eles aprenderão mais sobre consequências ficando aqui, sob nossa vigilância, do que sendo jogados na rua — respondeu Cris, a frieza retornando à sua voz.
Ela pegou seus papéis impressos e se virou para sair.
— Espere — disse Guilhermina, uma lembrança subitamente vindo à tona, desencadeada pela forma como Cris segurava a pilha de papéis. — Colégio Estadual Romero Farias de Castro. Há quinze anos. Você era da minha turma. Sentava no fundo, perto da janela. Você... você era a Cristina. A garota que todos chamavam de...
Cris parou de costas para ela, seu corpo enrijecendo visivelmente. O silêncio se estendeu por vários segundos antes que ela se virasse lentamente. A máscara de indiferença havia rachado, revelando uma dor antiga e profunda em seus olhos.
— Não me chame por esse nome — disse ela, a voz baixa e carregada de uma emoção que Guilhermina não conseguiu decifrar. — E sim, professora. Nós nos conhecemos. Você só não se lembra do que fez.
Antes que Guilhermina pudesse processar o choque da revelação e da acusação, Cris saiu da sala, deixando-a sozinha com o eco de suas palavras e a certeza de que a excursão para a praia seria muito mais complicada do que imaginava.
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Atualizado até capítulo 33
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