Capítulo 1 — O Começo da Tempestade

Meu nome é Rebecca. Tenho 16 anos.

Fui deixada no portão do Orfanato Santa Ágata ainda bebê. Um cobertor, um colar quebrado e uma carta rasgada com uma única palavra: "Perdão."

Nunca soube quem eram meus pais. E, por muito tempo, achei que era só isso — um abandono comum, mais uma história entre tantas. Mas o orfanato tem um cheiro estranho nas paredes. Um silêncio que fala. Um segredo que espera.

Crescer aqui foi uma batalha. Dias bons, dias ruins, e alguns dias em que a única coisa que me manteve de pé foi a raiva de não saber por que fui deixada para trás.

Hoje começou como qualquer outro dia. Acordar cedo, comida sem gosto, sala de aula abafada. Mas ao sair para levar um envelope à diretora, ouvi um barulho estranho vindo do pátio dos fundos.

Gritos abafados. Risadas pesadas. Choro.

Aproximei-me devagar, silenciosa como aprendi a ser. Três garotos cercavam uma menina pequena, nova ali. A mesma cena de sempre: fracos tentando parecer fortes.

No centro deles, Thayler, o garoto que acha que manda aqui. Arrogante. Violento. E burro o suficiente pra achar que pode fazer o que quiser.

— O que vocês estão fazendo aqui? — minha voz cortou firme, sem tremor. — Devem estar na aula, ou não?

Todos pararam. Thayler virou devagar, como se estivesse cansado de me ver.

— Vai embora, Rebecca. Isso não tem nada a ver com você.

— Tudo aqui tem a ver comigo — respondi, com um sorriso frio. — Ainda mais quando envolve covardes.

Me aproximei. Meus olhos não saíam dos pés de cada um. Vi quem tremia. Quem estava pronto pra correr. Quem ia tentar lutar.

— Então vamos fazer assim, Thayler... duas opções.

Levantei dois dedos.

— A primeira: vocês desaparecem. Agora. Ninguém se machuca, ninguém fica sabendo.

— A segunda: a gente resolve aqui mesmo. Só eu e vocês. Sem testemunhas. Sem piedade.

Ele engoliu em seco.

— Você acha que pode mandar na gente? Você nem sabe de onde veio...

— E ainda assim, estou inteira. Vocês não.

Thayler avançou.

Não esperei. Me movi primeiro. Um passo lateral, joelho no estômago, cotovelo no pescoço. Ele caiu como uma árvore podre.

Dois segundos. Um deles já no chão.

O outro hesitou, então correu. O terceiro ficou parado, tremendo.

— Leva a menina. Agora. — minha voz saiu baixa, mas afiada.

Ele obedeceu. Ficamos sozinhos.

Thayler tossiu no chão. Olhou pra mim com raiva... e medo.

— Você não é como a gente, Rebecca... você tem algo errado. Tá nos olhos.

Me abaixei, pegando o colar que escorregara da gola da minha blusa. O pingente em forma de asa quebrada balançou entre nós.

— Talvez. — sussurrei. — Ou talvez eu seja a única aqui que sabe o que está por vir.

Antes que ele pudesse responder, um barulho atrás da cerca chamou minha atenção.

Olhei. Havia alguém ali.

Capuz preto. Silhueta alta. Parado. Observando.

Os olhos... eram exatamente como os meus.

E quando pisquei, ele havia desaparecido.

O que ninguém entende sobre crescer num orfanato é que as aulas mais importantes não estão nas apostilas. Estão nos olhares tortos, nas palavras ditas por trás, nos empurrões que os adultos não veem.

Sobrevivência é matéria diária.

A professora Marta falava sobre leis antigas naquela manhã.

— "A justiça, crianças, é cega por um motivo. Para não se corromper pela aparência." — Ela dizia com o tom de quem não esperava que ninguém prestasse atenção.

Mas eu prestava.

Justiça.

Era uma palavra que me queimava. Uma palavra que não existia nos corredores do Santa Ágata. Se existisse, Thayler já estaria fora daqui. Mas ele estava ali. Sentado duas fileiras atrás, com um corte no lábio e raiva mal disfarçada nos olhos.

Ele não esqueceu o que aconteceu ontem.

Cada dia parecia uma nova chance para alguém testar minha paciência. Tropeços “sem querer” no corredor, bilhetes ofensivos na minha carteira, até mesmo esconderem meus cadernos. Às vezes, eu revidava. Outras vezes, eu apenas olhava nos olhos deles e sorria.

Isso os irritava ainda mais.

Mas nada me tirava da cadeira da frente, a que eu mesma puxava todas as manhãs. Nada me impedia de prestar atenção em cada palavra, de anotar cada frase, de aprender.

A escola era uma prisão para muitos ali. Para mim, era uma arma.

— Quem criou o conceito de Estado de Direito? — perguntou a professora Marta, olhando a turma por cima dos óculos.

Silêncio.

Thayler riu no fundo. Alguns cochichavam.

Levantei firme.

— Montesquieu. No século XVIII. Mas o termo evoluiu com o tempo, principalmente com as ideias de soberania limitada e divisão de poderes.

A professora Marta piscou. Depois sorriu.

— Muito bem, Rebecca. Como sempre.

Alguns reviraram os olhos. Eu nem ligava.

Naquela tarde, ao fim da aula, a professora se aproximou de mim discretamente.

— Me encontre na biblioteca. Depois do jantar. Mas não conte a ninguém.

Mais tarde, biblioteca vazia.

As lâmpadas piscavam. O cheiro de livros velhos preenchia o ar. Marta esperava por mim junto à estante mais empoeirada, no fundo da sala. Ela moveu uma pilha de caixas, e atrás delas, abriu uma pequena porta baixa de madeira, quase imperceptível.

Ali dentro havia uma prateleira escondida. Livros antigos, manuais de direito civil, penal, constitucional… volumes que não faziam parte do acervo comum da escola.

Ela passou os dedos nas lombadas, até escolher três deles. Colocou em minhas mãos.

— Você nasceu pra entender as regras que governam esse mundo, Rebecca. — Ela me encarou. — E, quem sabe, pra quebrar as que precisam ser quebradas.

Meu coração acelerou.

— Por que está me dando isso?

— Porque você é diferente. E não por causa da sua força. — Ela fez uma pausa. — Você é a única aqui que enxerga além.

Segurei os livros como quem segura um segredo.

Na contracapa de um deles, uma frase sublinhada me chamou a atenção:

"A justiça não é feita para os que gritam mais alto, mas para os que não se calam diante do silêncio."

Naquele momento, eu soube.

Meu destino não era apenas sobreviver. Era aprender. E vencer.

Mesmo que eu tivesse que passar por cima do passado inteiro pra isso.

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Marly G Vieira

Marly G Vieira

começando a lê a história parece que vai bombar.

2025-09-13

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Capítulos
1 Segredo de Sangue e uma Nova Era
2 Capítulo 1 — O Começo da Tempestade
3 Capítulo 2 — Aula de Sobrevivência
4 Capítulo 3 — A PropostaO céu estava cinza naquela manhã.
5 Capítulo 4 – A partida.
6 Capítulo 5 — O Primeiro Dia
7 Capítulo 6 — Olhos na Parede
8 Capítulo 7 — A Primeira Caçada
9 Capítulo 8 — Vozes do Passado
10 Capítulo 9- O passado retorna
11 10- A Investigação Começa
12 11 De volta aos dormitórios
13 12 O Sangue Fala
14 Capítulo 13 – Rumo ao Vale
15 Capítulo 14 – Verdades e Fugas
16 Capitulo 15 O Depósito de Ferro.
17 Capítulo 16 O Chamado do Sangue
18 Capitulo 17 A Nova Ordem
19 Capítulo 18 – Sob um Novo Símbolo
20 Capítulo 19 Depois do banquete
21 Capítulo 20 A nova faze
22 Capítulo 21 A apresentação das salas.
23 capítulo 22- Tudo no seu devido lugar
24 Capitulo 23 - Elite.
25 Capitulo 24 Mudanças.
26 Capitulo 25 Revelações
27 Capitulo 26 - O Reencontro da família.
28 Capitulo 27 - Máfia é algo do passado
29 Capitulo 28- treinamento da Elite.
30 Capítulo - A EQUIPE DAS SOMBRAS
31 Capitulo 30- Encerrando ciclos
32 Capitulo 32 - A sombra do anjo.
33 Capitulo 33 - A Sombra dos anjos em ação.
34 Capítulo 34 - Os anjos mostram suas asas.
35 Capitulo 35 - O clã mostra sua força.
36 Capítulo 36 – A dor que as Sombras causam
37 Capítulo 37 – A Mesa da Família
38 Capítulo 38 – O Banquete das Sombras
39 Capítulo 39 – Preparativos para o Casamento.
40 Capítulo 40 – O Grande Dia
41 Capítulo 41 – Contagem Regressiva
42 Capítulo 42 – O casamento.
43 Capítulo 43 – A Noite de Núpcias
44 Capítulo 44 – O Amanhecer da Aliança
45 Capítulo 45 – Sinais, Espiões e Estratégias
46 Capítulo 46 – Mestres das Sombras
47 Capítulo 47 – O Apagão
48 Capítulo 48 – Marcas que Ecoam
49 Capítulo 49 – O Peso da Marca e a Dúvida dos Aliados
50 Capítulo 50– A Vergonha dos Valentini e o Eco da Resposta
51 Capítulo 51 – O Orgulho Ferido dos Valentini
52 Capítulo 52 – O Primeiro Contra-Ataque da Sombra
53 Capítulo 53 – A Primeira Captura
54 Capítulo 54 – O Orgulho em Ruínas
55 Capítulo 55 – A Voz das Sombras
56 Capítulo 56 – A Marca dos Anjos
57 Capítulo 57– Entre Sombras e Luz
58 Capítulo 58 – Segredos Entre Sombras
59 Capítulo 59 – Voz que Comanda Sombras
60 Capítulo 60 – O Confronto Iminente
61 Capítulo 61 – O Eco da Vitória
62 Capítulo 62 – Reunião de Alianças e Novos Laços
Capítulos

Atualizado até capítulo 62

1
Segredo de Sangue e uma Nova Era
2
Capítulo 1 — O Começo da Tempestade
3
Capítulo 2 — Aula de Sobrevivência
4
Capítulo 3 — A PropostaO céu estava cinza naquela manhã.
5
Capítulo 4 – A partida.
6
Capítulo 5 — O Primeiro Dia
7
Capítulo 6 — Olhos na Parede
8
Capítulo 7 — A Primeira Caçada
9
Capítulo 8 — Vozes do Passado
10
Capítulo 9- O passado retorna
11
10- A Investigação Começa
12
11 De volta aos dormitórios
13
12 O Sangue Fala
14
Capítulo 13 – Rumo ao Vale
15
Capítulo 14 – Verdades e Fugas
16
Capitulo 15 O Depósito de Ferro.
17
Capítulo 16 O Chamado do Sangue
18
Capitulo 17 A Nova Ordem
19
Capítulo 18 – Sob um Novo Símbolo
20
Capítulo 19 Depois do banquete
21
Capítulo 20 A nova faze
22
Capítulo 21 A apresentação das salas.
23
capítulo 22- Tudo no seu devido lugar
24
Capitulo 23 - Elite.
25
Capitulo 24 Mudanças.
26
Capitulo 25 Revelações
27
Capitulo 26 - O Reencontro da família.
28
Capitulo 27 - Máfia é algo do passado
29
Capitulo 28- treinamento da Elite.
30
Capítulo - A EQUIPE DAS SOMBRAS
31
Capitulo 30- Encerrando ciclos
32
Capitulo 32 - A sombra do anjo.
33
Capitulo 33 - A Sombra dos anjos em ação.
34
Capítulo 34 - Os anjos mostram suas asas.
35
Capitulo 35 - O clã mostra sua força.
36
Capítulo 36 – A dor que as Sombras causam
37
Capítulo 37 – A Mesa da Família
38
Capítulo 38 – O Banquete das Sombras
39
Capítulo 39 – Preparativos para o Casamento.
40
Capítulo 40 – O Grande Dia
41
Capítulo 41 – Contagem Regressiva
42
Capítulo 42 – O casamento.
43
Capítulo 43 – A Noite de Núpcias
44
Capítulo 44 – O Amanhecer da Aliança
45
Capítulo 45 – Sinais, Espiões e Estratégias
46
Capítulo 46 – Mestres das Sombras
47
Capítulo 47 – O Apagão
48
Capítulo 48 – Marcas que Ecoam
49
Capítulo 49 – O Peso da Marca e a Dúvida dos Aliados
50
Capítulo 50– A Vergonha dos Valentini e o Eco da Resposta
51
Capítulo 51 – O Orgulho Ferido dos Valentini
52
Capítulo 52 – O Primeiro Contra-Ataque da Sombra
53
Capítulo 53 – A Primeira Captura
54
Capítulo 54 – O Orgulho em Ruínas
55
Capítulo 55 – A Voz das Sombras
56
Capítulo 56 – A Marca dos Anjos
57
Capítulo 57– Entre Sombras e Luz
58
Capítulo 58 – Segredos Entre Sombras
59
Capítulo 59 – Voz que Comanda Sombras
60
Capítulo 60 – O Confronto Iminente
61
Capítulo 61 – O Eco da Vitória
62
Capítulo 62 – Reunião de Alianças e Novos Laços

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