ECOS DO PASSADO , SOMBRAS DO PRESENTE

O ar no escritório de Silas parecia ter se tornado mais denso, carregado com o peso de anos de memórias reprimidas e verdades esquecidas. A imagem da criatura lupina no quarto de Elara, tão vívida e aterradora, havia servido como uma chave mestra, abrindo portas para um passado que ele preferia manter trancado. A maldição. A palavra, antes um sussurro distante nas histórias de seu pai, Bartholomew, agora ressoava com uma clareza ensurdecedor.

Silas sentou-se em sua poltrona, o corpo rígido, mas a mente em um turbilhão. Ele se lembrou das conversas com Bartholomew, seu pai, um homem de sabedoria ancestral e um guardião de segredos familiares. Bartholomew costumava falar sobre a "Maldição do Lobisomem Negro", uma herança sombria que, segundo ele, assombrava a linhagem Silves há gerações. Silas, com sua mente voltada para a lógica e a ciência, sempre religaram essas histórias à categoria de folclore, de lendas para assustar crianças. Ele nunca imaginou que essa maldição pudesse se manifestar de forma tão literal, e muito menos em sua própria filha.

—Uma maldição..., ele murmurou para si mesmo, a voz embargada. A ideia era tão distante da realidade que ele construíra para si mesmo e para Elara. Ele os havia protegido, ele pensava. Havia-lhes proporcionado um ambiente de segurança e conhecimento, longe das superstições e dos medos irracionais. Mas agora, a própria natureza parecia ter rido de seus esforços.

E então, um outro fantasma emergiu das profundezas de sua memória. Margareth. Sua esposa. A imagem dela, tão vívida quanto a da criatura lupina, invadiu seus pensamentos. O sorriso gentil, os olhos cheios de amor e inteligência, o toque suave de suas mãos. Margareth, que ele havia perdido há tantos anos em uma tragédia que ainda o assombrava.

Ele fechou os olhos com força, tentando afastar a dor aguda que a lembrança trazia. Mas era inútil. A conexão entre Elara e Margareth, que ele sempre sentiu de forma sutil, agora se tornava dolorosamente clara. Ele via os olhos de Margareth nos olhos dourados da criatura. Não era apenas uma semelhança física, era algo mais profundo, uma ressonância espiritual. Ele se lembrou de como Margareth, mesmo em seus últimos dias, possuía uma força interior incomum, uma resiliência que ele atribuía à sua pura força de vontade. Agora, ele se perguntava se essa força não era, na verdade, a manifestação latente da maldição.

O que ele havia esquecido, ou talvez se recusado a aceitar, era que Bartholomew nunca falava da maldição como uma mera história. Ele falava com um tom de gravidade, de um fardo que a família Silves carregava. Silas, em sua juventude, havia rejeitado essas noções, buscando explicações racionais para tudo. Ele se casou com Margareth, uma mulher que compartilhava seu amor pela descoberta e pelo conhecimento, e juntos eles criaram um mundo onde a ciência reinava soberana.

Mas a tragédia havia se abatido sobre eles. Margareth, sua linda Margareth, fora morta. E a causa... a causa fora um lobisomem negro. Na época, Silas havia lutado para aceitar a verdade. A polícia havia classificado o ataque como obra de um animal selvagem incomum, mas Silas sabia, em seu íntimo, que era algo mais. Ele se lembrava do medo nos olhos de sua esposa antes de ela sucumbir, um medo que ele nunca tinha visto nela antes. Ele se lembrava da fúria que o consumiu, uma fúria que ele reprimiu, concentrando-se em seu trabalho, em sua dor, em sua filha.

Agora, a peça que faltava no quebra-cabeça sombrio de sua vida se encaixava com uma precisão devastadora. Elara. Sua filha. A mesma maldição que tirara a vida de sua esposa, agora se manifestava em sua própria carne.

Silas se levantou, o corpo tenso, como se estivesse prestes a enfrentar um inimigo invisível. Ele precisava revisitar as antigas histórias de Bartholomew, as anotações que ele havia descartado como superstições. Ele precisava entender a natureza dessa maldição, suas origens, suas fraquezas, e, acima de tudo, como protegê-la.

Ele foi até uma antiga arca de madeira maciça, escondida no fundo de seu armário. Era um objeto que Bartholomew havia deixado para ele, com a instrução de abri-la apenas em tempos de extrema necessidade. Silas sempre a manteve fechada, um símbolo de um passado que ele não queria confrontar. Mas agora, a necessidade era absoluta.

Com mãos trêmulas, ele abriu a arca. Dentro, encontrou pilhas de pergaminhos antigos, diários encadernados em couro e objetos estranhos que ele nunca havia visto antes. O cheiro de poeira e de algo mais, algo terroso e antigo, emanava da arca.

Ele pegou um dos diários, a capa desgastada pelo tempo. As páginas estavam repletas da caligrafia elegante de Bartholomew, descrevendo a história da família Silves e a maldição que os acompanhava. Bartholomew escrevia sobre um ancestral que, em tempos remotos, havia feito um pacto sombrio com uma entidade lunar, buscando poder, mas recebendo em troca uma bênção ambígua que se transformava em maldição a cada geração. Ele descrevia os rituais de contenção, as ervas que podiam mitigar os efeitos, e as noites de lua cheia que eram o auge da transformação.

Silas leu com avidez, cada palavra gravando-se em sua mente. Ele leu sobre os "lobos negros", criaturas de imensa força e agilidade, cuja pelagem era tão escura quanto o vazio entre as estrelas. Ele leu sobre a luta para manter a humanidade, para controlar os instintos selvagens que a maldição trazia. E ele leu, com um aperto no coração, sobre a vulnerabilidade da maldição à luz da lua cheia, mas também sobre a sua força incontrolável durante esse período.

Ele se lembrou de Margareth, de sua força, de sua resiliência. Talvez ela soubesse. Talvez ela tivesse sentido a maldição se manifestar nela, e lutado contra ela com toda a sua força, uma luta que, infelizmente, ela não pôde vencer contra um lobisomem negro que não compartilhava de seu sangue.

O pensamento de que Elara poderia sofrer o mesmo destino de sua mãe era insuportável. Ele não podia permitir que isso acontecesse. Ele era um cientista, um homem de razão, mas agora, ele precisava abraçar a ciência oculta, a sabedoria ancestral que seu pai havia tentado lhe transmitir.

Ele olhou para os olhos de sua falecida esposa, que ele via refletidos nos olhos de Elara. Eram olhos que buscavam a verdade, que nunca se contentavam com respostas fáceis. E agora, ele precisava honrar essa busca, mesmo que a verdade fosse mais sombria e perigosa do que ele jamais imaginara.

A noite ainda era jovem, e a lua continuava sua ascensão silenciosa no céu. Silas sabia que a transformação de Elara era apenas o começo. A maldição do lobisomem negro havia retornado à sua família, e ele precisava encontrar uma maneira de protegê-la, de guiá-la, e talvez, apenas talvez, de encontrar uma cura para essa antiga herança sombria. A ciência e a mitologia agora se entrelaçam em sua mente, e ele estava determinado a desvendar os segredos que poderiam salvar sua filha.

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