O som do vidro se estilhaçando ecoou pela casa como um trovão em uma noite serena. Silas, imerso nos pensamentos de um livro sobre astrofísica, sobressaltou-se. Um estrondo tão violento, vindo do quarto de Elara, não era algo que pudesse ser ignorado. A calma habitual da mansão foi quebrada, substituída por uma onda de apreensão que subiu por sua espinha.
—Elara?
Ele chamou, a voz carregada de uma preocupação crescente. Não houve resposta, apenas o silêncio pesado que se seguiu ao barulho. Algo estava errado. Muito errado.
Ele se levantou de sua poltrona, o livro esquecido em seu colo. Cada passo que dava em direção ao corredor parecia amplificar a batida de seu próprio coração. A casa, que sempre fora um refúgio de paz e aprendizado, parecia agora vibrar com uma energia desconhecida, uma tensão palpável no ar.
Ao chegar à porta do quarto de Elara, ele hesitou por um instante. A porta estava entreaberta, e uma fraca luz prateada, a luz da lua, emanava do interior. Ele empurrou-a suavemente, o ranger da madeira soando alto em seus ouvidos.
O que ele viu o paralisou.
No centro do quarto, onde antes estava sua filha, agora se movia uma criatura de pesadelos e lendas. Uma forma escura, lupina, com pelos negros como a noite e olhos dourados que brilhavam com uma intensidade quase sobrenatural. O corpo da criatura estava em meio a uma transformação violenta, a pele se esticando, os ossos se realinhando com sons de estalos e gemidos. Pedaços de vidro ainda brilhavam no chão, alguns presos na pelagem que emergia rapidamente.
Silas sentiu o ar faltar em seus pulmões. Seu cérebro, acostumado a decifrar os mistérios do universo, a calcular trajetórias de estrelas e a desvendar as leis da física, lutava para processar a cena diante de seus olhos. Lobisomem. A palavra, antes relegada a contos de fadas e folclore, agora se materializar em sua frente, em sua própria casa, em sua própria filha.
Um turbilhão de emoções o atingiu com a força de uma supernova.
Medo: Um medo primitivo, visceral, tomou conta dele. O medo do desconhecido, do perigo, da perda. Ele viu a força bruta na criatura, a selvageria em seus movimentos. Era uma ameaça, uma força da natureza descontrolada. O que ele, um simples professor, poderia fazer contra algo assim? A imagem de Elara, sua pequena Elara, se perdendo em algo tão monstruoso, era insuportável.
Preocupação:Uma onda avassaladora de preocupação o inundou. Elara. Sua filha. O que estava acontecendo com ela? Era dor? Era sofrimento? Era uma doença? Ele queria correr até ela, abraça, protegê-lo, mas a criatura que ele via não era mais a sua menina, pelo menos não da forma que ele a conhecia. Havia uma barreira invisível, uma linha tênue entre o que ele sabia e o que ele estava vendo. Ele se perguntava se ela estava sofrendo, se estava assustada, se ainda havia um resquício de Elara ali dentro, consciente e aterrorizada.
Alegria? Sim, uma alegria estranha e confusa também se misturou ao pânico. Alegria pela força que emanava da criatura, pela beleza selvagem que ela possuía, pela confirmação de que sua filha era algo mais, algo extraordinário. Ele sempre soube que Elara era especial, que havia uma centelha de algo único nela. Mas isso... isso superava qualquer expectativa. Era como descobrir uma nova lei fundamental do universo, algo que mudava tudo o que ele pensava saber. Uma parte dele, o cientista curioso, estava fascinada.
Mas a alegria era efêmera, rapidamente eclipsada pela realidade crua. Aquele ser, por mais que compartilhasse os traços físicos de sua filha, era agora algo diferente. A inocência em seus olhos havia sido substituída por uma sabedoria ancestral e um instinto predatório. O calor de sua pele, que ele conhecia tão bem, estava agora coberto por uma pelagem grossa e selvagem.
Ele deu um passo para trás, o coração martelando contra suas costelas. A criatura se virou, os olhos dourados fixando-se nos dele. Por um instante, Silas pensou ter visto um lampejo de reconhecimento, um fio de conexão entre eles. Mas foi apenas um instante. A fera soltou um rosnado baixo, um aviso claro.
Silas sabia que não podia interferir naquele momento. A transformação era um processo natural, embora aterrorizante. Forçar sua presença ali poderia ser perigoso para ambos. Ele precisava entender. Precisava de respostas.
Ele fechou a porta do quarto com cuidado, o som do vidro quebrado ainda ecoando em sua mente. Desceu as escadas em um borrão, o corpo tremendo. Foi para seu escritório, um santuário de livros e equações, mas as fórmulas e teorias de repente pareciam triviais diante do mistério que acabara de testemunhar.
Ele se sentou em sua cadeira, a mente correndo em círculos. Lobisomens. Mitologia. Lendas. Ele começou a vasculhar sua vasta biblioteca, procurando por qualquer coisa que pudesse explicar o inexplicável. Livros antigos sobre folclore, textos obscuros sobre criaturas sobrenaturais, até mesmo artigos científicos sobre anomalias genéticas e transformações biológicas.
A noite avançava, e Silas mergulhava cada vez mais fundo na pesquisa. Ele lia sobre ciclos lunares, sobre a hereditariedade de maldições, sobre a natureza da licantropia. Cada descoberta o levava a mais perguntas. Era uma maldição hereditária?.
Ele olhou para o relógio. A lua ainda estava alta no céu. Elara estaria lá fora agora, correndo, caçando. A imagem dela, livre e selvagem, o assustava e, de uma forma perturbadora, o fascinava. Ele se lembrou de sua filha, de sua curiosidade insaciável, de seu amor por histórias e mistérios. Talvez, apenas talvez, ela estivesse descobrindo um novo tipo de conhecimento, um conhecimento que nem mesmo os livros de ciência poderiam oferecer.
Mas a preocupação o corroía. Como ele poderia protegê-la? Como poderia ajudá-la? Ele não era um guerreiro, nem um caçador de monstros. Ele era um homem de ciência, um pai. Sua filha havia se transformado em algo selvagem, algo perigoso. E ele, Silas, estava sozinho com essa verdade aterradora.
Ele sabia que não poderia mais viver na ignorância. A Elara que ele conhecia havia mudado, e ele precisava se adaptar, aprender, e, acima de tudo, encontrar uma maneira de proteger sua filha, não importa a forma que ela assumisse. A jornada de Elara estava apenas começando, e a jornada de Silas para compreender e aceita, mesmo que em sua forma mais selvagem, também havia começado.
Ele fechou um livro antigo sobre alquimia, a poeira fina subindo no ar. A noite ainda era longa, e ele tinha muito o que aprender. Ele não sabia o que o futuro reservava, mas uma coisa era certa: sua vida, e a vida de Elara, nunca mais seriam as mesmas. A ciência que ele tanto amava agora precisava se expandir para abraçar o inexplicável, o sobrenatural. E ele, Silas, precisava se tornar um pai para uma criatura que era, ao mesmo tempo, sua filha e uma fera da noite.
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Atualizado até capítulo 20
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