A FERA DESPERTA

A noite da lua cheia chegou com uma fúria contida. Elara sentiu a mudança se intensificar a cada minuto, a febre em seu corpo atingindo um pico insuportável. A dor nas costas havia se espalhado, irradiando por seus membros, como se seus ossos estivessem sendo reconfigurados, seus músculos esticados até o limite. O ar em seus pulmões parecia rarefeito, e uma sede ardente consumia sua garganta.

Ela estava em seu quarto, a luz pálida da lua filtrando através das cortinas pesadas. A cada respiração, sentia o ar fresco da noite tocar sua pele, aguçando seus sentidos a um nível quase doloroso. O cheiro de terra, de pinho e de algo mais selvagem, mais animal, preenchia suas narinas. Era o cheiro da floresta, um convite irresistível para a sua nova natureza.

De repente, um espasmo violento a percorreu. Seus dentes latejaram, a mandíbula se expandindo com um estalo audível. Seus dedos se curvaram, as unhas engrossando e alongando, tornando-se garras afiadas. Um grunhido gutural escapou de seus lábios, um som que não parecia vir de sua própria garganta, mas de um lugar mais profundo, mais primal.

O pânico inicial deu lugar a uma aceitação sombria. A força que a dominava era avassaladora, e ela sabia que lutar contra ela seria inútil. Era como tentar deter uma avalanche. Com um grito rouco, ela se jogou contra a janela. O vidro cedeu com um estrondo, estilhaçando-se em mil pedaços, as facas de luz lunar cortando sua pele, mas a dor era um mero sussurro comparada à agonia da metamorfose.

Lá fora, a noite a esperava. Elara saltou para o jardim, a grama úmida e fria sob seus pés descalços. A transformação estava em pleno andamento. Sua espinha se curvou, os ombros se alargaram e uma pelagem escura começou a brotar de sua pele, grossa e sedosa. Seus membros se alongaram, os ossos estalando em novas posições. O rosto se distorceu, o focinho se projetando, os olhos adquirindo uma tonalidade dourada e selvagem.

Em poucos minutos, onde estava Elara, agora se erguia uma criatura imponente: um lobo negro, com uma pelagem tão escura quanto a noite sem estrelas, os olhos dourados brilhando com uma inteligência feroz e uma fome insaciável. Era o Lobisomem Negro, a manifestação de uma linhagem antiga e sombria.

Um instinto poderoso a impeliu para a floresta. A mansão, com seus confortos e suas memórias, parecia um mundo distante e irrelevante. A floresta era seu verdadeiro lar agora. Ela correu, os músculos poderosos impulsionando-a através da vegetação rasteira com uma velocidade surpreendente. O vento assobiava em seus ouvidos, carregando os sons da noite: o farfalhar de folhas, o canto distante de uma coruja, o murmúrio de um riacho.

Sua audição era incrivelmente aguçada. Ela podia ouvir o bater do coração de um esquilo a metros de distância, o movimento de insetos na terra. Seu olfato era ainda mais extraordinário. Ela podia distinguir cada cheiro, desde a resina das árvores até o rastro deixado por um cervo horas antes.

A fome, porém, era o instinto dominante. Uma fome visceral, que exigia saciedade. Ela rastreou o cheiro de um coelho, um rastro fresco que a levou por entre as árvores. A caça era instintiva, um balé de agilidade e precisão. Ela se esgueirou, seus movimentos silenciosos e fluidos, até o momento exato. Com um salto rápido e poderoso, ela abateu sua presa.

O cheiro do sangue era inebriante. Ela sentiu o calor do corpo do coelho em suas mandíbulas, a textura macia de sua pele. E então, ela provou. O sangue era quente, salgado, vibrante. Era a vida em sua forma mais pura, e para Elara, naquele momento, era a confirmação de sua nova existência. Era o gosto da liberdade, da selvageria, da sobrevivência.

Ela devorou a presa com uma voracidade que a surpreendeu. Cada mordida, cada rasgo, era uma afirmação de seu poder. A fome diminuiu, mas deixou um resquício de satisfação brutal. Ela lambeu o sangue de seu focinho, os olhos dourados fixos na escuridão, sentindo a floresta pulsar ao seu redor.

Elara, a garota que amava ler e sonhar, estava desaparecendo. Em seu lugar, emergia a fera, a predadora, a filha da noite. Ela sentiu uma euforia estranha, uma liberdade que nunca conhecera antes. A maldição não era apenas uma maldição; era também uma liberação. Uma liberação de todas as suas amarras, de todas as suas preocupações.

Ela continuou correndo, explorando os limites de seu novo corpo. Cada músculo respondia com uma força e agilidade surpreendentes. Ela saltou sobre troncos caídos, escalou pequenas elevações com facilidade, sentindo a terra sob suas patas. A floresta se abriu para ela, um reino de sombras e instintos, onde ela era a rainha.

O sol começava a despontar no horizonte, pintando o céu com tons de laranja e rosa. Elara sentiu a força da transformação começar a recuar, a dor sutil retornando enquanto seu corpo lutava para reverter o processo. Era hora de voltar, de se esconder, de esperar pela próxima noite.

Ela encontrou um local seguro, uma caverna escondida entre as rochas, e ali, sob a luz fraca do amanhecer, o processo inverso começou. A pelagem recuou, os ossos voltaram às suas posições originais, o focinho se retraiu. A dor era intensa, mas agora misturada com uma estranha melancolia.

Quando a luz do sol finalmente a alcançou, Elara estava de volta, nua, exausta e coberta de terra e sangue, em seu quarto, com o vidro da janela espalhado pelo chão. A memória da noite passada era vívida, real, gravada em sua alma. Ela sentiu o gosto do sangue em sua boca, a força em seus músculos, a liberdade em seu espírito.

A transformação estava completa. Elara Silves havia morrido naquela noite, e a Fera havia nascido. E ela sabia, com uma certeza aterradora, que a noite seguinte traria de volta a criatura que habitava dentro dela.

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