A Lenda do Lobisomem Negro

A Lenda do Lobisomem Negro

O SUSSURRO DA FLORESTA NEGRA

A névoa, espessa como um sudário, rastejava pelas encostas da colina, engolindo os contornos da velha mansão dos Silves. Era uma noite de lua crescente, um crescente pálido e doentio que mal conseguia perfurar o véu de nuvens pesadas. Dentro dos muros de pedra fria e úmida, o silêncio era quase palpável, pontuado apenas pelo crepitar ocasional da lareira e pelo ranger melancólico da madeira antiga. Para a família Silves, este silêncio não era apenas a ausência de som, mas uma presença em si mesma, carregada de séculos de segredos.

Elara Silves, com seus dezenove anos e olhos que pareciam carregar a melancolia de eras, sentia o peso daquela noite mais do que o habitual. Ela estava sentada na biblioteca, um santuário de livros empoeirados e histórias esquecidas, folheando um tomo encadernado em couro escuro. As páginas amareladas exalavam o aroma de tempo e de algo mais… algo mais primal, mais sombrio. Era o livro de crônicas da família, um registro que remontava a tempos memoriais, escrito em caligrafia elegante, mas por vezes manchada por uma tinta que parecia quase vermelha sob a luz fraca.

Seu avô, o velho Bartholomew Silves, era o guardião daquelas histórias. Um homem de poucas palavras, mas cujos olhos, de um azul gelado, pareciam ter visto mais do que a vida de um homem comum permitiria. Era ele quem, em noites como esta, reunia a família ao redor da lareira e, com a voz rouca e carregada de uma reverência sombria, narrava a lenda do Lobisomem Negro. Uma lenda que era, na verdade, a história da maldição que pairava sobre os Silves.

A história, como Bartholomew a contava, começava na Inglaterra do século XI. Não em tempos de cavaleiros e castelos imponentes, mas em uma era mais brutal, onde a floresta era um reino de mistério e perigo, e a superstição ditava muitas das verdades da vida. A família Silves, ou pelo menos seus ancestrais mais remotos, eram senhores de terras em uma região remota, conhecida como Blackwood Forest. Um lugar de árvores antigas e retorcidas, cujos galhos se entrelaçam como dedos ossudos, e onde a luz do sol raramente tocava o solo.

Conta a lenda que, em uma noite de lua cheia particularmente sombria, um dos ancestrais de Bartholomew, Sir Kaelan Silves, um homem orgulhoso e de temperamento irascível, se aventurou nas profundezas da Blackwood. Ele estava caçando, uma prática que, para os nobres da época, era tanto um esporte quanto uma demonstração de poder. Mas naquela noite, Kaelan não buscava apenas a emoção da caçada; ele buscava desmascarar uma criatura que aterrorizava os vilarejos próximos – um lobisomem, diziam as histórias, de um negro tão profundo que parecia absorver a própria luz.

Os contos eram variados. Alguns falavam de um homem amaldiçoado, outros de uma besta primordial despertada por algum ritual profano. Mas todos concordavam em um ponto: a criatura era implacável e possuía uma força e ferocidade que desafiar a compreensão humana. Kaelan, cético e arrogante, via a lenda como um mero conto para assustar camponeses. Ele jurou capturar ou matar a besta e provar sua própria coragem.

Ele seguiu os rastros, que se tornavam mais evidentes à medida que a noite avançava e a lua se elevava no céu. O ar ficou mais frio, e um cheiro de terra molhada e algo metálico pairava no ar. Foi então que ele a viu. Não um lobo comum, mas uma figura colossal, com o corpo de um homem coberto por uma pelagem negra como a noite sem estrelas. Seus olhos brilhavam com uma inteligência sinistra, e um rosnado que parecia vir das profundezas da terra ecoou pela floresta.

O confronto foi brutal. Kaelan era um guerreiro experiente, mas a força da criatura era avassaladora. Em meio à luta desesperada, o lobisomem, em um movimento rápido e inesperado, conseguiu arranhar o braço de Kaelan. A dor foi excruciante, um ardor que se espalhou como fogo. Kaelan conseguiu, com um último esforço, cravar sua espada no peito da besta, que uivou em agonia antes de se dissolver nas sombras, deixando para trás apenas um rastro de um odor acre e a sensação de um mal persistente.

Exausto e ferido, Kaelan retornou ao seu castelo. Ele acreditava ter vencido. Mas a ferida em seu braço não curava. Em vez disso, ela se aprofundava, a pele se tornando escura e áspera, como se estivesse sendo consumida por uma doença desconhecida. Com o passar dos dias, ele começou a sentir mudanças perturbadoras em si mesmo. Uma agressividade crescente, uma aversão à luz do sol, e, nas noites de lua cheia, uma fome insaciável e uma transformação agonizante.

O lobisomem negro não havia sido morto, mas sim, de alguma forma, transmitido. A maldição de Kaelan Silves, o homem que ousou desafiar a criatura primordial da Blackwood, havia começado. E com ela, a linhagem dos Silves, marcada para sempre pela sombra do lobisomem.

Elara fechou o livro com um suspiro. A história era sempre a mesma, contada e recontada, mas nunca perdia seu poder de gelar o sangue. Ela sabia que a maldição não era apenas uma história para assustar as crianças. Ela sentia isso em sua própria carne, em sua própria alma. Havia momentos em que a escuridão dentro dela parecia querer se manifestar, em que seus sentidos se aguçavam de forma sobrenatural, e em que uma raiva antiga e selvagem ameaçava consumi-la.

Seu pai, Silas Silves, era um homem que tentava negar a herança de sua família. Ele se mudou para longe da Inglaterra, para esta terra distante, na esperança de escapar do passado. Mas o passado, como a névoa que envolvia a mansão, era teimoso. Ele se agarrava às raízes da família, à linhagem, e à própria essência dos Silves.

A família Silves, em sua nova terra, tentava viver uma vida normal. Mas a lenda, o legado, era algo que não podia ser simplesmente esquecido. Era sussurrado em conversas baixas, lembrado em olhares furtivos, e sentido nos momentos de quietude mais profunda. E agora, com a lua crescendo novamente, Elara sentia um arrepio percorrer sua espinha. Algo estava para acontecer. A história estava prestes a se repetir, e a maldição, adormecida por tantos anos, parecia estar despertando.

Ela se levantou, os olhos fixos na janela escura, onde a silhueta das árvores parecia se contorcer como criaturas vivas. A floresta ao redor da mansão, que sempre fora um lugar de beleza selvagem, agora parecia um portal para algo muito mais antigo e aterrorizante. O chamado da noite, o chamado da besta interior, estava se tornando mais forte. E Elara sabia que, em breve, ela teria que enfrentar não apenas a lenda, mas a sua própria natureza sombria. A maldição dos Silves estava prestes a se manifestar novamente, e desta vez, ela seria a protagonista.

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!