Hoje sexta-feira o telefone tocou, o mesmo que mantenho escondido para que eles não vendam, ou tomem de mim, a proposta era simples: um evento elegante, um chá de bebê em uma casa que parecia mais uma mansão de filme. A diária era mais alta que qualquer outra que já recebi, e o valor dos dois dias me manteria por uma semana, ou mais. Mas havia uma condição: dormir lá na noite anterior.
Não hesitei, mesmo sabendo que Raul e Matheo nunca aceitariam, desde o dia que comecei a trabalhar tenho mantido a casa, mas mesmo assim eles sempre acham uma forma de me humilhar.
Fui até o espelho do pequeno banheiro que compartilhava com Raul e Matheo. Me olhei com atenção. O cabelo preso num coque apertado, os olhos com olheiras fundas, e aquele nó eterno no estômago.
Não contei a eles. Sabia que se falasse, eles não deixariam. Raul diria que não confia em “gente rica”. Matheo talvez apenas risse e me mandasse fazer o jantar.
Então arrumei uma mochila com uma troca de roupa, um sabonete novo que escondi por meses e um brilho labial que ganhei da moça do mercado.
Respirei fundo. Talvez… só talvez… aquele fim de semana fosse um respiro.
Apertei o zíper devagar, tentando não fazer barulho. Meus pés descalços deslizaram até a porta dos fundos. A varanda estava a poucos passos. A liberdade, a um suspiro.
Mas quando estiquei a mão para empurrar a porta...
— Onde pensa que vai, vagabunda?
Fui puxada pelos cabelos com força, como um boneco sendo arrastado. Cai de costas, gritei com o susto, mas não tive tempo para me defender. Raul me lançou contra a parede da sala, Matheo apareceu no corredor com um olhar de desprezo e tédio, como se já soubesse.
— Vai sair escondida? Hein? — Raul gritou, o rosto a centímetros do meu. O hálito dele me embrulhou o estômago.
— É só um trabalho… um chá de bebê… eu… — tentei explicar, mas minha voz tremia. Mal conseguia falar.
— E ta indo de mochila por quê? Maquiada ainda? Quer me trair sua puta? — ele questionou e o tapa veio com força, o meu rosto já marcado não demoraria a inchar novamente.
— É porque tenho que dormir essa noite, mas é só, eu juro. — respondi apavorada.
— Dormir fora? Com quem? Vai se deitar com os ricos agora? — Matheo questionou agora enfurecido me acertando outro tapa.
— Não é isso… É só trabalho, para com isso, ou me mata de uma vez.
Ele ergueu a mão. Meu corpo inteiro enrijeceu, esperando o impacto.
Mas dessa vez, ele não bateu. Só cuspiu no chão e me empurrou novamente.
— Sai com essa roupa de vagabunda e eu te quebro na volta.
— Isso aqui não é motel, é minha casa. E você faz o que eu mando — Raul completou, cruzando os braços.
A mochila caiu das minhas mãos. A liberdade também.
E eu? Voltei para o quarto. Trancada, em silêncio.
Só chorei quando o barulho da televisão abafou meu choro.
O telefone logo vibrou em cima da cômoda. O coração disparou. Por um segundo pensei que Raul tivesse descoberto, mas quando vi o nome da organizadora na tela, um fio de esperança reacendeu.
— Oi, Ana Lua? — a voz simpática soou firme do outro lado.
— Estamos passando aí em dez minutos. Tudo certo?
Engoli seco. Olhei para a porta do quarto, trancada.
Dez minutos. Era agora ou nunca.
— Sim, tudo certo — menti, com a voz baixa, e desliguei.
Corri até o espelho, o coração batendo tão alto que mal ouvia meus próprios pensamentos. O rímel estava um pouco borrado. Peguei a ponta de uma camiseta velha e limpei. A base já não escondia tudo, mas dava para o gasto. Um batom claro, um toque de blush. Prendi os cabelos com o elástico de pano que guardei no bolso e me encarei por dois segundos.
— Você consegue, Ana. Hoje você vai. — sussurrei para mim mesma.
Abri a janela com cuidado. A tranca estava meio solta desde a última tempestade. Apoiei os pés na parede lateral, pulei o pequeno degrau de cimento e caí no chão com um baque surdo. O coração parecia querer saltar pela boca. Corri pela lateral da casa, escondida pelas sombras.
O carro branco já estava ali, com o vidro abaixado. Era a van da equipe de eventos. Dentro, Fernanda, uma das meninas que eu já conhecia de outros trabalhos, me viu e abriu a porta correndo.
— Corre, menina! Antes que te vejam! — ela sabia do que eu vivia, mas como os outros... ninguém podia fazer nada.
Entrei. O cheiro do carro era de perfume e café. Fechei a porta com força e só aí respirei.
— Conseguiu mesmo? — ela perguntou, os olhos arregalados.
— Consegui — respondi ofegante, como se tivesse fugido de uma prisão. Porque tinha fugido mesmo.
A van começou a andar e Fernanda me cutucou, sorrindo.
— Você já foi na propriedade da família Salvatore?
Neguei com a cabeça, tentando organizar os pensamentos. O estômago ainda doía do puxão de cabelo e da fome. Mas Fernanda não parava:
— Você vai ver… os homens lá são um espetáculo. O chefe é lindo. O do meio é um absurdo. Mas o mais novo? Ricco Salvatore? Aquele ali parece que foi feito com pecado puro. Só não se apaixona se for cega.
— Eu não tô indo atrás disso — murmurei, virando o rosto para janela e soltando meu cabelo.
— Claro que não. — Ela riu. — Mas quando você ver aquele olhar, Ana Lua…
Continuei em silêncio. Olhando para a estrada, não tinha tempo de pensar em nada que não fosse fugir da minha realidade.
Mal sabia eu que em menos de 24 horas, aquele olhar me encontraria.
E minha vida nunca mais seria a mesma.
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Atualizado até capítulo 36
Comments
luciana tavares
Q raiva desses 2 , tô achando q eles se pegam. Pra ter tanta raiva da lua deve ser porque são gays enrustidos , não tem coragem de assumir e ficam torturando a menina😡
2025-07-02
4
luciana tavares
Posta mais autora, por favor!
2025-07-02
2
bete 💗
muita maldade que ele encontre um anjo salvador.❤️❤️❤️❤️❤️
2025-07-02
0