HOMEM FERIDO

Sonny, o membro mais jovem e inexperiente do bando, mantém sua posição de vigilância junto aos cavalos inquietos, enquanto aproximadamente oito homens, com passos determinados e expressões tensas, adentram o banco. O sol forte da manhã projeta suas sombras alongadas no chão empoeirado da rua principal.

Não é por acaso que Sonny está ali. Como sobrinho do temido braço direito de Blackjack, um dos mais notórios fora-da-lei do território, o jovem carrega em seus ombros o peso de um legado criminoso. Seu tio, vendo nele a mesma fagulha de ousadia que caracteriza a família, decidiu introduzi-lo no mundo do crime, acreditando que o rapaz tem o potencial necessário para perpetuar a infame tradição familiar na senda da marginalidade.

A manhã transcorre preguiçosamente na pequena cidade fronteiriça quando, por entre a densa cortina de poeira que paira sobre a estrada principal, emerge uma figura feminina cuja beleza extraordinária parece deslocada naquele cenário rústico. Seus movimentos graciosos contrastam com a rudeza do ambiente ao seu redor.

Ela se move com uma elegância natural e discreta, como uma dama da alta sociedade que se perdeu em meio ao território selvagem. Sua presença não passa despercebida aos olhos atentos e curiosos de Sonny, que, mesmo concentrado em sua função de vigia, não consegue evitar que seu olhar seja repetidamente atraído pela misteriosa mulher.

À medida que ela se aproxima, Sonny sente uma crescente inquietação. Algo naquela mulher desperta em sua memória fragmentos de histórias e imagens que ele não consegue organizar completamente. 

A sensação de familiaridade o consome, como se estivesse diante de alguém que conhece intimamente, embora jamais tenha encontrado pessoalmente.

Dominado pela impulsividade característica de sua juventude e ignorando momentaneamente suas responsabilidades como sentinela, Sonny abandona sua posição estratégica e se aproxima da mulher com passos hesitantes mas decididos.

— A senhorita... — ele começa, sua voz tremendo ligeiramente com uma mistura de admiração e incredulidade — Por acaso é Dolly Sloan?

A reação da mulher é instantânea e reveladora. Ela para abruptamente, como se tivesse sido atingida por um raio. Seus olhos, grandes e expressivos, se arregalam em uma súbita demonstração de pânico que, apesar de seu esforço visível, ela não consegue disfarçar completamente.

— Como é que um garoto pode saber uma coisa dessa? — ela questiona, tentando manter a compostura. — Não, está enganado — acrescenta com firmeza estudada, mas seu olhar inquieto e o leve tremor em sua voz contradizem suas palavras de negação.

Com uma confiança que beira a temeridade, Sonny faz uma declaração que soa simultaneamente como uma ameaça velada e uma confissão de admiração: — Eu sei tudo sobre você.

Para provar sua afirmação, Sonny se dirige com passos rápidos até seu cavalo, que permanece atado próximo dali. De uma das bolsas de couro desgastado que pendem da sela, ele retira uma pequena coleção de folhetins de literatura popular, publicações baratas mas muito procuradas nas cidades do Oeste. Com um movimento decidido, volta-se para a mulher e estende um dos exemplares em sua direção.

Na capa do folhetim, apesar da impressão de qualidade questionável e das cores exageradas, um desenho reproduz inequivocamente os traços delicados e marcantes da mulher que está diante dele. A semelhança é inegável, mesmo considerando as limitações artísticas da ilustração.

Em letras grandes e chamativas, um título sensacionalista atravessa a capa: "Dolly Sloan – Harlot with a Heart" (A Meretriz com Coração). Esta é apenas uma das muitas histórias romanescas que circulam pelas cidades e vilarejos do Oeste americano, narrando as supostas aventuras de uma cortesã extraordinária. Segundo os relatos, apesar de sua profissão controversa, Dolly possui uma nobreza de espírito rara, frequentemente colocando-se em risco para ajudar os necessitados e defender os oprimidos. Suas ações altruístas e sua personalidade complexa a transformaram em uma espécie de heroína improvável, admirada secretamente por muitos e publicamente condenada por outros tantos.

— Acredite em mim, quem passou por aquela situação foi eu. — disse Dolly, com um suspiro profundo e cansado enquanto ajustava nervosamente a alça da bolsa no ombro, seus dedos delicados tremendo levemente com o movimento. — Não é algo que eu inventaria apenas para impressionar. Minha vida já tem histórias suficientes sem precisar criar outras.

O rosto da mulher empalidece gradualmente ao ver a evidência de sua identidade exposta tão claramente, a cor abandonando suas faces como a maré baixa deixando a praia. Seus lábios carmim tremem ligeiramente enquanto ela tenta, sem sucesso, formular uma resposta convincente. O precioso segredo que ela guardava com tanto zelo – sua verdadeira identidade – acaba de ser revelado pelo mais improvável dos admiradores: um jovem bandido em seu primeiro assalto, cujos olhos brilham com uma mistura de admiração e incredulidade.

Este encontro inesperado entre Sonny e Dolly Sloan seria apenas o início de uma conexão profunda que mudaria inexoravelmente o destino de ambos, entrelaçando suas vidas de maneiras que nenhum dos dois poderia prever naquele momento tenso em frente ao banco, onde o ar parecia pesado com o peso dos segredos revelados.

Do lado de fora, os outros membros da gangue percebem que a situação ficou tensa, trocando olhares preocupados entre si. Um jovem xerife adjunto, com sua estrela reluzente sob o sol da manhã, caminha em direção ao banco com passos cautelosos e determinados, sua mão repousando instintivamente sobre o coldre da arma.

Nesse exato momento, como se o destino tivesse orquestrado precisamente aquela cena, um grupo de homens da Cavalaria surge na rua, o som ritmado dos cascos de seus cavalos ecoando como trovões distantes no chão de terra batida, levantando pequenas nuvens de poeira dourada sob a luz do sol. Dolly, percebendo a oportunidade que se apresenta, lança um último olhar enigmático para o garoto - um olhar carregado de significados não ditos - antes de se afastar com passos decididos em direção ao pelotão.

Os uniformes azuis da Cavalaria reluzem majestosamente sob o sol inclemente do meio-dia, criando um espetáculo quase hipnótico de luz e movimento enquanto ela se aproxima com seu característico caminhar sedutor, cada passo calculado para maximizar o efeito de sua presença.

Sonny, por sua vez, sente o sangue gelar nas veias como um rio congelado no inverno. Seu coração jovem dispara em um ritmo frenético e descompassado enquanto sua mente, ainda inexperiente nas artes do crime, tenta processar desesperadamente o perigo iminente que os cerca, como um animal selvagem farejando a aproximação de um predador.

Como avisar o tio e os outros homens do bando sobre a chegada repentina da Cavalaria? Suas mãos tremem ligeiramente enquanto gotas de suor frio escorrem por sua testa, traçando caminhos sinuosos pela pele empoeirada. Seu coração dispara no peito como um cavalo em disparada, e sua garganta se fecha com o peso da responsabilidade.

O tempo parece desacelerar até quase parar, cada segundo se estendendo como uma eternidade enquanto ele pondera suas opções. A vida de seus companheiros - incluindo seu próprio tio - pende por um fio tão delicado quanto uma teia de aranha ao vento. Cada momento de hesitação pode ser o último grão de areia na ampulheta de suas vidas ou liberdades.

Dentro do banco, completamente alheios ao perigo iminente que se aproxima pela rua poeirenta, os assaltantes finalizam seu trabalho com a meticulosidade de artesãos. Seus movimentos são precisos e calculados, resultado de semanas de planejamento cuidadoso e observação paciente.

Quando finalmente emergem pela porta principal, seus rostos mal conseguem conter as expressões de triunfo. O peso das bolsas de couro escuro em seus ombros é como uma confirmação tangível de seu sucesso - cada uma delas estufada com notas que representam não apenas dinheiro, mas também sonhos, ambições e a promessa de uma vida melhor longe dali.

O ar da manhã, até então pesado com tensão e expectativa, é subitamente rasgado pelo estampido ensurdecedor de um tiro. O som ecoa pelas paredes dos edifícios como um trovão inesperado em dia claro. Em questão de segundos, a rua principal da pacata cidade fronteiriça se transforma em uma arena caótica de violência e desespero. 

O tiroteio se intensifica, transformando o cenário em um inferno de pólvora e gritos.

É neste momento de caos absoluto que o destino decide jogar sua carta mais cruel. Uma bala perdida - uma entre centenas que cruzam o ar como vespas enfurecidas - encontra seu caminho até Dolly. O impacto é devastador em sua precisão impiedosa, atingindo-a com força suficiente para arrancar dela um último suspiro surpreso.

O mundo ao redor de Sonny parece desaparecer completamente quando ele vê o corpo dela cambalear. Seus olhos, antes tão vivos e misteriosos, agora se arregalam em uma expressão de surpresa e dor que paralisa seu coração. Sem pensar nas consequências, ignorando o perigo mortal das balas que zunem ao seu redor como abelhas furiosas, ele corre em sua direção com a determinação cega de quem não tem nada a perder.

Seus braços a alcançam antes que ela toque o chão empoeirado, segurando-a com uma força nascida do desespero e da negação. O corpo dela, ainda quente mas já perdendo sua vitalidade, pesa em seus braços como uma âncora puxando-o para uma realidade que ele se recusa a aceitar.

Seus olhares se encontram uma última vez - um momento eterno congelado no tempo. O rosto dela, mesmo marcado pela sombra da morte, mantém aquela beleza etérea e melancólica que primeiro o havia capturado. É como se toda a história deles - tão breve mas tão intensa - estivesse condensada neste único momento de conexão final.

Os lábios carmim de Dolly - aqueles mesmos lábios que haviam pronunciado palavras de negação apenas momentos antes - tremem levemente num esforço último de comunicação. Mas as palavras que ela tenta formar permanecem para sempre não ditas, levadas pelo vento junto com seu último suspiro. Ali morre não apenas Dolly Sloan, a meretriz com coração de ouro, aquela que desafiou as convenções de seu tempo para mostrar bondade quando outros só viam seu ofício, mas também uma parte da inocência de Sonny. Há uma ironia cruel no fato de que ela, que tanto desprezava a vida do crime, acaba seus dias nos braços de um jovem que está apenas começando sua jornada pelo mesmo caminho que ela tanto condenava.

O tiroteio se intensifica com violência crescente. Balas ricocheteiam nas paredes e janelas ao redor como abelhas metálicas furiosas, arrancando estilhaços de madeira e pedra que voam em todas as direções. A confusão toma conta da rua principal, transformando a pacata cidade em um cenário de guerra.

Em meio ao caos, um dos bandidos mais experientes avalia rapidamente a situação. Com um movimento calculado, ele dispara sua arma para o céu várias vezes, o som ensurdecedor provocando gritos de pânico entre os cidadãos que correm desesperadamente em busca de abrigo.

De dentro do banco, a voz rouca e autoritária de Britton ressoa: "Pegamos o que viemos buscar. Vamos sair daqui antes que isso vire um cemitério!"

Com a precisão de uma manobra bem ensaiada, os bandidos emergem do banco em formação defensiva, protegendo-se mutuamente enquanto avançam em direção aos cavalos que aguardam inquietos.

O jovem xerife adjunto, movido por um senso de dever que ultrapassa o instinto de sobrevivência, tenta heroicamente intervir. Seus dedos mal tocam o cabo de sua arma quando um tiro certeiro o atinge, silenciando permanentemente suas aspirações de justiça.

No turbilhão de violência que se segue, o ar fica denso com pólvora e gritos. Cinco ou seis membros do bando, incluindo o jovem Sonny, são atingidos pela chuva de balas que cruza o ar como um enxame mortal.

Entre os feridos, destaca-se um grito particularmente agonizante. Um dos bandidos, atingido no abdômen, contorce-se em dor lancinante, seu corpo dobrando-se como uma árvore jovem açoitada por um vendaval impiedoso.

O sangue jorra abundantemente entre seus dedos trêmulos que pressionam inutilmente o ferimento fatal, manchando sua camisa com um vermelho escuro e viscoso que se espalha como uma flor macabra.

Sonny, ignorando a dor pulsante em sua própria perna onde uma bala o atingiu de raspão, demonstra uma coragem além de seus anos. Seu rosto jovem está marcado pela determinação e pelo suor que escorre misturado com poeira.

Num ato de bravura que mistura lealdade fraternal e desespero juvenil, ele reúne forças sobre-humanas para erguer o companheiro ferido. Com músculos tremendo pelo esforço, consegue posicionar o homem sobre a garupa de seu cavalo, que protesta nervosamente sob o peso adicional.

O animal, sentindo o cheiro metálico do sangue que impregna o ar e reagindo ao caos ao seu redor, relincha e pisoteia o chão ansiosamente, suas narinas dilatadas captando o odor da morte que paira no ar como uma névoa invisível.

Anos de experiência em situações de risco extremo se manifestam quando o bando executa uma manobra de fuga perfeitamente coordenada. Como uma força da natureza implacável, eles abrem caminho através das linhas dos defensores da lei, que recuam instintivamente diante da ferocidade do avanço.

Montados em seus cavalos possantes, escolhidos especialmente por sua velocidade e resistência, os bandidos disparam pelas ruas estreitas da cidade. Seus cascos levantam nuvens de poeira dourada que dançam no ar como cortinas, oferecendo uma cobertura natural para sua fuga desesperada.

O som dos cascos contra o solo ressoa como trovões distantes, enquanto os homens se curvam instintivamente sobre suas selas, seus corpos colados aos pescoços de suas montarias. Balas continuam zunindo ao seu redor, mas agora com menos precisão, enquanto os soldados frustrados disparam contra alvos cada vez mais distantes e difusos na poeira que tudo encobre.

À medida que cavalgam para fora dos limites da cidade, conseguem gradualmente aumentar a distância entre eles e o grupo de soldados determinados que logo organizarão uma perseguição sistemática.

A paisagem árida do oeste americano se abre diante deles, oferecendo inúmeras possibilidades de rotas de fuga entre cânions, planícies e montanhas distantes.

Após cavalgar por quase uma hora em ritmo alucinante, Blackjack—o líder incontestável do grupo—ergue o braço sinalizando uma parada.

— Estão vindo. — alertou o vigia com a voz embargada pelo medo.

— Vamos continuar em frente. Não temos tempo a perder. — ordenou Blackjack, ajustando o chapéu empoeirado enquanto observava o horizonte com olhos afiados.

— E o Badger? — gritou Sonny, apontando para o homem ferido que se arrastava alguns metros atrás do grupo.

— O que tem ele? — perguntou Blackjack friamente, sem sequer virar-se para olhar.

— Ele está muito ferido e tem que descansar. A bala pegou de raspão, mas está perdendo sangue demais. — explicou Sonny, limpando o suor da testa com a manga rasgada de sua camisa.

— Por que a gente não campa aqui? Aí ele pode tirar uma boa soneca e recuperar as forças — sugeriu Blackjack com um toque de ironia na voz. — Talvez até possamos acender uma fogueira bem grande para sinalizar nossa localização.

— Ele é seu irmão, pelo amor de Deus! — exclamou Sonny, indignado com a frieza do outro.

— E daí que é meu irmão? — rebateu Blackjack, finalmente virando-se para encarar Sonny. — Tem um pelotão inteiro atrás de nós avançando com toda velocidade, loucos para nos enforcar no primeiro galho resistente que encontrarem. Você quer ser o primeiro a balançar na corda?

O silêncio pesou entre eles por alguns segundos, quebrado apenas pelo som distante de cascos de cavalos.

— Eu estou bem. — disse Badger  com a voz fraca, tentando se levantar apoiado em sua espingarda. Uma mancha escura espalhava-se pelo lado de sua camisa.

— Estamos perdendo tempo, Blackjack. — interveio Cavin, o mais velho do grupo, ajustando as pistolas no coldre. — Cada minuto parados é um minuto a menos de vantagem.

— Eu posso continuar! — gritou Bedger com determinação renovada, dando alguns passos cambaleantes para demonstrar sua capacidade.

— Vamos embora. — concluiu Blackjack, virando-se e montando em seu cavalo com um movimento ágil. — Quem não conseguir acompanhar fica para trás. Não serei enforcado por ninguém.

Eles chegam a um pequeno vale protegido por formações rochosas que proporcionam tanto cobertura quanto um ponto de observação privilegiado.

É o momento para uma rápida reorganização antes de continuar a fuga.

Os homens desmontam, alguns gemendo de dor devido aos ferimentos.

O ar está pesado com o odor de suor, sangue e pólvora. Blackjack, com a frieza calculista que o caracteriza, não perde tempo com sentimentalismos.

Com ordens curtas e precisas, ele comanda que concentrem todas as bolsas com o dinheiro em um único cavalo—o mais forte e descansado do grupo.

Seus olhos frios percorrem os rostos exaustos de seus homens enquanto ele declara, sem margem para contestação, que deixará para trás qualquer um que não tenha condições de cavalgar no ritmo necessário.

—O México é nossa única chance agora—anuncia ele, apontando para o horizonte sul, onde a promessa de uma fronteira menos vigiada acena como um farol de esperança para homens procurados pela lei.— Quem não puder acompanhar, ficará para trás. Não há outra alternativa.

Sonny observa seu tio com uma mistura de admiração e repulsa, reconhecendo pela primeira vez a verdadeira natureza do homem que sempre idolatrou. O jovem sente o peso da escolha que terá que fazer: abandonar seus princípios morais e seguir o caminho cruel de Blackjack, ou arriscar tudo para salvar aqueles que, como Badger, ainda conservam um resquício de humanidade. Seus dedos apertam instintivamente as rédeas de seu cavalo enquanto sua mente trabalha furiosamente, buscando uma solução que não exija o sacrifício de mais vidas.

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