Lento Degelo
Este livro contém cenas que podem ser perturbadoras para alguns leitores. Os temas incluem:
Violência Física e Psicológica:
Representações realistas de brigas, confrontos agressivos e situações de perigo relacionadas ao universo de motoclubes e conflitos pessoais.
Exploração das consequências traumáticas.
Conteúdo Sexual Explícito:
Cenas íntimas detalhadas e descritas entre os personagens principais.
Ambientação em Locais Reais:
A narrativa utiliza cenários urbanos e estabelecimentos reais, o que pode intensificar a sensação de veracidade dos eventos violentos ou tensos.
Temas Adultos:
Linguagem forte, consumo de álcool, tensão constante e situações de risco associadas ao estilo de vida dos protagonistas (ex-jogador de hóquei, motoqueiro e a bailarina "encrenqueira").
Recomendado para leitores maiores de 18 anos.
Se você é sensível a violência, trauma, representações sexuais explícitas ou conflitos intensos, recomenda-se cautela.
Adrian Bennet
O cheiro de whisky e couro envelhecido grudava no ar do clube, misturado ao ranço do cinzeiro entupido. Estava cheio dos membros do clube.
Segurava o taco de sinuca com os dedos manchados de giz, encarando a mesa como se ela me devesse algum dinheiro.
Tony triscou a bola verde com um estalo seco, enquanto Vince mexia na máquina de discos antigos, tentando mudar a música que tocava atrás de mim.
Want You Bad - The Offspring
— Tá pensando demais, Bennet!
Vince cutucou minha costela com o cotovelo, sorrindo com meio charuto apagado nos dentes.
— Para de frescura. A bola oito tá ali, só esperando
Grunhi, esfregando a nuca onde a cicatriz da cirurgia ainda latejava. Oito segundos.
Foi o que me derrubou do topo. Agora restavam meus negócios, mesas de sinuca, apostas que queimava a garganta sem apagar a raiva.
Esticava o braço para a tacada quando a porta do bar se abriu com um estrondo de luz.
Sophie entrou arrastando a mãe pela mão, e o lugar inteiro parou. Minha sobrinha, vestida num tutu rosa brilhante e sapatilhas pink, parecia um passarinho entrando na gaiola.
Os motoqueiros nos cantos abaixaram as vozes, alguns sorrindo com dentes amarelos.
— Tio Adrian!
Sophie gritou, soltando da mãe e correndo entre as mesas como um furacão de glitter.
Seus cachos loiros presos no coque num tipo de rede, e o cheiro de seu perfume infantil invadiu minhas narinas quando eu a abracei.
Helen seguiu devagar, os olhos azuis cansados, os mesmos da nossa mãe, só que com sombras escuras de noites em claro.
Mãe solo aos vinte e três anos, criando uma pirralha teimosa num apartamento acima da minha academia. Ela encostou na mesa de sinuca, evitando olhar para Tony e Vince. Sempre seria e nunca se metendo nas minhas coisas, e eu gostava assim.
— Preciso deixar a Sophie na aula de balé. O meu carro não pega…
explicou, as mãos apertando a alsa da bolsa preta de couro.
Sophie cutucou minha perna com a sapatilha e sussurrou
— Não é aula, é ensaio! E você tem que ir ver minha apresentação no sábado!
Seus olhos arregalados eram dois faróis azuis, exigindo promessa.
— Vou ser a melhor bailarina do mundo! A senhorita Cecília disse que eu sou muito boa.
O nome me fez arquear uma sobrancelha. Helen completou, voz suave:
— É a nova professora de balé. A academia organizou o festival deste ano no teatro municipal. A professora veio de Nova York… dizem que ela dançou naqueles palcos famosos.
Sophie subiu no banco ao meu lado, agarrando meu braço tatuado. Suas mãozinhas eram quentes e suadas.
— Se você não for, vou subir naquela mesa e dançar até você dizer sim!
A cerveja no meu estômago virou algo quente e mole. Puxei-a no colo, o tutu encostado no meu antebraço.
— Tá ameaçando o seu tio, pestinha?
Meu polegar afagou a testa dela, e ela riu, um som que soava como o som de sininho pra mim.
— Promete?
— Prometo, princesa.
Entreguei a chave da minha caminhonete a minha irmã, depois de descer Sophie no chão. Helen, segurou na mão dela, mas a menina ainda me atirou um beijo de palma aberta antes de sair pulando.
— Não se esqueça, é sábado, sete horas! E vista uma camisa limpa!
berrou Helen da porta.
Quando o barulho da minha caminhonete sumiu, Vince deu uma risada rouca.
— Adrian Bennet num teatro de balé. Essa eu pago pra vê!
Ele imitou uma pirueta, quase caindo sobre a mesa de sinuca.
— Vai ter que trocar o colete de couro por um terninho todo engomadinho, hein
Tony acendeu um cigarro, o isqueiro clicando como um tiro.
— Imagino você no meio da plateia, com todo esse tamanho e as tatuagens, assistindo mocinhas de tutu. Vão pensar que é um sequestrador
Empurrei o taco contra o peito dele, não com força, mas suficiente para fazê-lo recuar.
— Fecha a porra da boca, Tony. É pela minha sobrinha
Ele levantou as mãos, ainda sorrindo, mas eu já estava olhando para a porta vazia.
Cecília. O nome soava como coisa fina, de cidade grande. Nova York. Longe de poças de cerveja e cicatrizes que não saram
Enquanto Vince organizava as bolas na mesa com destreza, eu senti um frio na espinha.
Palcos famosos. Dançarina de Nova York. O que cargas d’água uma mulher dessas veio fazer no Kansas?
Virei o resto da cerveja. O gosto agora tinha um brilho de lantejoula rosa preso na garganta.
O apito estridente do celular cortou o ar antes que eles pudessem responder, dois palhaços.
Vince, com aquele sorriso de quem sempre acha a merda errada, cutucou o aparelho vibrando no balcão, o atendendo.
— Calma, ele tá aqui sim!
— É a Lucy, Adrian. Tá que nem louca. Diz que não consegue falar com você.
Olhei pra tela. Cinco chamadas perdidas. Merda. O troço tava no silencioso desde o meu treino das 6 da manhã. Atendi, o aparelho quente colando na orelha.
— Lucy. Fala.
A voz dela veio acelerada, cortada pelo ruído de porta batendo ao fundo.
— "Adrian! Finalmente! Olha, desculpa, mas hoje à noite… o meu pequeno tem aquele recital na escola."
Passei a mão na cicatriz da nuca. Latejava. O cheiro do whisky subia, misturado ao perfume da Sophie que ainda grudava na camisa.
— "Relaxa. Eu cubro. Vai lá ver o guri brilhar."
— "Sério? Deus te abençoe, Adrian!"
O alívio na voz dela foi quase físico.
— "Você é um anjo, sabia? Um anjo tatuado e rabugento, mas…"
— "Tô ligado. Boa sorte pro ator."
Desliguei antes que o "anjo" virasse piada pronta pros cornos ao meu lado. A distância que eles estavam dava para ouvir, já que o aparelho estava no volume máximo.
Vince pegou o celular de volta, rindo baixo.
— Anjo, hein? Cadê as asinhas, Bennet? Tão guardadas com o terninho pro balé?
Vince disse dando risada. Tony, encostado na mesa, soltou uma baforada de fumaça direto pro teto.
— Tu é maluco, Adrian. Academia 24 horas por dia, 7 dias da semana? Vai acabar morando naquele lugar. Precisava contratar mais um. Ou dois.
Encostei o taco na testa, sentindo o giz áspero. A imagem da academia passou pela mente: o cheiro de suor e metal, o ranger das máquinas, a luz fluorescente batendo nos espelhos à meia da noite. Meu lugar. O único que restou depois que os oito segundos no gelo, viraram poeira e dor.
— Já foi difícil achar o Jack e a Lucy, Tony. Gente que não some com o caixa ou quebra o aluno por besteira.
Olhei em volta do bar, os rostos conhecidos. Eu cresci entre eles, meu pai antes de mim era o presidente.
— E o movimento tá bom. Tá se sustentando.
Vince deu um tapinha nas bolas realinhadas.
— Sustenta? Aquele antro? Só os malucos e as donas de casa entediadas.
Meu olhar prendeu o dele.
— Tem a Helen treinando depois do expediente. Tem a turma do bairro novo às 19h. Tem o velho Henderson que vem todo dia pra não morrer sozinho em casa.
Puxei o ar, sentindo o gosto do Kansas no fundo da garganta, a poeira, suor e uma ponta de esperança teimosa.
— Não tô fechando. Nem que eu tenha que virar a noite enxugando equipamento e segurando peso pra véio desequilibrado.
Tony apagou o cigarro na lateral no cinzeiro no canto da mesa.
— Você quem sabe, irmão. Sabe que se precisar tô aqui. Só não chora.
Helen e Sophie. A academia. O bar. O Motoclube. As cicatrizes. Tudo se amontoava, pesado como ferro.
Peguei o copo vazio de whisky, rodando o fundo amargo no balcão. O brilho rosa de uma lantejoula presa no couro do colete me fisgou o olho.
— Chorar?
soltei um risco seco, vazio.
— Nem se a minha vida dependesse disso, Tony. Nem se dependesse.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 73
Comments
Vanusa Crispim Da Silva
tô começando agora às 21:51;19/07/25
2025-07-20
1