Isadora sempre soube que o silêncio podia falar muito mais do que palavras. Mas o silêncio de Caio Montenegro era um universo à parte. Não era vazio — era carregado de passado, de ausências, de coisas não ditas que se arrastavam entre eles como fios invisíveis.
Nos dias que se seguiram à noite do piano, ela começou a observá-lo com outros olhos. Ele mantinha a postura fria e a fala contida, mas havia pequenos gestos que denunciavam um homem diferente daquele que ela conhecera nas reuniões formais.
Ele evitava tocar nela, mas sempre deixava o caminho livre quando ela passava. Mandava servir seus pratos preferidos, mesmo sem perguntar. Certa manhã, ela encontrou um livro raro que havia mencionado por acaso deixado em sua escrivaninha, com um bilhete escrito à mão: “Imaginei que gostaria.”
Ela quis fingir indiferença. Quis manter a pose de mulher controlada e distante. Mas cada detalhe, cada gesto discreto, começava a derrubar, tijolo por tijolo, os muros que ela própria havia construído.
Determinada a entender quem era, de fato, o homem com quem se casaria, Isadora começou a investigar. Nada muito direto — apenas conversas com os funcionários, visitas à biblioteca, e perguntas sutis aqui e ali.
Descobriu, por exemplo, que a mãe de Caio havia morrido quando ele ainda era adolescente. E que o pai, Marcelo Montenegro, era um homem severo, conhecido por tratar o filho como herdeiro antes mesmo de tratá-lo como pessoa. Caio crescera sob pressão, aprendendo cedo a esconder emoções para sobreviver ao mundo dos negócios.
Em um dos corredores menos movimentados da mansão, Isadora encontrou um quadro coberto por um lençol empoeirado. Curiosa, retirou o tecido. Era o retrato de uma mulher de olhar doce — tão diferente da frieza da casa que parecia deslocada naquela parede. A assinatura no canto revelava: Helena Montenegro.
Naquela noite, durante o jantar, ela mencionou o nome.
— Sua mãe… ela parecia gentil — comentou, sem encarar diretamente. — Vi o retrato hoje.
Caio pousou os talheres com calma, mas havia uma tensão em seus ombros.
— Não costumo falar dela — respondeu, a voz baixa, mas firme.
— Então talvez esteja na hora de começar — ela disse, encarando-o de volta. — Se vamos dividir uma vida, Caio, talvez devêssemos ao menos dividir um pouco do que está enterrado aqui dentro.
Ele se levantou, sem pressa. Caminhou até a janela, ficando de costas para ela por um instante.
— Minha mãe era tudo o que meu pai não sabia lidar — confessou, enfim. — Doce demais. Livre demais. Morreu tentando proteger algo que não podia ser salvo.
— Você?
Ele virou-se lentamente, os olhos escuros encarando os dela.
— Eu. Ela me protegia daquilo que me tornei depois que ela se foi.
Isadora sentiu o chão levemente ceder. Pela primeira vez, viu Caio não como o homem frio do contrato, mas como o menino que ficou órfão de amor muito cedo.
E naquele instante, não por piedade, mas por reconhecimento, ela se viu desejando estar perto dele. Não por obrigação, mas por escolha.
As rachaduras estavam lá, e cresciam em ambos. E embora nenhum deles dissesse em voz alta, ambos sabiam: algo estava começando. Algo perigoso. Irreversível.
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Atualizado até capítulo 35
Comments
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Recomendo esse livro a todos os amantes da leitura.
2025-06-23
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