O portão de ferro rangeu ao se abrir, revelando uma mansão imensa, cinzenta e fria, cercada por jardins perfeitos demais para parecerem vivos. O carro preto avançou devagar pela alameda, e Isadora observava pela janela como se estivesse prestes a entrar em um filme antigo — ou em uma prisão de luxo.
O motorista abriu a porta. Ela desceu com elegância, embora as mãos estivessem frias. Seus sapatos afundaram levemente na grama molhada pela chuva. Respirou fundo. Duas malas, um contrato assinado e nenhuma escolha. Aquela seria sua casa a partir de agora.
A governanta, uma mulher de meia-idade com feições suaves, a recebeu com um leve sorriso.
— Seja bem-vinda, senhora Isadora. O senhor Caio está fora, mas deixou instruções para que a senhora se sinta... confortável.
A palavra pareceu mal escolhida. “Conforto” não combinava com aquele lugar silencioso demais, onde cada passo ecoava como se estivesse sendo observado.
— Onde fica o meu quarto? — perguntou.
— No segundo andar. Ao lado do quarto do senhor Caio. Ele achou que seria melhor assim, ao menos por enquanto.
Isadora ergueu uma sobrancelha.
— Distância diplomática?
A governanta não respondeu. Apenas fez um leve gesto com a cabeça e a conduziu escada acima. O quarto era espaçoso, com janelas grandes e cortinas pesadas. Tudo em tons neutros, frios. Luxuoso, mas sem vida. Como se ninguém realmente vivesse ali.
Nos dias seguintes, Caio apareceu pouco. Passava horas trancado em seu escritório ou fora da mansão. Mas sua presença pairava como uma sombra. Os funcionários pareciam andar em silêncio para não incomodá-lo. E Isadora, acostumada a ser o centro das atenções em qualquer sala, se viu invisível dentro daquele lugar.
Ela começou a explorar os cômodos com a curiosidade de quem busca entender o inimigo. Descobriu uma biblioteca escondida atrás de uma parede falsa — cheia de livros antigos e anotações pessoais. Em uma delas, uma partitura rabiscada à mão chamou sua atenção. Havia mais em Caio do que ele mostrava.
Na noite de sábado, acordou com um som distante. Um piano. Descendo devagar, descalça e em silêncio, seguiu o som até a sala principal, onde a luz fraca da lareira iluminava um Caio Montenegro que ela jamais tinha visto: sem terno, de camisa aberta, tocando uma melodia melancólica que parecia carregar anos de solidão.
Ela encostou-se à parede, observando em silêncio. Quando ele notou sua presença, não parou. Apenas disse, sem olhar para ela:
— Eu toco quando não consigo dormir.
— Você tem insônia frequente?
Ele hesitou antes de responder:
— Tenho fantasmas antigos demais para dormir em paz.
Foi a primeira confissão. A primeira rachadura no muro entre eles.
Ela se aproximou lentamente, como se temesse espantar aquele momento raro.
— A música diz o que você não consegue?
Ele olhou para ela, enfim. E naquele olhar havia algo que a desestabilizou: dor contida, cansaço... e curiosidade.
— Sim. E você, Isadora? O que você não consegue dizer?
Ela sorriu, mas era um sorriso triste.
— Que talvez... eu esteja mais assustada do que gostaria de admitir.
Por um instante, o silêncio entre eles deixou de ser incômodo. Era cúmplice. Intenso. Cheio de possibilidades.
E ali, no coração daquela casa silenciosa, o primeiro fio invisível entre os dois começou a se formar.
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Atualizado até capítulo 35
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