Ofegante, a dor lancinante em seu corpo superando até mesmo a fúria e o horror, Lira desabou. Recostou-se no tronco frio de uma árvore centenária, sua respiração pesada rasgando o silêncio da floresta. O fogo da cruz de prata ainda queimava em suas veias, e cada fibra de seu ser clamava por algo. Sangue.
Era o que seu corpo pedia, com uma urgência brutal que suplantava toda a dor. Precisava de sangue para aliviar aquela sede insuportável, para curar as feridas invisíveis que a luz sagrada deixara e para recuperar as forças que a haviam abandonado. Ali, no meio da escuridão e da agonia, Lira começou a ter uma compreensão mais nítida do que havia se tornado. A criatura que ela caçara, o vampiro que a transformara... agora ela era um deles. O pensamento era repulsivo, mas a necessidade, a fome, era inegável e poderosa. Ela questionou essa sede, lutou contra ela por um breve momento, mas o instinto de sobrevivência, cruel e implacável, sussurrou a verdade: ela precisava daquilo para viver.
Exausta, com as pálpebras pesadas como chumbo e o corpo completamente sem energia, Lira fechou os olhos. A floresta escura a engoliu, e ela adormeceu, não um sono de paz, mas a inconsciência de um corpo que havia atingido seus limites mais extremos.
Lira abriu os olhos, o sono forçado dissipado por um cheiro doce que invadiu suas narinas. Não era o perfume familiar de flores silvestres ou da terra molhada; era algo mais primitivo, mais irresistível. Seu estômago roncou, um som alto e voraz que a despertou completamente, revelando a intensidade da fome que a consumia. Seus olhos verdes, agora com uma acuidade sobrenatural, direcionaram-se para a origem do aroma.
Era um jovem cervo, com os olhos grandes e inocentes, que parecia ter se perdido de sua mãe. Ele estava ali parado, observando Lira de longe, um vislumbre de vida e calor em meio à devastação. No entanto, Lira já não era a mesma garota. Sua sede era uma tortura, e ela estava no seu limite, levada à beira da loucura pela necessidade primordial.
Sem hesitação, sem um pensamento sequer sobre a vida inocente que tinha à sua frente, Lira se levantou. O movimento foi rápido, sobrenatural, um borrão em meio às sombras. Ela avançou na direção do cervo, que mal teve tempo de registrar o perigo antes que fosse tarde demais. Não houve chance de fuga.
Lira se lançou sobre o animal. Sua boca, não apenas com as presas pontiagudas à mostra, mas com todos os seus dentes afiados como os de um predador carnívoro, esmagou os músculos do pescoço do cervo. O golpe não só perfurou a artéria vital, mas quase rasgou a carne, um ato de selvageria que teria sido impensável para a Lira de outrora.
E então, ela bebeu. Com uma avidez eufórica, como se não houvesse amanhã, Lira sugou o sangue quente e vital. Cada gole era uma onda de alívio, um êxtase sombrio que silenciava a fome gritante e infundia força em seu corpo dilacerado. O sabor metálico e doce preencheu sua boca, e o mundo ao seu redor pareceu ganhar cores e texturas que ela nunca percebera antes. A fraqueza desapareceu, substituída por uma energia vibrante e perigosa.
Após saciar sua sede voraz, Lira olhou para o jovem cervo sem vida, o corpo quente e inerte sob suas mãos. Por um instante, um pequeno lampejo de suas poucas memórias não corrompidas brilhou em sua mente. O cheiro de grama fresca, a imagem de Kael sorrindo, a suavidade da lã da costureira Ana. O contraste com a cena atual era brutal. Ela acabara de tirar a vida de um ser inocente para saciar uma necessidade visceral. Mas, surpreendentemente, não houve culpa. Em vez disso, uma lógica fria e implacável a invadiu. Aquilo, para ela, era apenas um ato de sobrevivência, um equilíbrio sombrio da natureza que ela agora habitava.
"Me desculpe, pequeno", Lira murmurou, a voz ainda rouca, mas com uma nova e perturbadora ressonância. Ela largou o corpo sem vida do animal no chão. "Mas não posso considerar o que fiz a você um pecado."
Seus olhos verdes, mais intensos e brilhantes do que nunca, varreram a floresta em busca de um caminho a seguir, um propósito em meio à sua nova e terrível existência. O instinto a impelia.
"Kael... Você tentou me matar..." A lembrança do brilho da cruz de prata e da dor lancinante ainda a perseguia. "Isso... Isso significa que você é meu inimigo agora?" Ela questionou, a voz carregada de uma estranha mistura de tristeza e aceitação.
Lira ergueu as mãos, observando os dedos longos e finos, as unhas ligeiramente mais afiadas. Uma pontada de curiosidade, quase científica, surgiu em meio ao seu tormento. "Será que isso poderia ter uma cura?" ela se perguntou, o pensamento passando rapidamente por sua mente. E, imediatamente depois, outra pergunta se impôs, mais urgente e misteriosa: "Quem será aquele vampiro que me transformou?" Aquele ser pálido, com os olhos vermelhos e o sorriso predatório... ele era a chave para entender sua nova realidade.
Lira farejou o ar, seus sentidos aguçados captando um novo cheiro, denso e complexo: esterco, couro velho e álcool. Um viajante. Talvez uma carroça. A fome estava saciada, mas a nova realidade pesava em seus ombros. Uma pontada de curiosidade, agora desprovida de qualquer emoção calorosa, a atingiu.
"Um viajante? Talvez uma carroça...", ela murmurou para si mesma, a voz mais firme agora, mas ainda com uma estranha frieza. "Deveria eu perguntar para onde está indo e seguir viagem com ele?"
Lira lançou um olhar para trás, na direção de onde viera: o vilarejo em chamas, o corpo de Ana, o sangue do cervo e, em algum lugar, Kael, o amigo que agora a via como um monstro.
"Talvez... Não há mais nada para mim por aquele caminho", ela sussurrou, a voz carregada de uma desolação que parecia alheia a ela mesma. "Tudo o que eu tinha foi tirado de mim, inclusive... Inclusive o amor." A palavra "amor" soou estranha, quase oca, em sua boca.
Virando-se completamente, Lira começou a caminhar na direção do cheiro fétido, mas intrigante. A floresta escura parecia menos ameaçadora agora, ou talvez fosse apenas sua nova natureza que a fazia ver o perigo de forma diferente.
"Talvez... Talvez eu devesse apenas caminhar pela estrada por enquanto", disse Lira, enquanto seus passos, agora ágeis e silenciosos, a levavam para longe dos destroços de sua antiga vida e em direção ao desconhecido.
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Atualizado até capítulo 29
Comments
lina
continua continua continua continua continua continua continua continua continua continua
2025-05-27
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