O treino no pátio de armas nunca foi tão frustrante.
Chloe golpeava o manequim de madeira com tanta força que lascas voavam a cada impacto. Seu corpo respondia bem — músculos firmes, movimentos precisos, foco absoluto. Ou pelo menos, deveria ser absoluto.
Porque, em algum lugar da fortaleza, o cheiro de Anastácia começava a mudar.
Não era o cheiro comum de uma ômega. Havia algo mais. Doce, amadeirado, quase... viciante.
Chloe rosnou baixo, cravando a lâmina no peito do boneco, como se isso pudesse calar seus próprios pensamentos.
— Está desconcentrada, princesa. — comentou o mestre de armas, um beta idoso, arqueando uma sobrancelha. — A lâmina sente. A alfa sente.
Ela respirou fundo, limpando o suor da testa com as costas da mão.
— Apenas... um incômodo temporário.
Mentira.
O cheiro dela não era temporário. Estava se intensificando. E isso significava uma coisa: o cio de Anastácia estava se aproximando.
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Na torre, Anastácia apertava os próprios braços enquanto caminhava de um lado para o outro. O corpo começava a trair a mente. O calor vinha em ondas suaves, ainda suportáveis, mas constantes. Não era sua primeira vez sentindo os sinais, mas nunca antes tão longe das ervas, poções e proteções do palácio de Lysaria.
Aqui, em Vallaris, os ômegas não tinham escolha. Quando o cio chegava, eles eram recolhidos em câmaras seladas — ou, se já marcados, ficavam confinados com seus alfas.
Mas Anastácia não tinha alfa.
E se recusava a aceitar que Chloe fosse uma por imposição.
Bateu na porta, chamando a criada.
— Preciso das ervas de bloqueio. — pediu, tentando manter a voz firme.
A garota hesitou, abaixando o olhar.
— Alteza... as ervas não estão... autorizadas. A rainha ordenou que não fossem... fornecidas até depois do... — engoliu em seco —... casamento.
Anastácia apertou os punhos até os dedos doerem.
— Claro. — disse, com um sorriso frio. — Eles não querem uma princesa. Querem um útero real.
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O cheiro chegou até Chloe antes que a própria Anastácia.
Ela estava na biblioteca, fingindo ler relatórios militares, quando a porta se abriu. O aroma doce e quente atravessou o espaço como uma mão invisível puxando seu instinto.
Anastácia entrou, a postura altiva, os olhos brilhando mais do que deveriam. Seus lábios estavam mais avermelhados, as pupilas dilatadas. Mas ela fingia. Deusas, como ela fingia bem.
— Precisamos conversar. — disse, marchando até ela como se não estivesse lutando contra o próprio corpo.
— Não aqui. — respondeu Chloe, cerrando os dentes. — O cheiro...
— Então controle-se, alfa. — disparou Anastácia, cruzando os braços. — Ou vai provar para todos que é exatamente aquilo que eu esperava.
Chloe se levantou, e, por um segundo, a diferença de altura e postura entre elas ficou evidente. Anastácia era menor, sim. Mais delicada. Mas não havia nada submisso naquele olhar.
— Você não faz ideia... — rosnou Chloe, caminhando até ela —... do quanto está brincando com fogo.
— Talvez seja isso mesmo que eu queira, princesa de pedra. — rebateu Anastácia, sem recuar.
O ar entre elas parecia vibrar. As fragrâncias se misturavam, gerando algo novo, algo perigoso. Chloe apertou os olhos, respirando fundo, lutando contra o próprio corpo, contra o nó apertando sua garganta, contra o desejo que ameaçava romper o controle que ela treinou desde menina.
— Saia. — disse, a voz mais grave que pretendia. — Agora.
Anastácia piscou, respirando com dificuldade, como se, por um segundo, o próprio corpo estivesse prestes a traí-la. Mas ela se virou, segurando-se, e deixou a sala com passos rápidos.
Quando a porta se fechou, Chloe soltou um grunhido, socando a parede de pedra, deixando rachaduras no lugar.
“Isso não pode estar acontecendo...”, pensou, ofegante, pressionando as mãos contra o rosto.
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Mas já estava acontecendo.
O cio de Anastácia era iminente. E Chloe, por mais que negasse, não era imune.
Pela primeira vez, a guerreira implacável de Vallaris percebeu que poderia perder uma batalha que nem sabia como lutar:
A batalha contra si mesma.
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Atualizado até capítulo 34
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