O relógio marcava 14h57 quando cheguei ao café perto do teatro. Era um lugar pequeno, discreto, com mesas de madeira escura e uma vitrola antiga tocando um jazz suave ao fundo. Escolhi uma mesa perto da janela, mas com pouca visibilidade da rua — como se isso pudesse me proteger de olhares curiosos.
Heitor chegou exatamente às 15h. Vestia uma camisa branca com as mangas dobradas e uma expressão serena demais para alguém no meio de uma tempestade midiática. Sentou-se diante de mim com a confiança de quem já sabia o que eu ia perguntar.
"Eu estava esperando por essa mensagem." — ele disse, antes mesmo que eu abrisse a boca.
"Que ótimo. Porque eu tenho perguntas." — respondi, mantendo o olhar firme: "Isso tudo era parte do seu plano, não é? A mídia. As fotos da carona de Tomás.
Heitor se recostou, entrelaçando os dedos sobre a mesa.
"Parte sim. Mas nada disso teria funcionado se vocês dois não tivessem química. Ou... se ele não estivesse começando a se interessar de verdade."
"Você acha que isso me conforta?" — perguntei, cruzando os braços: "Estão me usando como uma peça nesse tabuleiro. Como se minha vida fosse um roteiro escrito por alguém que não se importa comigo."
Heitor suspirou: "Eu não sou o vilão aqui, Ariane. Você aceitou o contrato. Entrou nesse jogo por um motivo."
"Eu entrei para conseguir uma chance no palco e para ajudar a minha família. Não para virar manchete ao lado do Tomás Guedes."
"E está conseguindo mais do que isso. Visibilidade, atenção, destaque. Seja sincera... você realmente quer voltar a ser invisível?"
Engoli em seco. Parte de mim queria gritar que sim. Que eu odiava aquilo. Mas a outra parte... a que sempre sonhou em ser vista, ouvida, aplaudida... hesitou.
"O que você realmente quer, Ariane?" — Heitor perguntou, olhando diretamente nos meus olhos: "Porque agora... talvez você tenha que escolher."
Fiquei em silêncio. O som da colher batendo contra uma xícara na mesa ao lado parecia mais alto do que deveria. Respirei fundo, tentando organizar os pensamentos. O que eu queria? Conseguir um papel? Sim. Ser famosa? Talvez. Mas ser parte de um plano armado para enganar o público…?
"Eu não quero machucar ninguém, Heitor. Principalmente o Tomás." — confessei, surpreendendo até a mim mesma.
"E por que isso te preocupa?" — ele arqueou uma sobrancelha: "Está com medo de se apaixonar?"
Meus olhos se estreitaram: "Eu estou com medo de me perder."
Heitor soltou um sorriso discreto: " Isso acontece com todos os grandes personagens, Ariane. No começo, eles se perdem. Mas depois… encontram um papel que transforma tudo."
"Você está me pedindo para continuar fingindo para o seu irmão."
"Estou te pedindo para atuar." — corrigiu: " Como você sempre quis. O palco agora é maior, só isso. E se fizer isso direito… pode ter mais do que apenas um papel no teatro. Pode conquistar o país inteiro."
Aquela última frase ficou ecoando na minha mente. Conquistar o país inteiro. Era tentador. Sedutor. Assustador.
Peguei minha bolsa, me levantei e olhei para ele por cima do ombro.
"Se esse é um roteiro, Heitor, saiba que eu ainda posso mudar o final."
Ele me encarou com um sorriso misterioso, como se já esperasse por aquela resposta.
"Então escreva bem. Porque o público está assistindo."
Saí do café com o coração acelerado, mas com algo novo surgindo dentro de mim: o desejo de tomar as rédeas da minha própria história. Mesmo que ela tivesse começado como uma mentira, talvez eu pudesse transformá-la em verdade.
E, pela primeira vez, eu não sabia se temia isso… ou se desejava ainda mais.
A tarde passou voando. Poliana e Clarissa praticamente me arrastaram para o shopping como se estivéssemos indo a um evento de gala. E, de certa forma, talvez estivéssemos mesmo.
"Esse vestido tá PERFEITO." — disse Clarissa, segurando um modelo vermelho colado ao corpo, com decote nas costas.
"Clarissa, eu vou a um encontro, não gravar um videoclipe sensual." — retruquei, rindo nervosamente.
Poliana apareceu com outra opção: "E esse azul? Delicado, romântico… tipo 'sou misteriosa, mas tenho um coração puro'."
"Ou tipo 'sou uma garota comum que caiu numa armadilha de marketing', mas tudo bem." — murmurei, pegando o vestido das mãos dela.
No provador, encarei meu reflexo por um tempo antes de vestir a peça. O azul realçava meus olhos, os recortes sutis valorizavam minha silhueta sem exageros. Era feminino, mas ainda era eu.
Saí da cabine e as duas me encararam como se estivessem vendo uma atriz no tapete vermelho.
"Ariane…" — Poliana colocou a mão no peito: "Se eu fosse o Tomás, me apaixonava na hora."
"E eu tirava print mental desse momento pra guardar pra sempre."— completou Clarissa.
Revirei os olhos, mas não consegui segurar o sorriso. Por mais caótica que fosse a situação, ter elas ao meu lado fazia tudo parecer um pouco mais suportável.
Enquanto saíamos da loja com as sacolas em mãos, felizes com a escolha do vestido, dei de cara com uma figura que eu esperava evitar por mais tempo: Rebecca.
Ela usava óculos escuros enormes, uma bolsa de grife pendurada no ombro e um olhar que dispensava qualquer filtro de simpatia. Ao notar minha presença, tirou os óculos lentamente, arqueando uma sobrancelha.
"Ariane Fernandez…" — ela disse, com a voz cheia de veneno açucarado: "Que surpresa te ver por aqui. Aposto que está adorando os holofotes, não é?"
Senti meu estômago revirar. Poliana e Clarissa pararam ao meu lado, tensas.
"Estou apenas fazendo compras com minhas amigas, Rebecca." — respondi, tentando manter a voz firme.
"Claro, claro… "— ela deu uma risadinha: "Só espero que esteja se vestindo à altura do seu novo papel. Sabe como é, os holofotes podem ser traiçoeiros. Num segundo você é a queridinha… e no outro, um escândalo ambulante."
"Acho que ela está indo muito bem." — Clarissa rebateu, atravessando os braços: "É melhor do que muita atriz por aí."
Rebecca ignorou o comentário e me analisou dos pés à cabeça, depois sorriu com desprezo.
"Tomás tem um gosto curioso, não é? Mas não se preocupe. O mundo do entretenimento está sempre faminto por uma nova historinha. Boa sorte, querida. Vai precisar."
Ela virou as costas e saiu como se estivesse desfilando numa passarela. Poliana bufou.
" Argh! Quem ela pensa que é? A vilã da novela das nove?"
"Não liga para ela." — disse Clarissa, me encarando. "Ela tá com ciúmes, é óbvio. Deve péssimo para o ego dela, perder para você. "
Tentei rir, mas a insegurança já tinha feito morada no meu peito. Rebecca era venenosa, mas às vezes a verdade vinha embutida nas palavras mais cruéis.
E se tudo isso fosse apenas temporário? E se eu estivesse sendo apenas… uma peça?
Afastei o pensamento e segui com elas de volta pra casa. Eu precisava focar. Me preparar para o encontro. Porque, mesmo com tudo que Rebecca dissera, algo dentro de mim queria muito saber onde aquilo poderia dar.
Quando voltei para casa, tomei um banho demorado, tentando relaxar. Cada movimento parecia carregado de significado. A escova no cabelo, o toque suave do perfume, o batom escolhido com cuidado. Era só um encontro. Mas não com qualquer pessoa. E, no fundo, algo me dizia que aquilo era só o começo.
Estava terminando de prender um dos brincos quando ouvi uma notificação no celular.
^^^Tomás: Estou te esperando lá fora.^^^
Arregalei os olhos, me encarando no espelho uma última vez. Era agora.
Peguei minha bolsa, respirei fundo e desci as escadas. Assim que abri a porta, dei de cara com ele, escorado no carro com as mãos no bolso, usando uma camisa preta dobrada nos cotovelos e um sorriso que fazia meu estômago se revirar.
" Uau…" — foi tudo o que ele disse ao me ver.
E, por um instante, me perguntei se eu estava prestes a viver uma mentira…
Ou talvez, sem querer, o início de algo real.
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Atualizado até capítulo 23
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