Ayla passava os dias entre treinar magia e esgrima. As raras vezes em que saía para brincar com outras crianças eram por insistência de sua mãe, algo que ela detestava. Apesar disso, Ayla já havia se acostumado à rotina disciplinada e à solidão que a acompanhava. Sua mãe sempre parecia vigilante, como se temesse algo que Ayla nunca compreendia completamente, e seu pai mantinha o equilíbrio entre o rigor de sua esposa e a curiosidade latente da filha.
Tudo mudou numa tarde tranquila, quando um mensageiro chegou à porta da casa. Ele trazia uma carta lacrada com um selo diferente de tudo que Ayla já havia visto. Era um símbolo estranho: um círculo entrelaçado com linhas que lembravam galhos ou raízes. Ayla percebeu a expressão de sua mãe mudar assim que ela segurou o envelope. Foi a primeira vez que Ayla a viu realmente preocupada.
— O que é isso, Lunal? — perguntou seu pai, notando a tensão no rosto da esposa.
Luna hesitou antes de responder:
— É do... meu clã.
Ayla, que estava observando tudo da escada, sentiu uma pontada de curiosidade. Clã? Sua mãe nunca havia mencionado nada sobre um clã. O que aquilo significava?
Sem dizer mais nada, sua mãe subiu as escadas com a carta em mãos, e seu pai a seguiu logo depois, fechando a porta do quarto atrás de si. Ayla não perdeu tempo e se aproximou silenciosamente. Encostando o ouvido na porta, conseguiu ouvir partes da conversa:
— Eles nunca me procuraram em todos esses anos. Por que agora? — dizia sua mãe, com a voz embargada.
— O que está escrito? — perguntou seu pai, tentando manter a calma.
— É uma convocação. Querem que eu volte. Parece... sério. Algo sobre uma ameaça ao clã. Não dizem muito, mas mencionam que minha presença é essencial.
Houve um silêncio tenso antes que Myra continuasse:
— Deixei o clã para viver com você. Fui renegada por isso, e agora querem que eu volte como se nada tivesse acontecido?
Ayla sentiu o peso nas palavras de sua mãe. Era um sentimento que ela mesma conhecia bem, algo que havia experimentado inúmeras vezes em sua vida passada: ser rejeitada, excluída, tratada como alguém que não pertencia. Mas, ao contrário de antes, agora Ayla sabia como lidar com esse tipo de situação.
Mais tarde, durante o jantar, Myra finalmente falou sobre o assunto:
— Recebi uma convocação do clã... Vou precisar viajar.
— Sozinha? — questionou Ayla, sem esconder o tom de indignação.
— Sim. Não é algo que vocês precisem se envolver. O clã é... complicado.
Ayla percebeu o olhar furtivo de seu pai, preocupado, mas claramente sem intenção de discutir. Ela, porém, não estava disposta a aceitar aquilo. Algo sobre a situação parecia errado, e ela precisava saber mais.
Naquela noite, Ayla voltou à biblioteca da casa. Sobre a mesa estava o mapa que sua mãe sempre usava. Nele havia marcas de vários lugares, mas uma região chamou sua atenção: Montanhas Sombrias. Próximo ao local, o mesmo símbolo que estava no selo da carta havia sido desenhado com cuidado.
— É para lá que ela vai... — murmurou Ayla.
Determinada a descobrir a verdade sobre o clã de sua mãe e a ajudá-la, Ayla decidiu seguir sua mãe. Começou a preparar uma mochila com seus livros de feitiços, sua espada de treino e algumas frutas secas escondidas da despensa. Na manhã seguinte, esperou até sua mãe sair antes de colocar seu plano em prática.
Enquanto Ayla finalizava seus preparativos, foi surpreendida por Kieran, o aprendiz de ferreiro e seu único amigo. Ele notou a mochila e o brilho de determinação nos olhos de Ayla.
— Deixa eu adivinhar... Você vai atrás dela, não vai? — disse ele, cruzando os braços.
— E o que você tem a ver com isso, Kieran? — respondeu Ayla, tentando disfarçar.
— Tudo. Se você acha que vou deixar você se meter em confusão sozinha, está muito enganada. Além disso, alguém precisa garantir que você não cause um desastre.
Kieran era teimoso e tinha um talento especial para se meter onde não era chamado, mas Ayla sabia que ele seria útil. Com relutância, permitiu que ele a acompanhasse.
E assim, antes do sol nascer, Ayla e Kieran começaram a trilhar o caminho para as Montanhas Sombrias. Ayla sabia que aquela jornada seria perigosa, mas também tinha certeza de que era a única maneira de entender o passado de sua mãe e enfrentar o clã que a havia renegado.
Foi preciso apenas duas horas de caminhada até que Luna, a mãe de Ayla, percebesse a presença deles.
Ela parou de repente, os olhos fixos na floresta densa ao redor. Ayla e Kieran, que estavam escondidos atrás de árvores, congelaram.
— Ayla. Kieran. Apareçam. Agora.
Havia algo no tom de voz de Luna que não permitia desobediência. Relutantes, os dois saíram de seus esconderijos, trocando olhares culpados.
— O que vocês acham que estão fazendo? — Luna cruzou os braços, a expressão dura.
— Estamos indo com você, mãe, quer você goste ou não. — Ayla manteve o tom firme, embora seu coração estivesse disparado.
— É perigoso. Voltem agora.
— Estamos muito longe de casa para voltar sozinhos, dona Luna. Que tal aceitar a ajuda? — disse Kieran, com um sorriso atrevido.
Luna respirou fundo, claramente lutando contra a irritação. Sabia que não havia tempo para levar os dois de volta com segurança, então, contra seu melhor julgamento, cedeu:
— Muito bem. Mas fiquem fora do meu caminho.
No caminho pelas trilhas sinuosas, Luna começou a falar, talvez tentando afastar o silêncio tenso. Sua voz era carregada de nostalgia e amargura ao mesmo tempo.
— Meu clã é um dos mais antigos que existem. Suas raízes estão na fundação de nossa terra, e por milênios fomos conhecidos tanto por nossa esgrima quanto por nossa magia.
Ela lançou um olhar para Ayla.
— Você herdou isso de mim, sabia? Mas não pense que eles vão se impressionar. Eles valorizam a perfeição, o controle absoluto. É o que nos tornou famosos... e o que me fez ir embora.
Kieran, curioso, perguntou:
— Por que você saiu?
Luna hesitou, mas continuou:
— Eu era a sucessora escolhida. Minha habilidade tanto com a espada quanto com magia era incomparável. Mas o clã exige total devoção, e eu... escolhi outra vida. Escolhi seu pai, Ayla. E por isso fui renegada pelo patriarca. Para eles, abandonar o clã foi uma traição.
Houve um silêncio pesado. Ayla sentiu uma mistura de admiração e indignação. Admirava a força de sua mãe em abandonar um caminho que não desejava, mas também sentia raiva daquele clã que ousava desprezá-la.
— Por que eles te querem de volta agora? — Ayla perguntou, sua voz carregada de desconfiança.
Luna parou de andar e olhou para a filha com seriedade.
— Porque algo está ameaçando o clã. Algo grande o suficiente para que eles procurem até mesmo alguém que renegaram.
O grupo continuou a caminhada, o peso da história de Luna pairando no ar. Quanto mais se aproximavam das Montanhas Sombrias, mais Ayla sentia que aquela viagem seria um divisor de águas em sua vida — e que as respostas que tanto procurava talvez não fossem fáceis de aceitar.
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Atualizado até capítulo 71
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