Sequestrada Pelo Capo

Sequestrada Pelo Capo

Capítulo 01

... LORENZO/ BIANCHI ...

... ISADORA/ MARTINS ...

^^^I S A D O R A ^^^

Meu nome é Isadora Martins e, se alguém me parasse na rua para perguntar quem eu sou, eu responderia que sou uma mulher comum tentando arrumar a vida com o que tenho nas mãos. Tenho vinte e quatro anos e moro em Belo Horizonte, num apartamento pequeno no centro, com vista para prédios antigos e um pedacinho de céu que muda de cor no fim da tarde. Eu mesma escolhi cada item que mora comigo: o sofá de linho claro com manta trançada, o tapete geométrico que encontrei numa feirinha de arte, as prateleiras de madeira com meus romances favoritos e o vaso de margaridas na varanda, que teima em ficar bonito mesmo quando esqueço de regar.

Me formei em design de interiores e trabalho numa empresa que projeta apartamentos e lojas. Não é o estúdio dos sonhos com meu nome na porta, mas é o lugar onde aprendo, pago as contas e ainda coloco minhas ideias no papel. Gosto de entrar em espaços vazios e imaginar histórias para eles: uma cafeteria que acolhe o cansaço de quem chega, um quarto que vira abrigo depois de um dia pesado, uma sala onde amigos riem alto com pizza fria e copos de refrigerante. Talvez eu abra meu próprio estúdio no futuro. Por enquanto, prefiro o passo curto e firme.

Minha rotina é previsível do jeito que me acalma: acordo cedo, preparo café forte, corto frutas, passo manteiga no pão e fico uns minutos encostada na janela, olhando a cidade abrir os olhos. Depois me arrumo, prendo o cabelo e pego o ônibus com a pasta de projetos. Sempre achei que essa cadência me bastasse — e, por muito tempo, bastou. Até o Henrique cruzar o meu caminho.

Eu o conheci num evento de arquitetura, desses com música ambiente, taças de espumante e gente usando preto elegante. Eu estava meio perdida no salão, tentando achar minha chefe, quando ele apareceu perguntando se eu precisava de ajuda. Terno impecável, cabelo castanho bem penteado, relógio caro que brilhava de vez em quando sob a luz. Ele se apresentou como advogado especializado em contratos empresariais, e a conversa fluiu como se a gente já se conhecesse. Dois meses depois, começamos a namorar; um ano e meio depois, estamos noivos.

Henrique é gentil na maior parte do tempo, generoso com presentes e com conselhos. Também é ambicioso e raramente perde. Com o tempo, descobri que, às vezes, a ambição dele anda de mãos dadas com um jeito controlador, tão discreto que quase passa despercebido. Quase.

Naquela manhã, eu tomava meu café quando o celular vibrou. A tela mostrou a mensagem dele:

— Cheguei. Vou passar na empresa e, mais tarde, estou em casa, com saudade.

Um sorriso escapou antes de eu perceber. Ele tinha voltado de uma viagem a trabalho; quando fecha contratos, volta com esse brilho, uma mistura de alívio e empolgação. Digitei um “que bom, me avisa quando estiver chegando” e, antes de enviar, o celular tocou. Mariah. Só de ver o nome dela, meus ombros relaxaram.

— Oi, Isa! — ela riu, alto e livre. — Hoje à noite vou aí, não inventa desculpa, eu tô precisando te apertar — Ela estava bem-humorada.

— E se eu disser que tenho coisas pra fazer? — retruquei, tentando fazer voz séria.

— Eu ignoro — ela cantou. — Comigo não tem escapatória — disse provocativa.

— Tá bom, mas nada de surpresas estranhas — avisei, lembrando das últimas “ideias” dela.

— Sem promessas — ela deu risada, daquele jeito que faz a gente rir junto.

Desliguei com um calor bom no peito. Mariah é minha melhor amiga, minha família escolhida. A gente se encontrou na faculdade e nunca mais soltou a mão. Ela é o que falta em mim: espontânea, exagerada, intensa, faz amizade na fila da padaria e dança no meio da sala quando a música empolga. Já eu gosto de lista, calendário, planilha e previsibilidade. A gente se equilibra.

No trabalho, mergulhei num projeto de cafeteria. O dono queria um lugar claro, com plantas penduradas e cadeiras confortáveis que convidassem o cliente a ficar. Passei a manhã ajustando a planta baixa, testando prateleiras para exibir bolos e uma vitrine que abraçasse os olhos. Em paralelo, fiquei trocando mensagens com a noiva que habita em mim: o orçamento do buffet, a reserva do salão, o vestido que ainda não escolhi. Henrique sempre oferece ajuda, mas no fim prefere aprovar as coisas já encaminhadas. Diz que confia no meu gosto — e eu acredito, embora às vezes pareça que ele confia mais quando minha escolha coincide com a dele.

No horário do almoço, peguei uma marmita no restaurante da esquina e sentei com a Lígia, colega de equipe que vai casar antes de mim. Ela fala de listas gigantes e dos parentes que prometem enfeitar a cerimônia e some com a fita de cetim. Eu rio, mas entendo.

A tarde voou entre renderizações e e-mails. Quando saí, o céu estava carregado, e a brisa cheirava a chuva longe. Caminhei até o ponto com meus fones de ouvido e uma playlist que Mariah me mandou semanas atrás, jurando que cura mau humor. Funciona.

Cheguei em casa exausta, mas feliz com o dia produtivo. Coloquei uma música baixa, arrumei a sala, acendi uma vela aromática de baunilha e jasmim. Tinha alguma coisa simples e bonita na ideia de preparar a casa para quem a gente ama.

A campainha tocou perto das sete e meia. Abri a porta e o Henrique entrou, elegante como sempre, camisa branca com o primeiro botão aberto, o mesmo perfume que eu reconheceria até de olhos fechados.

— Você está linda — ele percorreu meu corpo com o olhar, sem pressa.

— Nem tirei a roupa do trabalho — respondi, dando uma giradinha sem graça.

— Mesmo assim — sorriu de canto, guardando a chave no bolso.

Ele se sentou no sofá, abriu o jornal como quem abre um escudo e fez um comentário sobre a matéria da página dois. Eu sentei ao lado, as pernas cruzadas, o corpo tentando adivinhar o humor dele.

— Você estava animado na mensagem — apoiei o cotovelo no encosto. — Alguma novidade boa?

— Fechei um contrato grande — ele inclinou a cabeça, orgulhoso. — É um passo importante pro escritório.

— Parabéns — toquei o antebraço dele, leve.

— A gente podia comemorar com vinho — levantou-se já indo à adega.

— Só uma taça — ri, lembrando que Mariah viria.

Ele voltou com a garrafa, abriu, serviu. Brindamos.

— Ao nosso futuro — ergueu a taça, encarando meus olhos.

— Ao nosso futuro — encostei minha taça na dele.

Falamos de trabalho, da viagem, de um restaurante novo que abriu no bairro vizinho. Eu contei do projeto da cafeteria, ele comentou sobre uma reunião com um cliente difícil. Quando a conversa estancou, ele olhou o relógio e avisou que precisava revisar uns documentos no escritório do corredor. Concordei com a cabeça. Já conheço esse roteiro.

— Te chamo quando terminar — ajeitou a manga.

— Ok — me afundei no sofá com minha taça.

Assim que ele fechou a porta do escritório, o celular vibrou. Mensagem da Mariah: “Chego às oito. Prepara queijo, uva e fofoca.” Ri alto. Fui até a cozinha e cortei queijo, lavei uvas, arrumei tudo numa tábua com biscoitinhos salgados. Peguei também um pote de azeitonas que ela ama e uma garrafa de água saborizada, porque ela finge que está saudável quando vem aqui.

Às oito em ponto, a campainha tocou de novo. Abri a porta e a Mariah entrou com um abraço que levantou meus pés do chão.

— Minha menina! — ela me apertou, exagerada como sempre.

— Você some e depois aparece assim, do nada — dei um tapinha nas costas dela.

— Se eu avisar muito, você inventa desculpa — ela ergueu a sobrancelha.

— Eu só invento quando tô cansada de verdade — cruzei os braços, fingindo bravura.

Ela largou a bolsa no sofá, mirou a tábua de frios e piscou.

— Isso, sim, é receber visita — sentou de pernas cruzadas no tapete.

— Senta aí, me conta do seu dia — entreguei um guardanapo.

— Caótico, como sempre — ela abocanhou uma uva. — Cliente pediu três mudanças no layout do site depois de aprovar.

— Ah, sim, a famosa síndrome do “só mais um detalhe” — revirei os olhos.

— Você ainda vai abrir seu estúdio e fugir desses e-mails sem fim — apontou pra mim.

— Um dia — apoiei o queixo na mão.

Ela me observou em silêncio por um instante, como quem lê linhas que eu não escrevi. Pegou minha mão, fez carinho no dorso.

— Como você tá, de verdade? — apertou de leve os dedos.

— Tô bem — respirei, sentindo a verdade atravessar meio tímida. — Só cansada.

— E o Henrique? — ela encostou no encosto do sofá.

— Voltou hoje. Fechou um contrato grande, tá feliz — mordi um biscoito.

— Ele anda implicando menos com as suas roupas? — ela estreitou os olhos, lembrando de discussões passadas.

— Não é implicância, ele tem opinião — ajeitei a barra da blusa.

— Opinião é uma coisa. Controle é outra — ela mordeu o queijo, sem tirar os olhos de mim.

— Ele só quer o melhor!

— E você, o que quer?

Fiquei olhando a varanda, o vaso de margaridas que resistia heroico ao tempo seco. Eu queria paz. Queria pertencer a um lugar e a mim mesma. Queria casar por amor e por escolha, não por medo da solidão. Queria amar sem precisar pedir desculpa por existir.

— Eu quero estar bem — respondi, por fim.

Ela assentiu e mudou de assunto, como faz quando entende que eu preciso de espaço para organizar a cabeça.

— O que decidiu do vestido?

— Tô entre dois — peguei o celular e mostrei as fotos. — Esse com renda nas mangas e esse minimalista, decote em V.

— O minimalista — ela apontou sem titubear. — Você é leve. Não precisa se esconder atrás de muita coisa.

— Vou marcar prova — sorri, achando graça de como ela sempre sabe.

— E a lua de mel? — ela se serviu de uvas, fazendo careta de quem vai puxar assunto sério.

— Ele quer Lisboa, eu queria Sul da Bahia. Praia vazia, água morna, pé na areia — suspirei.

— Eu voto com a noiva — ela ergueu a mão como se estivesse numa assembleia.

— No fim a gente decide — guardei as fotos de volta.

— Só não deixe a sua vontade desaparecer no meio das planilhas — ela falou baixo.

Antes que eu respondesse, a porta do escritório abriu e Henrique apareceu no corredor, ar sério, óculos no rosto.

— Não sabia que ia receber visita — ele apoiou a mão no batente.

— Eu avisei que vinha — Mariah cruzou as pernas.

— Tudo bem — ele ajeitou o óculos. — Aproveitem. Preciso terminar uma conferência.

— Quer que eu leve um café? — perguntei, buscando neutralidade.

— Não, obrigado — ele voltou a fechar a porta.

Mariah me olhou com aquele olhar que a gente conhece melhor que o próprio espelho.

A noite seguiu leve. Colocamos uma playlist antiga, dançamos de meia no tapete, rimos de histórias da faculdade. Ela contou do crush novo que conheceu na fila do pão e que não responde as mensagens no tempo certo. Eu reclamei do preço das flores para o casamento, ela jurou que daria um jeito com uma amiga florista. Em algum momento, encostamos as cabeças e ficamos quietas, o tipo de quietude que só existe entre pessoas que se amam sem precisar explicar nada.

Ela abriu a bolsa e tirou um keychain com a letra I em metal.

— Pra prender nas chaves do novo lar que você vai construir — colocou na minha palma.

— Você é ridícula — comecei a rir com os olhos úmidos.

— Ridícula e presente. — disse brincalhona.

Ficamos mais um pouco, até que ela anunciou que tinha que ir porque no dia seguinte acordaria cedo. Levantou, pegou a bolsa, me abraçou de novo.

— Se precisar, me chama de madrugada — ela tocou minha bochecha com os dedos.

— Pode deixar!

Levei-a até a porta. Ela entrou no elevador soprando beijo, e eu sorri sozinha no corredor, já com saudade adiantada.

Voltei pra sala, recolhi os pratos, levei a tábua pra cozinha. Lavei a louça devagar, água morna escorrendo pelas mãos, o corpo descansando em pé. A porta do escritório continuava fechada, a luz por baixo formava uma faixa no chão do corredor.

Apaguei as luzes da sala, deixei só a da varanda. Entrei no quarto, troquei a roupa por um pijama de algodão e prendi o cabelo num coque solto. Deitei na cama, fechei os olhos e dormi.

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Comments

Naira Sousa

Naira Sousa

HISTÓRIA NOVA NO LUGAR DA ANTIGA /Smile/

2025-08-18

6

Genilda Votoria

Genilda Votoria

eu tô gostando até agora tá top

2023-05-17

58

Joselma Trajano

Joselma Trajano

to iniciando , não lembro de ter lido , sou uma leitora assídua da novel, já li livros da Naira , mas não lembro desse , pela dúvida vou ler de novo 🫶

2025-07-31

1

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