Querer abraçar a própria alegria quando a única escolha é a tristeza não é fácil para aquela que sonha em viver. Hoje, no dia do meu aniversário, encontro-me deitada no chão frio do meu quarto, sentindo o anseio de não viver uma vida feliz, pois desejar ser feliz pode ser demais para mim, já que carrego a energia maligna dentro de mim para conseguir permanecer viva. Mas sinto o anseio de querer viver uma vida livre... uma vida em liberdade de tudo isso. O vento sopra forte lá fora, trazendo folhas secas do outono até mim. Abro minha mão e deixo a folha pousar sobre ela, fazendo um pedido: que, como essa folha, eu consiga um dia voar para longe e encontrar um lar sem fazer mal a ninguém. Levanto-me e vou até a janela mais próxima, soltando-a. Rapidamente, ela desaparece em meio ao breu que se encontra lá fora. Fecho a janela ao ouvir passos se aproximando, mesmo tendo certeza de que é Lúcia, a criada real do castelo que me criou desde muito tempo.
— Já acordada, minha soberana? — pergunta Lúcia, enquanto entra pela porta entreaberta que eu havia deixado.
— Lúcia, você sabe que não gosto que me chame assim. Me chame pelo meu nome!
— Desculpe-me, senhorita Cassandra.
— Assim soa melhor. — Deixo escapar um sorriso falso ao ver seus olhos grandes fixos nos meus.
— Senhorita, o Rei me ordenou que avisasse para descer daqui a 40 minutos para o café da manhã.
— Obrigada, Lúcia! — Ela se despede com uma reverência e sai, fechando a porta.
Eu me jogo na cama, com os olhos fixos no quadro que fica em cima da cabeceira, com a foto de família que tiramos há exatos oito anos, quando completei dez anos. Esse dia foi o último em que fui verdadeiramente feliz. Ao lado da minha mãe, sorrindo, sem imaginar que naquela mesma noite tirariam a vida dela. Eles. Aqueles magos corrompidos pela ganância e pelo desejo de destruição. Eles, cujas suas almas baratas que se alimentam do mal. Sinto meu corpo ferver de enfurecimento ao saber que sou a fonte de vida deles. Tento me controlar para sair do quarto e ir até a sala de jantar me deliciar do café da manhã cheio de desunião. Saio do meu quarto com o mesmo sorriso falso que coloco no meu rosto sempre, desço as escadas e, ao virar à direita, chego à sala de jantar, vendo a mesa repleta de comidas, mas sem nenhum bolo, que era de se esperar.
Faço uma reverência ao Rei e me sento à mesa, a cinco cadeiras de distância. Logo após, o Rei sinaliza para as criadas nos servirem. Escutando apenas o barulho dos talheres em meio àquele silêncio desconfortável entre pai e filha, elas terminam de nos servir e começamos a comer. O gosto da comida é o mesmo de oito anos atrás; o ar daquele castelo continua o mesmo também; aquele lugar continua a me causar ânsia. E eu não aguento mais.
— Pai, você sabe que dia é hoje? — pergunto, olhando profundamente para ele.
— Você sabe que não pode me chamar de pai. — Respondeu ele de forma fria.
— Estou cansada. Por causa dessa energia que habita em mim, não posso fazer nada além de viver presa! Antes da mamãe morrer, não vivíamos assim. — Falo enquanto me levanto da cadeira e todos os criados que estavam ali próximos olham para mim.
— Sente-se! — ordena ele.
— Eu deveria me submeter a isso? Devo te obedecer como Rei ou pai? — Falo com a voz alterada.
— Princesa Cassandra, sente-se e coma, por favor. — Cochichou o conselheiro que estava próximo a mim.
— Eu não vou! Eu ao menos posso chamar esse homem de meu pai! Por que eu deveria estar sentada nessa mesa? — Os olhares se voltam para o Rei quando ele jogou os talheres sobre a mesa, derrubando a sua taça de vinho. — Você não pode me manter presa aqui para sempre! — Sinto minha voz enfraquecer quando termino de falar e saio correndo até as escadas para o meu quarto, mas paro ao ouvir ele falar.
— Você se esqueceu de tudo rápido! Mas, graças ao nosso descuido, sua mãe morreu. Você não pode sair do castelo! — Exclamou o Rei, me encarando.
Quando meu corpo começou a ferver, subi as escadas, sentindo meu coração acelerar, pois, pela primeira vez, pude contrariá-lo. Por todos esses anos, estive apenas aceitando, acreditando que meu pai só estava me protegendo de um perigo e mal maior. Mas por que eu deveria me manter presa a essa vida? Caio de joelhos no chão, desesperada com tudo aquilo, até que sinto meus pensamentos sendo interrompidos pelo barulho das chaves fechando a porta pelo lado de fora do meu quarto. Em um único pulo, levanto-me e corro até a porta, em um desespero que toma conta de todo meu ser. Puxo a maçaneta e a porta não abre. Continuo insistindo e gritando em agonia e medo por socorro. Chamo por Lúcia, mas ela não me responde. Não consigo escutar a voz de ninguém ao meu redor. Mesmo que eu continue clamando por ajuda, ninguém virá me ajudar se foi ordem do Rei. Ando até a cama, sentindo a sensação densa e fria em meio a toda aquela incerteza. Deito-me sob a cama, pensando em como escapar daquele lugar, quando escuto um borborigmo saindo de dentro de mim. Fome. É a fome que irá me tirar daqui. Eles não podem me deixar com fome por muito tempo; afinal, eu sou a princesa desse reino. Como eu pensava, algumas horas se passaram até a hora do almoço e começaram as batidas na porta.
— Licença, princesa. Estou entrando para deixar sua comida. — Era uma voz masculina desconhecida, mas isso não importava muito. Corri para o lado esquerdo da porta antes que ele abrisse. O ranger da porta abrindo fez minha ansiedade se intensificar quando a porta se abriu e um homem alto, vestido como guarda real, entrou e colocou a bandeja sobre minha escrivaninha. Aproveitei enquanto ele ainda estava de costas e tentei sair de fininho de trás da porta. Felizmente, consegui atravessar. Quando vou correr, sinto uma mão agarrando meu braço por trás; me debato, tentando me soltar, mas ele é bem mais forte.
— O que você está fazendo? Me solte! — eu ordeno, ainda de costas para ele.
— Estou seguindo ordens. Entre de volta em seus aposentos. — Disse ele, puxando meu braço contra minha vontade até o quarto.
— Você não podia ter me deixado sair? Eu não quero mais estar aqui! — afirmei, sentindo um nó se formar na minha garganta.
— Não posso errar no primeiro dia de trabalho como guarda. Desculpe. — expressou ele, indo até a porta.
— Espere! Você não pode me dizer até quando ficarei presa aqui? — perguntei com um ar de curiosidade.
— Princesa, não posso falar nada… isso custaria minha vida. — Ele passa pela porta aberta, fechando-a novamente.
Corro até a porta, dando socos nela, sentindo minha esperança indo embora, até que sinto algo estranho em meus pés. Há um envelope vermelho no chão. Abro rapidamente e sinto minhas mãos tremerem ao ver a fita azul que minha mãe sempre usava em seu cabelo dentro dele. Essa fita contém magia, mas meu pai sempre me proibiu de me envolver com qualquer coisa que a incluísse. Sentindo meu sangue pulsar forte e a curiosidade me absolver, deixo-a cair no chão quando, em fração de segundos, uma luz incandescente sai de dentro da fita quando minhas duas mãos tocam nela. Aquecendo todo o quarto que se encontrava em gelidez, aquela luz voa até mim, mas antes que eu pudesse me desviar, ela me acerta bem em meio à testa. No mesmo instante, sinto uma energia incomum percorrendo dentro de mim; como um flashback, memórias vividas surgem em meus olhos. Memórias daquele dia horrível em que tudo se tornou trevas e solidão. Consigo ver claramente quando aqueles magos se aproximaram de mim e de minha mãe, no momento exato em que meu pai saiu. Eles se aproximam cada vez mais, com um olhar tenebroso voltado para mim. Minha mãe dá um passo à frente quando eles começam a falar:
— Nós queremos a menina!
— Ela não tem o que vocês procuram! Matem a mim e a deixem em paz! Matando a mim, vocês conseguirão energia! — expressou minha mãe, segurando firme minha mão.
— Não é a sua energia que procuramos! É a dela — disse um dos magos.
— Quando você usou feitiçaria proibida para salvá-la quando estava no seu ventre, ela ficou predestinada a tudo isso. — contou o mago da frente, vestido com uma capa obscura, enquanto se aproximava lentamente, continuando a falar. — Mesmo que agora a energia não tenha aparecido, de um jeito ou de outro, a energia maligna a encontrará. — Quando ele termina de dizer a última palavra, ele ergue suas duas mãos e esfrega uma na outra, criando uma esfera roxa que é enviada em nossa direção, atingindo em cheio minha mãe ao atravessar em minha frente. Deixo um grito sair quando a vejo cair, mas logo perco a consciência e acordo em cima da minha cama, com os olhos do novo guarda real em mim.
— Princesa, o que aconteceu? — pergunta ele, assustado.
— Não sei! Só preciso falar com o Rei! — Quando as últimas palavras saem da minha boca, sinto minha cabeça latejar e não consigo conter um grito insuportável.
— Não posso deixar, me perdoe!
— Não estou pedindo! — ao alterar minha voz, uma onda forte vibra do meu peito, jogando o guarda contra a parede, e me pergunto: *O que foi isso?* — Assustada com aquilo que acabou de acontecer, sinto algo em minha cabeça apertar. Quando elevo minhas mãos, elas encostam em algo. Sinto a fita presa em meu cabelo. Quando eu a coloquei aqui? A fita está apertando meu cabelo tão forte que minha cabeça não para de doer. No entanto, sem pensar muito no que aconteceu comigo, vou até o guarda ver se ele está bem. Fico aliviada ao vê-lo respirar. Pego as chaves presas em suas calças e vou até a porta. Quando enfim consigo abri-las, escuto estrondos vindo da beira da praia e uma voz ecoa em minha mente, dizendo: "Venha até mim ou veja a morte de todo o seu povo." Ao ecoar de cada palavra, um zumbido se intensificava dentro da minha mente, fazendo com que minha visão ficasse turva, mas, mesmo assim, percorro até o portão, seguindo essa voz que me chama. Quando chego ao portão, vários guardas cercam-me, proibindo-me de passar.
— Eu ordeno que me deixem passar agora! — falo com um tom de voz não muito diferente de um grito. Mas nenhum dos guardas cede e continuam se aproximando de mim.
— Fiquem longe! — ao essas palavras saírem da minha boca, vejo os guardas caírem no chão um por um. Ao virar, vejo as tochas de fogo com um vapor superior queimando tudo à frente. Sem entender o que está acontecendo, a voz reaparece em minha cabeça como se estivesse me puxando junto dela. Como se uma corda estivesse em meu pescoço, tirando toda minha empatia, quando, sem me importar com aqueles caindo no chão, saio sendo levada até a praia. Ao chegar lá, o vento sopra forte; as árvores parecem assobiar dor e angústia. A luz do sol, que antes era tão amarela e calorosa, se escurece.
Vejo o Rei sentado sobre um tronco, à sua frente vários homens com capas escuras, idênticas àquelas dos magos de oito anos atrás. O Rei lança raios vermelhos em todos, mas é como se nada estivesse adiantando. Quando corro até o Rei, aquela voz se intensifica, percorrendo todo o meu ser. Quando me dou conta, já estou dissipando vários homens; uma energia já havia me consumido. Só havia sangue por todos os lados. Meus olhos ardiam feito um braseiro. Não havia mais a Cassandra ali; agora existia apenas o ódio de um reino todo dentro de mim. Gritos de pessoas inocentes ecoavam pelo lugar, e por muito tempo eu fiquei presa naquele castelo na esperança disso nunca acontecer. Eu cresci tendo uma vida dura porque era o necessário para todos viver bem, mas viver assim só me trouxe dor e lamentação. Agora eu estou sentindo todo o meu corpo despedaçar em uma amargura sem fim. Sangues pelo chão e choro de criança parecem irreais do tanto que se misturaram no vento zangado que sopra cada vez mais forte. Estou me sentindo enjoada com toda aquela mistura de cheiros desagradáveis e barulhos desconfortáveis que quando menos percebo há um grito diferente em meio a todos os outros. O grito da minha mãe estava vivido na minha cabeça. A aflição dela ao vê que não poderia me proteger e muito menos me salvar. Sentindo o vibrar das ondas a voz de Lúcia passou pelos meus ouvidos como um ressoar de toda aquela escuridão.
— Minha soberana! Tenha piedade! — Lúcia estava ao lado do Rei, que já estava atingido pelos meus próprios feitiços lançados. Na mesma hora em que vejo meu pai com sangue e Lúcia ao seu lado, aquela fita coberta de feitiçaria se enfraquece quando outra vez a imagem da minha mãe vem à minha mente. Corro até eles, caindo de joelhos ao lado do Rei, apoiando minha cabeça em seu joelho, perdendo assim o foco do momento. Foi quando um dos filhos dos magos correu até mim e o Rei, com sede de morte. Quando o Rei se preparou para lançar um feitiço certeiro, Lúcia gritou:
— Não! Ele é meu filho! — tentando impedir um desastre entre os dois. Mas já era tarde demais; o Rei lançou o feitiço que, como um vento, soprou o derrubando.
Levanto-me novamente, consumida pelo ódio, destinada a matar cada um daqueles magos que se encontram ali, mas, antes que eu possa agir, o som de uma flecha rasgando o vento acerta em cheio o Rei!
— Nãooo! — Eu solto um grito fragoroso, e de dentro de mim uma luz azul vibrante sai, jogando todos aqueles magos longe. Eu viro-me até o Rei, chamando-o.
— Fala comigo, por favor! — Sinto meus olhos arderem de uma forma que eu não conhecia. Quando passo a mão em meu rosto, sinto lágrimas escorrendo. Estou chorando.
— Desculpe não ter te protegido deles! — disse o Rei, caído no chão.
— O Rei não pede desculpas! A culpa é deles, que se alimentam de energia maligna e me fizeram virar a fonte. Você só queria proteger todos disso. — Disse eu, enquanto o abraço. — Você só queria me proteger.
— Mas o seu pai sim! Me desculpe, minha filha. — Ao escutar suas palavras, aquela fita que estava presa em meus cabelos se partiu ao meio e uma luz resplandeceu, trazendo o amarelo e caloroso aconchego daquele lugar.
Os magos que se alimentavam de energia da feitiçaria maligna não estavam mais ali; já não existia isso em mim. Eu liberei todo o rancor e maldade que em mim existia e todo o mal que me mantinha viva se transformou em bondade para curar e selar aquilo que uma vez se possuía de mim. Com minhas lágrimas de luz escorrendo pelo rosto do meu pai, sua pele ressecada de preocupação e angústia se curava. Lúcia, que para mim era uma segunda mãe, me abraçava. E assim, a partir daquele dia, se fez uma nova jornada. O Rei, ou melhor… meu pai, não vivia mais apenas em dias frios, pois agora suas preocupações cessaram e dias melhores vieram. Lúcia sofreu por meses com a morte do seu filho que, por mais que estivesse ausente desde os oito anos de idade, era seu filho. Ele era um dos magos que se deixou levar pela cobiça do mal que em seu pai habitava. E eu, princesa Cassandra, pude ser libertada. E agora, depois de tudo isso, consigo andar pela floresta e bosques da cidade, onde o amor e a esperança se tornaram o alimento e a aura daquela que tanto buscava liberdade.