Joe, um homem solitário e sem rumo, acordou em um ambiente sombrio, sem entender como havia chegado ali.
Na travessia entre os mundos, a confusão o impedia de processar o ocorrido, deixando-o sem respostas. Por que mesmo vivo, foi levado pela Morte para o submundo?
Enquanto caminhava, carregando a sensação de perda e vazio, uma figura encapuzada, com voz cavernosa, o cumprimentou.
" Bem-vindo ao mundo dos mortos!"
Joe sentiu o seu corpo tremer.
— O quê? Estou morto? Eu só estava dormindo... Isso não pode ser real! — tentava entender o mistério.
A morte, sem emoção alguma, estala os dedos e aparece um enorme livro empoeirado. Faz uma rápida busca.
— Deixe-me ver... Causas naturais! Você não é o único a morrer assim. Considere-se um homem de sorte, isso é um privilégio.
— Não, isso é um engano! Eu estou vivo!
— Deixe de tolice! Não entendo o seu medo… Adianta dizer que o seu coração batia, se "vivia" feito morto? — A Morte fecha o livro e esclarece, sem interesse no sofrimento de Joe: — Aqui não aceito reclamações, e detalhe, você não tem nada que te prenda ao mundo dos vivos.
Assim, Joe sai da presença da Morte e anda pelo imenso vazio, cabisbaixo e sem destino, tal qual sua vida de antes. Por onde passava, era cumprimentado por outros seres encapuzados.
— Bem-vindo ao mundo dos mortos!
A frase se repetia até que um humano muito velho, diferente dos outros, foi além dos cumprimentos.
— Bem-vindo ao mundo dos mortos, jovem, onde a esperança e os sonhos não existem, a paz e a alegria não se encontram, porque aqui, ninguém se importa com nada, mas o sacrifício dos esforços feitos em vida são recompensados.
— Eu estou vivo! VIVO! Do que você está falando? Eu estou vivo! — Desesperado, repetia para o ancião e para quem quisesse ouvir: — A Morte me levou por engano!
Com tanta convicção, o clamor de Joe se espalhou até chegar aos ouvidos da entidade que o chamou de volta para propor um desafio.
— Ora, se conseguir me convencer de que está vivo, então te deixarei voltar, mas não há nada, nem ninguém que se importe com você em vida.
— Não acredito!
Nesse mesmo instante, as lembranças de Joe apareceram. Recordou-se de sua vida vazia e sem expectativa, de suas decepções e de suas ilusões amorosas, e ainda, de como desejava a morte.
— Meu caro Joe, nem mesmo no mundo em que estava, você se preocupa em viver. Andava sozinho, como se fosse um cãozinho sem dono. Por que agora quer voltar?
De súbito, Joe se lembrou de uma jovem com a qual quase se casou. Angustiado, tentaria agora provar para a Morte que precisava viver.
— Vou encontrar quem se importa comigo!Preciso voltar, por favor!
A morte parou, e num suspiro, encarou-o.
— Sério? Bom, já que insiste, deixarei ficar entre os vivos durante uma hora. Irá transitar entre os dois mundos ao seu bem entender. — A morte lançou uma moeda para o alto. — Cara ou coroa?
Antes que respondesse, num piscar de olhos, Joe voltou ao seu quarto. Pela janela, podia ver o mundo lá fora. Espetacular! Por que não percebeu antes? Ele precisava viver, mas precisava de um motivo maior.
Desesperadamente, procurou por fotos, animais de estimação...Não tinha sequer um amigo. Não havia nada de interessante, nem festas em que ele esteve presente nos últimos vinte anos ou alguma música que tocava seu coração.
O seu próprio íntimo revelou que em vida, ele ansiava pela morte e agora se arrependia de não ter vivido intensamente cada segundo. Concluiu que até depois de morto, outra vez se rastejava, tentando fazer o impossível.
A voz da Morte o tirou dos devaneios.
— Joe, desista, você não tem nada, não há ninguém que se importe com você, nem mesmo sua amada.
Joe então pensou em Luana, casada e com filhos. Parecia feliz, mas após notar uma lágrima escorrendo pela sua face, entendeu que ela não era amada. Seu marido não a valorizava. Lembrou-se das conversas, das risadas que trocavam e do quanto a amou e admirava tudo nela.
— Morte, preciso ficar aqui!
— Tarde demais, Joe, você teve sua chance.
— Não, eu não tive. Me deixe falar com ela uma última vez. Me dê uma chance!
— Sinto muito. Primeiro prove que não estava morto quando te ceifei. Eu o encontrei caído, fracassado, falido, prostrado, então te fiz um favor!
A moeda foi jogada e Joe voltou ao submundo.
Ele caminhava pelo lugar assustador, ouvindo o coro da grande multidão de mortos o saudando mais uma vez, sem parar
— Bem-vindo ao mundo dos mortos!
A Morte apareceu novamente.
— Bem-vindo ao mundo dos mortos! Onde a luz e a escuridão se encontram e o destino é mero resultado do fracasso.
— Já que não pode conceder meu pedido, esvazie minhas memórias, pois como pode alguém deixar a vida sem poder amar e ser amado? — A Morte continuava impassível, então, Joe sentindo-se morto e vazio, entrega os pontos: — Tanto faz... A dor do amor eu não quero mais. Se aqui a esperança não existe, me leve de vez ou me deixe para trás.
E como num último ato de despedida, Joe passou a cantar uma música que o fazia lembrar de Luana. Ela, sentada no seu quarto, ouviu uma melodia trazida pelo vento com a chuva. O som a fez lembrar do seu antigo noivo, o único homem que amou. Como se entrasse em transe, levantou-se e começou a dançar.
Joe, no eterno vazio, dançava e foi quando o seu corpo se encontrou com o dela, mesmo que não estivessem juntos.
Nesse momento, a Morte se ofuscou com o brilho da esperança de Joe. Fazendo-o retornar à vida. De volta ao seu quarto e com o coração acelerado, sentiu-se mais vivo do que nunca.
Correu em direção à casa de Luana, mas no caminho algo chamou a sua atenção. Ele estava em um cemitério e a lembrança chocante do porquê da sua ação, veio à sua mente: "Luana estava ... Oh, não!"
A lápide de sua amada fragmentou em pedaços sua única esperança. Ela desistiu de viver. Aos prantos, ajoelhou-se, desejando outra vez não estar entre os vivos e um uivo aterrorizante da Morte, sussurrou-lhe ao ouvido:
— Eu disse que era tarde demais!