Sempre achei interessante a forma com que os escritores viam a vida, em sua maioria, percebo sempre a experiência do cotidiano. É encantador a maneira com que mesmo uma história sobre um ser inanimado se torne tão humana, tão vivida! Tudo graças às mãos que a escrevem.
Somente uma mente tão complexa quanto a humana é capaz de contar fatos tão belos sobre a vida, ó vida, esta única palavra se mantém presente em todas as escritas, mesmo que nunca seja dita, pois não há nada mais belo e imperfeito quanto a vida. Conceito que pode se comparar a uma obra de arte imperfeita, embora esteja manchada pelo sangue, ainda pode ser bela.
Sempre fui um homem de palavra, ao menos é o que tento me convencer. Sendo eu um homem de palavra, jurei a mim mesmo que com estas mãos me tornaria um homem da escrita, mãos estas que nunca foram usadas para criar, mas para destruir. Eu era um assassino, um homem que tirava vidas com a mesma facilidade com que outros as escreviam nos livros.
Agora, estas mesmas mãos manchadas de sangue tremem ao segurar uma caneta, como se a tinta fosse capaz de lavar todo o sangue impregnado. Uma tentativa falha de purificar uma alma condenada, manchada com o sangue de sua própria raça.
Matar causa uma estranha sensação de prazer, um prazer que se desdobra em culpa, e a culpa se transforma em tinta, tinta esta, incapaz de lavar os pecados. A tinta pinga no papel, enquanto as palavras buscam sentido.
Como pode? Como pode alguém como eu, que se fascina ao ver a carne fria e inerte, se sujeitar a escrever sobre a mesma enquanto respira? Seria o cúmulo da ironia, um paradoxo grotesco. Eu, eu! Logo eu, tentar escrever sobre a vida, sendo que dela mesma eu nunca fui capaz de compreender nada além do silêncio dos seres outrora pensantes.
A vida é um conceito estranho para mim, não é à toa que admiro tantos escritores por conseguirem capturar sua essência em palavras. Como eu adoraria poder me enfiar em suas carnes e sentir o esplendor de suas vidas fluindo no papel, quanto a mim mesmo só conheço a morte. Um amante da morte, um necrófago das palavras, condenado a devorar a própria inspiração. E ainda assim, eu escrevo, eu sangro a tinta no papel, com as mesmas mãos de um carrasco cortando a garganta das ideias antes que elas possam respirar.
Há tempos não me lembro quando este vício tomou posse em minha mente, convertendo tudo que há de mais puro em mim em ideias grotescas, das quais me alimento cada vez mais em uma terrível aberração em pele de homem. Distanciando-me cada vez mais da humanidade e dos seres que mais almejo me tornar.
Eu, que um dia sonhei me juntar à sua confraria, sou nada mais nada menos agora do que uma pária cuja escrita reflete a feiura que reside na alma. Pergunto-me se haverá salvação para mim, ou se estou condenado a estas tolices de palavras sem vida.
Ó maldito arrependimento que perpetua em minhas carnes, que momento para se arrepender, quando a ruína já está consumada, quando a podridão já se espalhou por toda a minha alma.
Peço perdão aos pobres rapazes e às pobres moças que sonharam com palavras de amor. Perdão por ter corrompido a pureza da linguagem, por ter transformado a arte em um reflexo de minha própria depravação.
Estas mesmas mãos, sujas de sangue invisível, mancham um papel branco e erroneamente tentam distorcer a própria morte em vida. Jamais voltarão a perturbar, e enfim, o papel permanecerá em branco e a caneta seca, livre da mão que a profanou.