Dentro da galeria, na frente de todos aqueles quadros, a moça anda de um lado para o outro com sua taça pela metade. Não que quisesse mesmo estar lá com aquelas pessoas que nem conhecia, mas era sábado à noite e seus amigos foram bons em argumentar com ela. 𝘜𝘮𝘢 𝘯𝘰𝘷𝘢 𝘨𝘢𝘭𝘦𝘳𝘪𝘢 𝘥𝘦 𝘢𝘳𝘵𝘦𝘴, 𝘨𝘢𝘳𝘰𝘵𝘢. 𝘝𝘦𝘯𝘩𝘢 𝘤𝘰𝘯𝘰𝘴𝘤𝘰, 𝘢𝘣𝘳𝘢 𝘴𝘶𝘢 𝘮𝘦𝘯𝘵𝘦, 𝘦𝘴𝘵𝘦𝘯𝘥𝘢 𝘴𝘦𝘶𝘴 𝘩𝘰𝘳𝘪𝘻𝘰𝘯𝘵𝘦𝘴, 𝘢𝘥𝘲𝘶𝘪𝘳𝘢 𝘤𝘶𝘭𝘵𝘶𝘳𝘢. 𝘝𝘢𝘪 𝘢𝘮𝘢𝘳.
Tudo o que ela havia amado até agora era o champanhe. Olhando para o líquido translúcido, pensou que álcool era muito importante quando se tentava entender aqueles quadros disformes. Talvez as imagens fizessem sentido se seu cérebro não pudesse mais encontrar sentido nas coisas.
Vagando pelos corredores da exposição, ela encontrou de tudo e também não viu nada. As pessoas diziam que aquelas obras eram arte, mas não agiam como se de fato fosse. Ouviu um homem comentar como o artista havia colocado a personificação do próprio espírito em uma tela cuspida de tinta colorida em dois tons, e que aquilo era um belo exemplo do monstro capitalista devorando-o de dentro para fora em fome animal. Minutos depois, uma mulher chegou ao lado dele e contou sua própria interpretação pessoal do quadro. O homem sequer hesitou em concordar e até acrescentar pontos ao argumento dela, abandonando sua própria ideia anterior.
Alguns quiseram comprar as telas. Um casal tentou comprar a mesma obra duas vezes, porque haviam esquecido que já tinham assinado um cheque generoso por aquela "peça sublime e poética". Mais de uma pessoa olhava para tudo com uma confusão bem disfarçada. Sorria, acene e concorde. Dizem que é arte, então é arte e ponto final.
Durante a escola, a moça estudou as épocas da arte e seus propósitos — aquilo que elas queriam causar no público, a reação que esperavam dele. Esse era o ponto central de qualquer obra, fazer seu espectador sentir alguma coisa com o que estava vendo, com o que estava interagindo, e não apenas no campo das artes plásticas; 𝘵𝘰𝘥𝘢𝘴 as artes queriam causar algo nas pessoas.
Alí, naquele espaço, a moça — e todos os outros provavelmente — não sentia nada. Apenas a tontura do champanhe.
Em dado momento, depois de tanto andar e não encontrar seus amigos, ela sentou em um banco de madeira perto da exposição principal — um outro quadro com pinceladas aleatórias de tinta preta. Logo outra pessoa se sentou com ela, uma mulher de calça jeans rasgada e moletom. Comparando com os outros no local, estava meio desleixada. Mas isso chamava a atenção pela ousadia.
— Gostando da exposição? — ela pergunta para a moça.
Dando de ombros, a outra responde:
— Nunca estive numa exposição de arte antes. Acho que está indo bem.
— É mesmo? Que coincidência, eu também nunca estive numa exposição. Pra ser sincera com você, eu acho que está uma bosta.
A moça quase cospe o gole de bebida que estava tomando, tomada pela surpresa. A mulher falou tão alto que uma boa parcela dos convidados virou a cabeça para lhe lançar um olhar de desgosto.
— Não gosta desse tipo de arte?
— 𝘌𝘴𝘴𝘦 𝘵𝘪𝘱𝘰 𝘥𝘦 𝘢𝘳𝘵𝘦? Ah, moça, isso aí nem é arte.
— Por que diz isso?
— Porque não sinto nada. Nem mesmo inquietação, como quando vemos uma boa crítica social. Não sinto 𝘯𝘢𝘥𝘢 que me lembre que estou numa galeria de arte.
Calada, a moça reflete. Era o que ela mesma achava também. Olhando para os quadros novamente, sem sentir nada, decidiu que a mulher tinha razão.
— Você está certa, sabe. Também não acho que essa exposição está sendo grande coisa. Desde que entrei aqui, fiquei estagnada e entediada. Mas o champanhe é bom.
— Eu tinha que pedir algo bom para que todos pudessem ao menos beber álcool de verdade.
Por alguns segundos, em silêncio sóbrio, a moça raciocina. Aquela mulher pediu o champanhe? Aquela mulher organizou o evento? Espere, ela trabalhava com o artista?
— Oh, espere... Você organizou tudo isso. Conhece o artista. Está falando mal do trabalho do seu contratante?
— Moça, 𝘦𝘶 sou a artista que pintou essas telas.
Mas que brincadeira era aquela?
Vendo a expressão confusa e divertida, a mulher dá uma risadinha e chama um dos garçons que ficavam vagando pelo salão com aquelas bandejas abastecidas de taças cheias para pegar uma para si. Bebe um pouco, relaxa os braços e cruza as pernas.
— Sim, eu pintei essas coisas esquisitas que estão nas paredes. Sabe, eu estava passando por um período difícil onde não tive inspiração para fazer nada, nem rabiscos, e me senti vazia do que mais amava fazer; e de dinheiro, é claro. Vivemos numa sociedade capitalista, é estritamente necessário tirar dinheiro de onde se pode.
— E você pintou essas coisas numa espécie de tentativa forçada de arte?
— Não. Nunca se pode forçar a arte. Se pode treinar, aprimorar o que se sabe fazer, mas são coisas que levam tempo de qualquer jeito. Eu apenas me perguntei: o que eu quero pintar é a mesma coisa que eles esperam que eu pinte?
Silêncio.
— Vou tentar explicar melhor. A minha visão de fazer arte é a mesma do mercado artístico? O que eu quero fazer é o mesmo que eles esperam que eu faça? Fiquei pensando nisso por uns bons dias enquanto tentava pintar algo realmente bom, que chegasse ao coração das pessoas. O coração do público é o objetivo de todo artista. Mas me dei conta de que talvez meu novo público não tenha coração.
— Novo público?
— Você vê alguém parecido com nós duas por aqui? Alguém que realmente tem noção desses absurdos? É claro que não. Ninguém questiona, ninguém liga, porque alguém lhes disse que isto é arte; e para eles tudo bem, desde que façam parte do movimento. Desde que se sintam parte do grupo. Querem ser acolhidos pela multidão, não pelas obras. As obras só são fachada, uma desculpa.
— Era sua intenção que fossem assim?
— No começo, não. Mas depois eu resolvi testar. Vejamos o quão longe eles vão antes de começar a estranhar o que compram, o que elogiam, o que indicam. Não coloquei uma gota de amor em nenhuma pincelada e vão comprar todo o desgosto que criei. São obras vazias.
Ao redor, todos estão alheios a conversa. Brindam, conversam, compram, elogiam, tentam dar um sentido filosófico às telas bagunçadas. Elas são qualquer coisa, porque nunca foram nada, mas não faz diferença. Vão transformá-las no que quiserem e exibir como um animal exótico.
O público é vazio. O quadro é oco. O dinheiro é a única entidade percorrendo o salão, e os corações estão todos mortos debaixo dele. A arte se sufoca e morre alí.
— E aquele quadro? — a moça pergunta, apontando para a exposição principal.
Com um gole, a artista responde:
— Arrisco dizer que é minha única obra. Eu fiz há muitos anos, mas nunca tive coragem de mostrar. Pensei que seria interessante colocar arte no meio de imitações, ver se alguém encontrava.
Curiosa, a moça levanta para ver melhor a pintura. As pinceladas de tinta preta são grossas, a maioria na diagonal, com apenas uma cruzando a linha do horizonte. Formam algo como uma montanha, com um pico mais alto — não, não uma montanha, a moça se corrige. Está mais para um castelo. Minúsculos traços em branco fazem as janelinhas das torres. Ao fundo, tinta cinza está chamuscando o branco da tela e imitando nuvens fúnebres, e abaixo, em um tom mais escuro, ela imita um lago ou o mar. No canto esquerdo, no meio de árvores mortas e sem folhas nos galhos finos, pequenas cruzes estão enterradas no solo com formas que lembram lápides.
No canto direito, um capuz flutua com olhos brancos e vazios.
Num simples piscar, a moça tem uma visão geral do quadro e perde o ar. Está tudo levemente deformado, como se tivesse se queimado, mas todas as formas são facilmente interpretadas. O castelo, em outra perspectiva, parece com uma linha do equipamento médico que mede batimentos cardíacos; o céu manchado está deformado e triste; o lago profundo convida para o mergulho impossível de voltar; o cemitério afastado representa perda; e aquela sombra quase invisível no outro canto indica morte.
Sim. 𝘈𝘲𝘶𝘦𝘭𝘢 obra conseguia fazê-la sentir algo.
— Como se chama?
— O túmulo — a artista responde — Enterrei nele minha vontade e minha esperança.
— Não acha que conseguirá pintar outra vez?
— Quem sabe. Eu sei que muitos nunca conseguirão. Não terão alma o suficiente para dar em troca disso.
— E o que vão dar?
Depois de um momento de silêncio, ela responde:
— Nada que possa servir.