— E então, deu tudo certo com a moça lá?
O outro homem termina seu copo, depois o enche de novo com a cerveja que sobrou na garrafa; estava quente como a noite.
— Na verdade, não, não deu.
— Ah, fala sério! Apresentei vocês dois justamente porque achei que fariam uma bela dupla — ele tira um maço de cigarros do bolso e o oferece ao homem por hábito, depois tira um para si mesmo — Mas o que deu errado?
— Eu não fazia o tipo dela.
— Não? Seja sincero comigo.
— Juro que estou sendo. De nós dois, acho que fui o mais sincero.
— Cara, eu nem consigo achar muitos defeitos em você, e nem estou dizendo isso porque somos amigos. Tem fósforo?
Antes de dar outro gole, o homem acende o fogo e queima a ponta do cigarro do amigo. Depois, continua:
— Eu não fazia o tipo dela. No começo, até achei que daria certo e tudo e tal.
— Mas não deu.
— Não. Deve ter sido o modo como tratei ela.
— Você não foi um babaca, foi?
— Não no meu ponto de vista. Tem mais cigarro?
— Claro. Como você agiu com ela?
— Levei ela pra jantar. Naquele italiano que você comentou; lugar bacana, bom atendimento. Achei que ela ia gostar. Gastei um pouco mais do que devia, mas valeu a pena.
— Ela gostou?
— Adorou. Conversamos bastante. Levei ela pra casa.
— Dormiu com ela?
Uma tragada de cigarro, um sopro de fumaça, e ele responde:
— Não. Parecia cedo demais pra isso. Quis ir com calma. Saímos mais vezes antes de acontecer.
— Quando foi? Bem, se é que posso perguntar. Não quero me meter nisso.
— Uns dois meses depois. Fiz um jantar na minha casa, uma coisa mais caseira, e aconteceu. Acho que ela estava querendo isso desde o começo.
— Você achou isso ruim?
— Eu não. Mas sabe como eu sou, gosto de aproveitar tudo. Estava gostando mesmo de sair com ela.
— Mas e depois que vocês... se conheceram melhor?
— Não chegamos a fazer pedidos formais, mas estava claro que estávamos namorando. Passamos a nos ver com muito mais frequência e a dormir na casa um do outro. Tinham roupas dela no meu quarto e maquiagem no meu banheiro.
— Ah, que gracinha. Como conseguiu estragar isso?
— Eis o problema: não faço ideia.
— Explique.
— Bem, as coisas começaram a tropeçar uns três meses depois. Saí do banheiro e vi ela xeretando meu celular, mas não reclamei. Não tinha nada pra esconder. Peguei ela investigando as redes sociais da minha ex namorada, e contei toda a nossa história e do porquê terminamos e não teria chance de voltarmos nunca.
— Eu lembro dessa aí. Meio sem noção.
— Depois ela foi investigar meus amigos. Parecia uma policial revirando a vida de um suspeito de assassinato. Até a minha mãe ela interrogou; e quando digo isso, quero dizer que foi mesmo um interrogatório.
— Que bizarro. E depois?
— Ela não encontrou nada do que estava procurando. Ficamos em paz por uns dias, até ela começar a implicar com as coisas que eu fazia — ou melhor, com as coisas que eu não fazia.
— Não me diga que negou fogo à ela.
— Nunca. Esse nunca foi um problema para nós; não para mim, pelo menos. Eu nunca neguei, mesmo quando estava chateado com ela, porque queria arrumar qualquer jeito de nos entendermos. Mas veja só: parecia que ela não queria isso realmente.
— Agora você está me confundindo.
— Fiquei do mesmo jeito que você — ele tragou o cigarro e soprou a fumaça — A gente brigava, ficava calado, depois ela vinha. Fazia umas caras e bocas, encostava em mim, dizia umas desculpas, e eu aceitava. Era sempre do mesmo jeito e terminava sempre do mesmo jeito. No começo ela gostou, mas depois eu notei que ela estava esperando uma rejeição minha. Uma punição.
— Uma punição que você nunca deu?
— Não. Enfim, enquanto isso, ela dizia que eu não ligava para nada do que ela fazia. Não ligava para os amigos dela, para os lugares onde ela ia, as coisas que ela comprava, as roupas que ela usava, as coisas que costumava comer; dizia que eu era indiferente como uma porta.
— Você não ligava?
— Nessa parte ela tinha razão, mas não pelo motivo que ela imaginava. Eu não estava indiferente, eu só não queria me meter. Ela gostava daquelas roupas, daqueles lugares, daquelas comidas, daqueles amigos. Se estava feliz, por que me intrometer? Nada disso nos atrapalhava.
Ele bate a ponta do cigarro e percebe que o tubinho já acabou. Pede outro ao amigo, que entrega sem hesitar.
— Então, ela queria que você fosse totalmente paranóico?
— Talvez. Quem sabe ela não estava tentando me transformar no ex dela.
— Ex? Nunca soube de nenhum ex.
— Pois eu soube. Encontramos com ele numa festa que ela me convenceu a ir. Ficamos lá por uma hora até ele aparecer.
— O que achou dele?
— Achei que não tinha se tocado de que terminou com ela. O cara ficou no nosso pé até que eu quis ir embora.
— Com ciúmes?
— E uma boa dose de irritação, mas ela conseguiu o que queria — eu fiquei fazendo perguntas sobre ele a noite toda.
— Aposto que ela adorou responder.
— Ela adorou me ver transtornado. Ela queria que eu ficasse tão obcecado por ela quanto ele.
— Você ficou?
— Por dois dias. Percebi que estava quase indo investigar ele. Me preocupei com o comprimento da saia dela pela primeira vez desde que começamos a sair. Não achei que fosse normal isso me incomodar agora.
— Por que?
— Porque ela nunca olhava para mais ninguém além de mim, mesmo que todos estivessem olhando para ela. Porque não importava o que ela usava, ela estava se exibindo para mim; ela mesma admitiu isso.
— E depois que você percebeu isso?
— Voltei à estaca zero e ela ficou estranha de novo. Passamos a brigar mais. Discutir de verdade dessa vez. Ela inventou amantes pra mim, encontros tarde da noite, na minha hora extra do trabalho. "Você não liga pra mim porque já tem outra com que se preocupar. É pra ela que você liga, é nela que você pensa" ela gritava. Gritava muito.
— E você?
— Eu? Ficava triste e confuso. Só conseguia pensar que ela queria terminar logo comigo.
— E terminou?
— O que mais eu deveria fazer? Só ficávamos brigando e gritando um com o outro, paramos de dormir juntos, paramos de conversar como pessoas normais. Não entendo bem o que deu errado.
— Não precisa bancar o idiota comigo, nem ser esse carinha educado. Você sabe bem porquê acabou.
O cigarro estava na metade. Ele devia parar de colocar aquela fumaça tóxica dentro dos pulmões.
— Acho que ela estava gripada. Mas não queria meus remédios, só espirrar em cima de mim.
— Gripada. Com certeza.
Ele puxa a fumaça, e solta pelo nariz.
— Ela voltou com o ex, sabia?
— Não. E você voltou a fumar. Pensei que tinha parado.
— Algumas coisas nos matam tão bem que não conseguimos parar até morrer.
Ele fumou até o último dos cigarros e voltou para casa, sozinho, com um coração limpo e pulmões negros.