o tempo.
― Elas são para você, Norma... sempre foi para você... tudo para você.
Ela recuou, o rosto um círculo branco difuso, a boca uma abertura negra, um O de pavor ― e não era Norma, pois Norma morrera há dez anos. E não fazia diferença. Porque ela ia gritar e ele golpeou com o martelo para conter o grito, para matar o grito. E quando desferiu a martelada, o embrulho de flores caiu-lhe da outra mão, abrindo-se e espalhando rosas vermelhas, amarelas e brancas perto das amassadas latas de lixo onde os gatos faziam um amor alienado no escuro, gritando de amor, gritando, gritando.
Ele golpeou com o martelo e ela não gritou, mas poderia ter gritado porque não era Norma, nenhuma delas era Norma, e ele golpeou, golpeou, golpeou com o martelo. Ela não era Norma e por isso ele golpeava com o martelo, como fizera cinco vezes anteriormente.
Sem saber quanto tempo depois, ele guardou o martelo de volta no bolso do paletó e recuou para longe da sombra escura estendida nas pedras do calçamento, para longe das rosas espalhadas perto das latas de lixo. Deu meia-volta e saiu da travessa estreita. Era noite fechada, agora. Os jogadores de beisebol tinham voltado para casa. Se existissem manchas de sangue em seu terno, elas não apareceriam por causa do escuro. Não no escuro daquela noite de final de primavera. O nome dela não era Norma mas ele sabia como era seu próprio nome. Era... era... Amor.
Chamava-se amor e perambulava pelas ruas escuras porque Norma o esperava. E ele a encontraria. Algum dia, em breve.
Começou a sorrir. A agilidade voltou-lhe ao andar quando ele desceu a Rua 73. Um casal de meia-idade sentado nos degraus do prédio onde morava observou-o passar de cabeça tombada para um lado, olhar distante, um leve sorriso nos lábios. Depois que ele passou, a mulher perguntou:
― Por que você nunca mais tem aquela aparência?
― Hem?
― Nada ― disse ela.
Mas observou o jovem de terno cinza desaparecer na escuridão da noite e refletiu que se existia algo mais lindo que a primavera, era o amor dos jovens.
Apontado como um dos mais importantes autores do terror contemporâneo, Stephen King (1947) é um escritor norte-americano de grande sucesso internacional que também escreve obras de suspense e ficção científica.
A narrativa que escolhemos faz parte de Sombras da Noite (1978), a sua primeira coletânea de contos. Nela, encontramos um protagonista jovem e anônimo que caminha pelas ruas com um semblante apaixonado.
Quando vê um homem vendendo flores, ele compra um presente para a mulher que está esperando. Ao longo de todo o texto, vamos percebendo o quanto ele ama Norma e anseia o reencontro. No entanto, quando ela se aproxima, nossas expectativas são subvertidas.
Trata-se de outra pessoa, que o protagonista mata com um martelo. Descobrimos, deste modo, que ele é um assassino em série: já matou cinco mulheres, porque não encontrou a sua amada em nenhuma delas.