Um dia depois de uma declaração.
Voltei a vê la, não foi olhos nos olhos, cara a cara, não, eu a vi de relance, estava concentrada em seu trabalho, parecia séria e preocupada, não decifrei aquele olhar direito, mas ai do nada, um sorriso, meu deus, que sorriso, e ficou mais belo ainda da perspectiva que eu a via, tudo isso em alguns milésimos de segundo enquanto eu mesmo evitava que ela me visse, ainda estava receoso do dia passado, não sei se conseguiria encará-la ou responder ao seu: você está bem?
Isso tudo porque bastou um sorriso que nem era pra mim, para me derrubar, e eu nem precisei ouvir sua voz, pensei em correr antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, ou antes que seu cântico chegasse aos meus ouvidos, mas o milésimo de segundo acabou, eu cheguei as escadas, estava longe dela, e longe de qualquer coisa que pudesse me fazer lembrar dela, tirando a parte de que trabalhávamos no mesmo lugar.
Na volta, tendo que passar por ela, aproveitei o intenso fluxo de pessoas que iam e viam e me misturei, abaixei os olhos, encolhi os ombros e me encurvei, tudo isso pra parecer invisível, mas ai, sua voz me atingiu, meu cérebro me traiu e levou meus olhos até a sua imagem, lembro claramente de parar, apreciar os contornos do seu rosto, a forma como seu cabelo estava amarrado, a expressão confusa que fazia, o tempo voltou a parar, eu queria muito me mexer, queria resitir aos seus encantos, queria andar, sair dali e deixa-la e eu consigui, quase que estraguei tudo, mas consegui, meu corpo voltou a se mexer quando percebir que seus olhos iam se encontrar com os meus, e eu não estava pronto para isso ainda, estava disposto a evita-la, sim, mesmo estando errado era isso que eu ia fazer, então deixei-me levar pelas pessoas ao meu redor, recuperei meus sentidos meio metro depois e segui em direção até aonde eu trabalhava, ainda com a consciência queremendo me trair e olhar pra traz, ir até ela e dizer mais uma vez o que meu coração dizia ao ve-la, mas não é tão facil assim, eu estava com medo, com medo de ficar tão triste quanto aquela noite e nem a fantasia dela puder me salvar
Não voltei a vê-la desde então, passei os dias longe, afastado do trabalho, não com medo dela, mas por motivos pessoais demais para serem ditos aqui, uma coisa interessante que aconteceu nesses dias foi que em nenhum momento ela deixou de aparecer em minha mente de surpresa, em nenhum momento deixei de ouvi-la ou ver o seu rosto, sua imagem gravada em minha memória, e a cada hora distraído eu era forçado a reviver os momentos com ela, a pensar nela, a parar e tentar tirá-la da minha cabeça, mas nada, nada mesmo funcionou, e ela continua lá, talvez porque eu ainda a ame… sim, mas não estou gostando mais disso, me sinto preso a esse amor, a esse sentimento descontrolado a esse exagero todo, eu quero viver a vida, quero poder passar por ela sem quase tombar diante sua imagem ou passar os dias pensando no que podia ou não ter dito a ela, quero dar um fim a dor e ao medo, mas parece que estou preso.
Voltei ao trabalho, ainda receoso de entrar pela porta da frente e ver a sua imagem, mas fui mesmo assim. Meus olhos perscrutaram todo o ambiente a procura dela, eu tentei resistir, mas não adiantou, o caminho até a escada se tornou perigoso, a cada passo um tropeço, pois meus olhos estavam focados em buscar a sua imagem e ao não encontrá-la uma sensação ruim começou a tomar conta de mim. Cheguei às escadas, subi, fui à gerência, ao banheiro, ao refeitório e nada, ela não tinha chegado ainda, e me dei conta de que eu estava a sua procura, me auto sabotando.
Desci até onde eu trabalhava e passei as horas que se seguiam focado em fazer o que eu fazia de melhor. Só que o imprescindível aconteceu, ela passou por mim, vi a sua imagem borrada em um meio realce colorido, seus cabelos bem amarrados diante do meu rosto, ouvi um oi, me segurei até que uma de suas amigas a respondeu e pude respirar tranquilamente. A busquei, mas ao vê-la diante de mim, a menos de um metro, tão próxima, tão respirável, quase tive um treco, minha respiração pesou, minhas pernas falharam, tive que tirar a máscara, me segurar e desviar meus olhos do seu caminho, confesso que me senti triste por ela não ter nem olhado para trás, isso teria me derrubado mas eu ainda a desejava. O tempo voltou a passar e eu tive que ir ao seu encalço, não de propósito, eu iria a um lugar próximo onde ela trabalhava e como consequência eu a veria, mas gostei da ideia, e fui. A poucos metros de distância a avistei no meu caminho, meus olhos encontraram o seus, eu desacelere, esperei ela continua e a vir me ignorar por completo, não só isso, vi um olhar triste um tanto raivoso, talvez direcionado a mim, o que me distraiu o resto do dia, pois fiquei a pensar e pensar no que podia ser aquilo.
Acabou, enfim acabou, me sinto melhor, não totalmente mas consegui passar o dia inteiro sem pensar nela, sem deseja la ou imaginar a vida toda ao seu lado, e não foi porque eu parei de gostar dela, ainda gosto, ainda sinto o mesmo arrepio quando ela lança um sorriso em minha direção, sinto o calor de suas palavras, o cheiro do seu cabelo, o brilho nebuloso em seus olhos, o contorno assimétrico de seu rosto, ainda morreria por ela, pode até ser loucura de certo ponto, por isso ainda a amo, e por que acabou? Por que não sinto de forma intesa nem insana necessidade de mais nada disso, consigo admirar a sua felicidade de longe, e espero que ela consiga admirar a minha, uma ultima coisa, uma ultima cena.
É bobo quando nos sentimos alegre apenas com um sorriso, ou ainda queremos pular de alegria com um olhar inusitado? Eu me senti bobo, me senti alegre, meu coração estava disparado… foi quando ela voltava do almoço, cabelo solto (podia soltar nesse horário) um colar diferente no pescoço, molejo no corpo, um tanto engraçado, mas um engraçado bom, ela estava distraida, conversando com uma amiga, e eu, bem, eu via na direção contraria, com pressa, chateado (meu dia estava sendo péssimo) estava para passar por ela quando a notei a alguns passos a frente, ergui o rosto, ela direcionou o dela em minha direção, falei um oi e ela sorriu e retribuiu com um oi, foi isso, voltei a ve-la outras vezes, com poucos sorrisos, muitos ois e várias trocas de olhares inusitados, e agora vivemos assim, ela no lado dela, eu no meu e mantendo uma amizade comum, como eu disse, ainda a amo, e retenho esse amor por que a amo, é confuso, você passa a querer ela bem, passa a desejar sua segurança, passa … sei lá, depois você entende que ela é autossuficiente, não precisa de você no pé dela, ela é durona e sabe cuidar das coisas sozinhas, e começa a se afastar, não totalmente, você ainda ta ali, mas dando espaço pra flor que ela é de verdade desabrochar, e não é só por isso, lembra dos espinhos, você também sente medo de se machucar por isso se mantem afastado, as coisas estão confusas agora, eu tentando descrever um sentimento nunca desvendado, lembrando do seu rosto, rindo atoa, e pondo um ponto final nesse relato.