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Café Amargo com Olhos Verdes

O pedido "Recusado"

Sebastian Alencar nunca gostou de surpresas. Sempre preferiu controlar cada variável de sua vida, cada decisão, cada resultado. Mas ali estava ele, sentado em sua poltrona de couro escuro, com o telefone pesado contra o ouvido, ouvindo seu pai, Walter Alencar, tentar colocar panos quentes em uma situação que ninguém poderia consertar facilmente.

— Sebastian, filho… escuta, você precisa entender, não é nada pessoal. Ela simplesmente… — Walter gaguejava, tropeçando nas próprias palavras.

— Nada pessoal? — Sebastian interrompeu, a voz cortante. — Meu pai, eu aceitei este casamento porque você insistiu, não porque eu estivesse apaixonado. E agora preciso explicar para a mídia por que a minha noiva fugiu? Aliás, minha mulher.

Houve um silêncio do outro lado da linha, um silêncio carregado de tensão e expectativa. Sebastian respirou fundo, tentando conter o calor que subia em seu peito. Ele não gostava de ser contrariado — especialmente por uma situação que ele não escolheu

— Sebastian… calma, filho. Não estou pedindo que você vá atrás dela, estou implorando para não ir. Só… — Walter tentou novamente, mas Sebastian não queria ouvir.

Ele se levantou, andando de um lado para o outro no escritório elegante, que cheirava a couro e madeira antiga. Cada passo fazia o piso ranger levemente, um som irritantemente familiar que aumentava a tensão dentro dele. O olhar verde de Sebastian se perdeu na cidade através da imensa janela de vidro. Ele sempre gostou da vista, do controle que aquela altura lhe dava, mas naquele momento nada parecia suficiente para acalmar a mente, não conseguia entender como uma garota poderia ter coragem de recusá-lo.

— Pai, ouça-me com atenção — Sebastian disse, a voz agora mais baixa, carregada de frustração e algo que ele não conseguia nomear. — Eu não vou atrás dela pode ficar tranquilo. Mas em algum momento teremos que sentar e conversar, ela agora leva meu sobrenome.

Ele deixou o telefone cair sobre a mesa e fechou os olhos por alguns segundos, tentando controlar a respiração. Mas a verdade era que ele estava… intrigado. Fascinado. O que havia nessa mulher que a fazia desafiar uma família como a Alencar?

Walter suspirou do outro lado da linha, com a paciência de quem já lidara com o orgulho do filho inúmeras vezes.

— Sebastian… eu sei que você se sente traído, mas não é como você imagina. Eu… eu só queria proteger você, meu filho.

— Proteger? — Sebastian bufou. Proteger é diferente de me forçar a um casamento com alguém que sequer conheço e que pelo jeito me detesta! O que eu faço agora? Tenho uma esposa e nem sei quem é.

As palavras saíram afiadas, quase cortantes. Ele se deixou sentar novamente na poltrona, sentindo o peso da situação cair sobre os ombros. Um pedido de casamento não deveria vir com ameaça ou obrigação. E ainda assim, ali estava ele, encarando o abismo de seu orgulho ferido e uma curiosidade inesperada.

Algo dentro dele insistia em pensar naquela mulher: forte, audaciosa, com coragem suficiente para dizer “não” a um Alencar. Sebastian nunca conheceu ninguém assim. Havia uma parte dele que ficava irritada — e outra, estranhamente excitada.

— Eu só quero saber — continuou, quase murmurando para si mesmo — quem é ela. Com quem será que me casei?

A mente dele vagava em possibilidades, imaginando uma mulher tão impertinente quanto ele próprio. Talvez fosse arrogante, talvez fosse teimosa. Talvez fosse… interessante demais para simplesmente ignorar.

Ele caminhou até a janela e apoiou as mãos no vidro, olhando a cidade que nunca dormia. As luzes refletiam em seus olhos verdes, refletindo uma mistura de raiva, frustração e fascínio. Ele não podia admitir isso nem para si mesmo, mas aquela centelha de curiosidade se transformava lentamente em um fogo perigoso.

— Pai, resolva o que for preciso — disse, voltando ao telefone. — Mas não me faça dar explicações a ninguém, se tiver que falar com a imprensa o senhor vai falar, me entendeu?

Walter suspirou, sabendo que era inútil argumentar mais.

— Muito bem, filho. Você sempre tem razão… ou pelo menos acha que tem. Só… tome cuidado. —

Sebastian desligou o telefone e ficou ali, em silêncio, permitindo-se por alguns instantes a própria irritação. Mas, ao mesmo tempo, havia algo excitante na ideia de conhecer alguém que ousou desafiar sua vida perfeitamente planejada.

Ele se sentou novamente, recostando-se na poltrona e fechando os olhos. Seu coração batia mais rápido do que deveria. Ele sabia que não era só raiva — havia fascínio, curiosidade quase doentia.

A sala estava silenciosa, exceto pelo leve zumbido do ar-condicionado e o som distante da cidade que nunca dormia. Sebastian respirou fundo, sentindo o orgulho queimando em suas veias. Ele nunca perdera o controle de uma situação antes. Nunca. E ainda assim, aquela moça havia feito exatamente isso — ele queria entendê-la, descobrir seus limites, descobrir o que a tornava tão insolente, ela não pensou nas consequências, não pensou nos jogos políticos, simplismente disse não.

E assim, naquele escritório elegante e silencioso, entre o couro, a madeira e o peso de sua própria história familiar, Sebastian Alencar tomou uma decisão silenciosa: ele iria conhecer essa garota, custasse o que custasse.

Ia dar o tempo que o pai pediu, mas não ia desistir de conhecer sua esposa.

Briga com o pai

O grito de Alberto Maciel ainda ecoava pelos corredores da casa, rompendo o silêncio elegante que sempre reinava ali.

— Você é uma ingrata, Ana! — a voz dele era firme, carregada de fúria e frustração. — Eu te arrumei um marido que vai bancar todos os seus luxos, e mesmo assim você consegue se sentir ofendida?

Ana estava parada diante dele. Os olhos marejados brilhavam — mas não era fraqueza. Era raiva. Uma raiva quente, pulsante, de quem finalmente decidiu não engolir mais nada.

— Perguntar se eu queria casar nem passou pela sua cabeça, né? — ela rebateu, a voz trêmula de nervoso. — Porque, claro, o que eu quero nunca teve importância!

Alberto Maciel, impecável em seu terno e em sua arrogância, girou o copo de uísque nas mãos, tentando recuperar o controle.

— Eu só estou tentando garantir o seu futuro! Você é uma menina mimada, foi criada para casar, sem rumo. E aquele homem é um bom partido!

Ana deu uma risada curta, amarga.

— Um bom partido? Criada para casar? Eu nem sei o nome completo dele, pai. O senhor quer que eu case com um estranho só porque ele tem dinheiro?

— Exatamente! — ele gritou, apontando o dedo para ela. — Dinheiro garante estabilidade. Amor, escolha, liberdade… tudo isso passa. O que fica é o conforto e a segurança de um bom casamento.

O estômago dela revirou. Quantas vezes ouvira isso sendo dito como verdade absoluta? Quantas vezes vira a mãe se calar para não enfrentar o temperamento explosivo dele?

Mas Ana não era a mãe e estava cansada de ser usada como moeda de troca.

— O senhor pode viver de aparências, mas eu não. — Ela levantou o queixo, firme. — Eu não vou casar com alguém só porque o senhor decidiu.

O copo bateu na mesa com um estalo seco.

— Então o que vai fazer? Vai sair por aí achando que é independente? Vai viver de quê, Ana? De ar e teimosia?

Ela respirou fundo, o coração martelando.

— Eu vou trabalhar.

A risada dele veio alta, cruel, como um tapa.

— Trabalhar? Você não sabe lavar uma calcinha, menina! Até o copo d’água que você bebe é outra pessoa que te dá na mão!

As palavras cortaram fundo, mas Ana não recuou.

— Pois eu vou provar para o senhor que não sou inútil. — A voz dela saiu firme, mesmo com o peito doendo.

— Ah, vai? Então vá! — ele abriu os braços, zombeteiro. — Vai... quero ver quanto tempo aguenta. Vai voltar pedindo perdão, eu aposto.

Ana olhou ao redor: os móveis caros, os quadros alinhados, o cheiro de cera e o perfume caro. Aquilo nunca foi lar — era uma prisão dourada.

Pegou a bolsa sobre o sofá, as mãos trêmulas, mas decididas.

— Eu não volto. — disse, quase num sussurro.

Quando subia as escadas passou por Helena, sua mãe, chorando.

— Ana, por favor... — ela tentou, mas a filha só a abraçou rápido, sem tempo para promessas vazias.

A voz do pai veio do andar de baixo, fria como gelo:

— Onde pensa que vai? Se quer ir embora, vá. Mas daqui não leva nada.

Ana parou.

— Quer que eu tire até a roupa que estou vestindo?

— Não… essa você pode levar. — ele respondeu com desprezo. — Mas a chave do seu precioso carro, deixa aí.

Ela olhou para o pai. Por um segundo, o medo bateu. E se ele tivesse razão?

Mas o orgulho venceu.

Abriu a bolsa, tirou a chave e jogou na direção dele.

O som metálico ecoou no chão.

Alberto não disse nada. Apenas pegou a chave, virou o rosto e entrou no escritório — como quem tenta controlar o orgulho atrás de um colo de uísque.

Ana passou pela porta principal, e o ar frio da noite bateu em seu rosto como um empurrão para o mundo real.

Por um instante, o medo quase a fez voltar.

Mas o som da porta se fechando atrás dela soou como liberdade.

Andou pela calçada de salto e coragem, o coração acelerado. Cada passo era uma lembrança do quanto vivia sob controle.

Mas, pela primeira vez, ela não olhou para trás.

Parou na esquina, pegou o celular e ligou.

— Oi, Maria Alice… — a voz dela saiu embargada. — Eu… eu preciso de um lugar para ficar.

Do outro lado, a amiga respondeu sem hesitar:

— Vem para cá, Ana. Cama eu arrumo, drama a gente resolve depois.

Ana riu, entre lágrimas.

Talvez fosse o primeiro passo de uma longa caminhada — e provavelmente tropeçaria muito. Mas pelo menos agora, cada tombo seria seu.

Enquanto esperava o táxi, observou as luzes da cidade e pensou no homem com quem o pai queria que ela se casasse — um estranho, símbolo de tudo que ela odiava naquele mundo de aparências.

— Nunca — sussurrou, firme. — Eu nunca vou ser mais uma boneca na estante, não vou viver como minha mãe.

O vento frio levou as palavras, mas dentro dela algo se firmava.

Raiva. Medo e um estranho e delicioso alívio.

A vida que ela conhecia acabou de libertou da gaiola dourada.

Mas a nova — a que realmente seria dela — estava só começando.

Agora era conseguir sobreviver e não voltar para o pai e para seu noivo, seja lá quem ele for.

Recomeço com café amargo

O cheiro de café passado e o som abafado do trânsito foram as boas-vindas de Ana à nova vida.

A kitnet de Maria Alice era pequena, mas viva — tão cheia de cor e energia que parecia respirar. Havia plantas disputando espaço nas janelas, livros empilhados em fileiras tortas sobre a mesa e uma bagunça organizada que só quem trabalha demais e dorme de menos consegue manter.

Nada ali combinava entre si, e talvez por isso tudo combinasse perfeitamente.

Maria Alice abriu a porta com um sorriso largo.

— Eu sabia que esse dia ia chegar — anunciou, apoiando a mão na cintura como uma heroína cansada. — Bem-vinda à minha humilde fortaleza da independência, senhorita Maciel.

Ana tentou sorrir, mas o cansaço e a incerteza pesavam nos ombros.

— Desculpa chegar assim, sem avisar direito. Eu... —

— Ah, por favor — interrompeu Maria, puxando a mão dela para dentro. — Aqui ninguém avisa nada. A Júlia terminou o namoro semana passada e trouxe o ex para chorar no sofá. Inês adotou um gato, um cachorro e um pombo. Eu já vi de tudo.

Ana soltou uma risada curta, meio incrédula, meio aliviada.

— Um pombo?

— É, o infeliz se chamava Cacau e ocupou o varal por uma semana. Longa história. — Maria deu de ombros. — Moral da história: bagunça é o preço da liberdade.

O apartamento tinha um quarto dividido por uma cortina, um sofá-cama que Maria jurava ser “ortopedicamente decente” e uma cozinha minúscula.

Mas havia vida ali. Calor humano. Algo que faltava em cada metro da mansão Maciel.

Por um segundo, Ana sentiu pena da mãe — sozinha com o homem que acreditava comprar amor com status. Mas fazer o quê? Casar com um estranho é que ela não ia.

— Senta aí — disse Maria, servindo café em duas canecas descascadas. — E me conta tudo.

Ana respirou fundo, observando o vapor subir da bebida.

— Não tem muito o que contar. Meu pai decidiu que eu devia casar com um homem que eu nunca vi. Eu disse não. Ele surtou. Eu saí. — Deu um gole e fez uma careta. — Acho que nunca tomei um café tão amargo.

Maria riu.

— É o sabor da vida adulta, amiga. Amargo, forte e te acorda para a realidade.

— É… — Ana suspirou, olhando ao redor. — Eu não sei se consigo, Maria. Eu nunca trabalhei. Nem sei por onde começar.

A amiga se encostou no balcão, cruzando os braços e observando-a com um olhar que misturava carinho e provocação.

— Sabe o que eu acho? Que você sempre teve potencial, só nunca precisou usá-lo.

— Potencial para quê? Para fracassar mais devagar? — ironizou Ana, mexendo na caneca.

— Não. — Maria ergueu a caneca como quem faz um brinde. — Para provar que dá conta.

Ana sorriu de canto, meio sem acreditar, meio querendo acreditar.

— Eu não sei fazer nada.

— Ótimo. Então vai aprender. — Maria deu uma piscada. — O mundo adora uma mulher que se reinventa.

O silêncio que se seguiu foi confortável, pontuado pelos sons do prédio: um cachorro latindo, uma panela batendo, alguém rindo alto no corredor. Vida real — barulhenta, imperfeita, honesta.

Maria tomou outro gole do café e observou a amiga.

— Tem uma vaga lá no escritório.

Ana levantou o olhar, surpresa.

— Escritório? Mas o que vou fazer em um escritório?

— Ela sorriu, maliciosa. — Antes que pergunte: não, não é uma vaga importante. É para fazer café, organizar os arquivos e tentar sobreviver ao chefe mais gostoso que existe na face da terra.

Ana arqueou a sobrancelha.

— Nossa, será que vou sobreviver a isso?

— Ei, emprego é emprego. E paga o suficiente para dividir o aluguel e comprar café decente — rebateu Maria. — Além disso, é um bom lugar para ver como as coisas funcionam de verdade.

Ana ficou quieta. O orgulho doía, mas o medo de depender de novo do pai doía mais.

— Eu topo. — disse por fim. — Não posso ficar aqui sem fazer nada... e ele não me deixou trazer nada.

— Temos o mesmo tamanho. — Maria abriu o guarda-roupa com um gesto teatral. — Pega o que quiser. Se couber, é seu.

Ana tocou nas roupas simples da amiga — jeans, camisetas, vestidos de algodão — e sentiu o peso simbólico do gesto. Pela primeira vez, alguém lhe oferecia ajuda sem querer nada em troca.

_ E como vamos caber nós quatro aqui?

_Elas estão viajando de férias, quando elas voltarem nós veremos, por enquanto somos só nós duas.

— Amanhã cedo iremos juntas — disse Maria, animada. — E relaxa. Lá ninguém liga se você veio de uma mansão ou de Marte.

Ana riu, mas a risada veio trêmula.

— Tomara que não liguem mesmo.

— Confia em mim. Advogado bom é aquele que não faz perguntas demais.

As duas riram. Pela primeira vez em dias, Ana se sentiu leve.

— Obrigada, Maria. Sério. — A voz dela era sincera, quase um sussurro.

— Amiga, eu sempre disse que você era mais do que uma boneca de luxo. Só faltava um empurrãozinho do destino. — Maria piscou. — No seu caso, o empurrão veio em forma de casamento arranjado e pai autoritário.

Ana deu uma gargalhada verdadeira.

— Que tragédia bem disfarçada de oportunidade, né?

— A vida é cheia dessas ironias. — Maria levantou a caneca. — Agora, vamos combinar: sem drama de novela. Nada de desistir no primeiro tropeço.

— Prometo tentar.

As duas brindaram com as canecas de café e ficaram em silêncio por um tempo. Lá fora, buzinas e risadas se misturavam à noite.

Mas ali, naquela pequena kitnet, algo se transformava. Ana Laura deu o primeiro passo da sua própria história.

Mais tarde, deitada no sofá-cama com um cobertor e o pijama de bolinhas emprestado, ela olhou o teto manchado de umidade e sorriu. A liberdade, ao contrário do que diziam, não era bonita nem confortável.

Mas era dela.

Pensou no pai — e, por um instante, no homem com quem deveria se casar. Um rosto desconhecido. Um nome que não quis ouvir.

“Que ele tenha uma vida bem longe da minha”, murmurou, antes de fechar os olhos.

Do outro lado da cidade, um certo advogado de olhos verdes ainda trabalhava. A xícara de café frio ao lado do computador, os papéis espalhados, a mente inquieta.

Ele tentava não pensar na garota que o humilhou sem nem conhecê-lo.

O destino, porém, não gosta de ser ignorado.

E já começava a alinhar os ponteiros do relógio para o encontro que mudaria a vida dos dois.

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