Meu nome é Elisa Figueiredo.
Nasci e cresci no sítio da minha família, bem no interior de Minas Gerais. Desde pequena aprendi a lidar com galinha, ordenhar vaca, plantar milho e cuidar da horta. Não sei mexer em computador direito, muito menos usar celular moderno. Minha mãe sempre diz que eu sou “boa de coração, mas meio distraída das ideias”. Acho que é verdade.
Tenho dezenove anos e nunca saí daqui. A vida sempre foi a mesma: acordar cedo com o cantar do galo, tomar café com pão de queijo feito na hora, ajudar no serviço da roça e, no fim do dia, sentar no terreiro pra prosear com os vizinhos. Não tem luxo, mas sempre teve amor.
Minha melhor amiga se chama Carolina Freitas. Ela é dois anos mais velha que eu, e diferente de mim, sempre teve a língua afiada e o olhar esperto. Enquanto eu fico sem jeito diante das coisas, Carolina sempre sabe o que responder, sempre sabe como agir. Ela diz que eu sou muito bobinha, que vou acreditar em qualquer palavra doce que alguém me falar. Eu rio, mas no fundo sei que ela tem razão.
Carolina e eu crescemos juntas, dividindo segredo, sonho e até castigo, quando aprontávamos na escola. Ela tem um brilho nos olhos, como se tivesse nascido pra algo maior que a vida no campo. Eu não sei… sempre achei que a roça era o meu lugar. Até agora.
Porque Carolina apareceu ontem na minha porta, cheia de energia, falando de um convite pra trabalhar na cidade grande. Disse que a gente ia juntas, que era a chance de mudar de vida, de conhecer o mundo que até hoje só vi em novela.
Meu coração disparou. Eu nunca saí daqui, nunca dormi fora sem ser na casa de algum parente. A ideia me assusta e me encanta ao mesmo tempo.
E foi assim que, de repente, percebi que minha vida simples na roça estava prestes a virar de ponta-cabeça.
Meu nome é Carolina Freitas, mas quase todo mundo me chama só de Carol.
Eu nasci no mesmo pedaço de chão que a Elisa. A diferença é que, desde menina, eu nunca consegui me conformar com a vidinha da roça. Sempre achei tudo pequeno demais pra mim: as estradinhas de terra, a escola com meia dúzia de aluno, a rotina que se repete todo santo dia.
Não me entenda mal: eu gosto do cheiro do café fresco, do som dos grilos à noite, até do barulho da enxada batendo na terra. Mas dentro de mim sempre teve uma voz dizendo que eu podia mais. Que existia um mundo enorme além das cercas de arame farpado.
A Elisa é diferente. Ela é doce, inocente, acredita em todo mundo. Se deixar, acredita até em promessa de político em época de eleição. Eu não — eu aprendi a olhar duas vezes antes de confiar. Talvez porque eu sempre tive que me virar mais.
Nós duas crescemos juntas, como irmãs de alma. Eu sempre fui a que puxava ela pra fora da concha. Ela sempre foi a que me lembrava que nem tudo precisa ser correria. No fundo, a gente se completa.
E agora eu tomei a decisão: vou levar a Elisa comigo pra cidade. Consegui uma chance lá — trabalho simples, mas é um começo. Sei que ela tá morrendo de medo, mas também sei que, se ficar aqui, vai passar a vida inteira sonhando com o que poderia ter sido.
Eu prometi pra mim mesma: vou cuidar dela. Vou mostrar o mundo, mas sem deixar que ele machuque o coração puro que ela tem.
A Elisa pode ser bobinha, mas comigo ao lado, ela não vai se perder.
APRESENTAÇÃO DOS OUTROS PERSONAGENS:
Sofia Becker:
Clara Hoffmann:
Mariana Falcão:
Isadora Albuquerque:
Heitor Klein:
Rafael Navarro:
Davi Salgado:
Enzo Morreti
Amigos, lá vem história...
Espero que gostem! 💕
O quarto estava uma bagunça. Roupas espalhadas pela cama, sapatos jogados no chão, e eu parada no meio, sem saber o que levar primeiro. Eu, Elisa Figueiredo, nunca tinha feito mala na vida. A gente sempre vivia com o que tinha, sem pensar em escolher “isso ou aquilo”.
— Elisa, pelo amor de Deus, você não vai levar três vestidos iguais, né? — disse Carolina Freitas, revirando os olhos e tirando dois deles da minha mão. — Na cidade você vai ter chance de comprar roupa nova. Deixa essas tralhas pra trás.
Fiquei sem graça, abraçando o único vestido florido que não abri mão de levar.
— É que eu gosto deles… são confortáveis.
Carolina suspirou, mas depois sorriu daquele jeito que só ela tem, entre implicância e carinho.
— Você vai ver, amiga. A cidade vai abrir sua cabeça. Vai ser tudo diferente.
Sentei na beira da cama, mordendo o lábio.
— E a gente vai ficar onde? Hotel? Pensão?
Carol riu alto, se jogando na cadeira de palha.
— Você acha que eu ia te levar sem planejar? Escuta só: eu conheci uma moça pela internet. O nome dela é Sofia Becker. Ela tem só 21 anos, mas já é dona de um café na cidade. Mora sozinha num apartamento e tá precisando de gente pra trabalhar com ela. Eu conversei bastante, expliquei da gente, e sabe o que ela disse?
Meus olhos se arregalaram.
— O quê?
— Que a gente pode morar no apartamento dela até se ajeitar. De graça, Elisa! — disse Carol, rindo e balançando a cabeça, empolgada. — Ela é muito legal. Você vai gostar dela. E olha, trabalhar num café… não é nada de outro mundo. Muito melhor que ralar na enxada, fala a verdade.
Meu coração batia rápido. Morar com uma desconhecida? Na cidade grande? Era coisa demais pra minha cabeça.
— Será que vai dar certo, Carol? A gente mal sabe fazer café direito…
Ela ergueu a sobrancelha e me cutucou o braço.
— Você sabe sorrir, não sabe? Pronto. Isso já vale mais que experiência. A Sofia disse que quer gente de confiança, e confiança é o que a gente tem de sobra.
Olhei pra mala aberta, olhei pra Carol e depois respirei fundo. Talvez fosse mesmo a chance da minha vida.
— Tá bom… eu confio em você.
Carol sorriu satisfeita, fechando minha mala de qualquer jeito.
— E eu confio na gente. Vai dar tudo certo, você vai ver.
E foi assim, entre roupas emboladas, risadas nervosas e promessas de um futuro diferente, que a minha vida na roça começou a caber dentro de uma mala pequena.
O ônibus balançava pelas avenidas largas e cheias de luzes. Eu encostava o rosto na janela, os olhos arregalados diante de tanta novidade. Carros buzinando sem parar, prédios enormes que pareciam tocar o céu, pessoas andando apressadas, cada uma no seu mundo.
— Olha, Carol… quanta luz! Parece dia, mas é noite! — falei, encantada, como criança na primeira ida à cidade.
Carolina riu, ajeitando o cabelo e olhando pela janela também, mas com muito mais calma.
— Pois acostuma, porque aqui nunca escurece de verdade. Essa cidade não dorme, Elisa.
Meu coração acelerava. Era tudo tão diferente do silêncio da roça. Eu me sentia pequena, perdida, mas ao mesmo tempo… viva.
Quando descemos do ônibus, fui tomada pelo cheiro misturado de gasolina, comida de rua e perfume caro das pessoas que passavam. A mala parecia mais pesada, minhas pernas bambearam, mas Carol segurou firme meu braço.
— Vem, não fica parada no meio da calçada. A Sofia disse que mora a uns vinte minutos daqui. A gente pega um táxi.
O carro nos levou por ruas ainda mais movimentadas, e quando parou em frente a um prédio moderno, meu queixo quase caiu. Portaria envidraçada, jardim pequeno mas arrumado, gente elegante entrando e saindo.
— É aqui que ela mora? — perguntei baixinho, quase com medo de não merecer estar ali.
Carol sorriu de canto.
— É. E lembra do que eu disse: segura a vergonha, Elisa. Não mostra que a gente nunca pisou num lugar assim. Confiança é tudo.
Entramos pelo hall, e eu mal sabia onde colocar os pés. O chão brilhava tanto que parecia espelho. Um porteiro simpático nos cumprimentou, e Carol respondeu como se fosse da cidade desde sempre. Eu só balancei a cabeça, tímida.
O elevador subiu até o sétimo andar. Quando a porta se abriu, lá estava ela: Sofia Becker.
Sorriu quando nos viu, e a voz soou suave:
— Vocês devem ser a Elisa e a Carol, né? Entrem, sejam bem-vindas.
Eu olhei pra Carol, nervosa, e ela me respondeu com aquele olhar firme que sempre me acalma. Então respirei fundo, apertei a alça da mala e entrei no apartamento, sem saber que aquela porta aberta ia mudar minha vida pra sempre.
Assim que entrei, meus olhos percorreram cada detalhe do apartamento. O chão era de madeira clara, brilhando sob a luz suave de abajures. A sala tinha um sofá cinza enorme, almofadas coloridas e uma estante cheia de livros e plantas. Na parede, quadros modernos, diferentes de tudo que eu já tinha visto na vida.
Eu me senti entrando em outro mundo.
— Nossa… que bonito aqui… — deixei escapar, sem conseguir disfarçar o encantamento.
Sofia sorriu de leve, cruzando os braços.
— Obrigada. Eu gosto de deixar o lugar aconchegante, já que passo muito tempo fora, no café. Sintam-se em casa.
Carol, como sempre, já estava à vontade. Largou a mala num canto e foi logo perguntando:
— E a gente vai dormir onde, Sofia?
— Tem um quarto de hóspedes. Não é grande, mas dá pras duas dividirem por enquanto. Depois vocês podem se organizar melhor. — Sofia falou naturalmente, caminhando até o corredor e mostrando a porta.
O quarto era simples, mas muito melhor do que eu esperava: duas camas de solteiro, uma cômoda, cortinas claras. Eu olhei para Carol, sem acreditar que tudo aquilo era de graça.
— Vocês devem estar cansadas da viagem. — continuou Sofia. — Amanhã cedo eu levo vocês no café pra conhecerem. Não se preocupem, eu vou ensinar tudo. O que eu preciso mesmo é de pessoas de confiança. E a Carol me passou uma boa impressão.
Meu rosto corou. Eu me senti pequena, mas feliz por estar ali.
— A gente vai dar o nosso melhor… — murmurei, sem encarar diretamente.
Carol deu um tapinha no meu ombro, rindo.
— Pode confiar na gente, Sofia. A Elisa é meio tímida, mas tem um coração enorme. Você vai gostar dela.
Sofia me olhou de novo, dessa vez com mais calma, os olhos claros me estudando por um instante. Não sei explicar, mas senti como se ela tivesse visto mais de mim do que eu mesma mostrava.
Ela então desviou o olhar e disse:
— Bom, fiquem à vontade. Vou preparar algo pra gente jantar.
Enquanto isso, Carol já abria a janela do quarto, animada com a vista da cidade iluminada. Eu, por outro lado, sentei na beira da cama, apertando as mãos no colo.
Eu estava longe da roça, longe da vida que conhecia. E, pela primeira vez, senti que meu caminho tinha começado a mudar de verdade.
Sofia fez o jantar...
A mesa da cozinha estava posta com simplicidade: pratos brancos, copos de vidro e uma travessa fumegante de macarrão ao molho vermelho. O cheiro era delicioso e preenchia todo o apartamento.
Sofia mexia a colher de madeira com naturalidade, como se cozinhar fosse parte da rotina dela.
— Espero que gostem. Não sou nenhuma chef, mas dá pro gasto.
Carolina já se serviu sem cerimônia, sorrindo.
— Se tem molho e massa, pra mim já é banquete. Você ainda vai descobrir que a gente come de tudo.
Eu fiquei olhando, sem jeito, até Sofia me oferecer um prato.
— Quer que eu sirva pra você, Elisa?
— Ah… sim, obrigada… — respondi baixinho, corando.
Sentei-me à mesa, ajeitando a cadeira como se estivesse com medo de ocupar espaço demais. Carol, por outro lado, já puxava conversa.
— Então, Sofia… me conta desse café seu. Você falou que abriu faz pouco tempo, né?
Sofia assentiu, servindo-se também.
— Isso. Faz quase um ano. Foi um risco enorme, mas eu sempre sonhei em ter um lugar só meu. Eu mesma cuido de tudo: cardápio, compras, contas. Só que tá ficando puxado demais sozinha, por isso comecei a procurar ajuda.
— E encontrou a gente, — disse Carol com orgulho, piscando pra mim.
Eu sorri de canto, envergonhada.
— Mas… você não tem família por aqui? — perguntei, tentando puxar assunto.
Sofia apoiou o garfo no prato, pensativa por um instante.
— Minha família é de outra cidade. Eu decidi viver sozinha cedo. Acho que gosto da liberdade… e também da responsabilidade que vem junto.
Havia algo na forma como ela dizia isso… uma maturidade diferente. Eu me senti pequena diante dela, mas ao mesmo tempo curiosa.
— Eu admiro isso, — soltei sem pensar. — Coragem de cuidar de tudo sozinha.
Sofia me olhou, surpresa, e depois sorriu, de um jeito que deixou meu coração bater mais rápido.
— Obrigada, Elisa.
Carol, é claro, não perdeu a oportunidade de brincar.
— Viu só? Eu disse que a Elisa é toda coração. Vai ser uma ótima funcionária, pode apostar.
Eu ri, nervosa, e abaixei a cabeça.
O jantar continuou entre risadas e histórias de infância. Carol falava alto, animada, enquanto eu observava Sofia com olhos curiosos, tentando entender como alguém tão jovem já podia parecer tão segura.
Naquela noite, deitada na cama improvisada ao lado da minha melhor amiga, fiquei olhando o teto branco do quarto e pensei:
“Talvez a cidade não seja tão assustadora assim… não com elas por perto.”
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