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Diário do Coração

Capítulo 1 - Depois da Aula

O relógio marcava 16h15 quando o sinal da última aula ecoou pelos corredores da Escola Hanamori. Os alunos começaram a se dispersar, alguns correndo para os clubes, outros para casa, e um pequeno grupo permaneceu na sala 2-B para a limpeza semanal. Entre eles, Takumi Hayasaka já estava em pé, organizando os livros da estante com precisão quase cirúrgica.

— Você vai acabar limpando até os pensamentos da gente, Takumi — brincou Daichi, jogando a esponja no balde com um estalo.

Takumi não respondeu. Apenas olhou por cima dos óculos, com aquele olhar calmo que parecia sempre estar em outro lugar. Ele não era de se ofender, mas também não sabia como reagir a brincadeiras. Preferia o silêncio.

Riku Tanabe, por outro lado, estava encostado na janela, girando a vassoura como se fosse uma espada samurai. O sol da tarde iluminava seu rosto, destacando o sorriso despreocupado que ele carregava como marca registrada.

— Daichi — disse Riku, com um tom mais sério do que o habitual — se você quer provocar alguém, escolhe outro. O Takumi é meu parceiro de estudos... e de limpeza também.

Daichi levantou as mãos, rindo sem graça.

— Tá bom, tá bom! Paz e amor, galera.

Takumi olhou para Riku, surpreso. Não era a primeira vez que ele o defendia, mas havia algo diferente naquele olhar. Um brilho nos olhos, talvez. Ou o jeito como ele se posicionou, firme, como se estivesse protegendo algo precioso.

— Obrigado — murmurou Takumi, voltando a organizar os livros.

— Relaxa — respondeu Riku, piscando. — Se alguém mexer com você, vai ter que lidar comigo.

A limpeza continuou com risadas e conversas soltas. Takumi, como sempre, fazia sua parte em silêncio, mas seus olhos seguiam Riku. Observava como ele ria alto, como fazia piadas bobas, como conseguia transformar uma tarefa chata em algo divertido. E, sem perceber, sorria também.

Quando terminaram, o grupo decidiu ir ao restaurante “Sakura Teishoku”, um pequeno estabelecimento a duas quadras da escola, famoso entre os estudantes por seus pratos generosos e preços acessíveis. Era quase um ritual: depois da limpeza, todos iam comer juntos.

Takumi hesitou. Ele não costumava sair com os colegas. Preferia ir direto para casa, tomar chá com a mãe e revisar os estudos. Mas Riku o puxou pelo braço, sorrindo.

— Hoje você vem. Sem desculpas. Preciso de ajuda pra escolher entre katsudon e gyudon.

Takumi corou levemente, mas assentiu.

— Tá bom... mas só se você prometer não roubar comida do meu prato.

— Promessa impossível — disse Riku, rindo.

O restaurante estava cheio, como sempre. Estudantes ocupavam as mesas, falando alto, rindo, compartilhando fotos e histórias. O grupo se acomodou em uma mesa no canto, e Takumi se sentou ao lado de Riku, como sempre.

— Katsudon pra mim — disse Riku, sem hesitar. — E você?

— Karē raisu — respondeu Takumi, olhando o cardápio como se fosse um exame.

— Clássico. Você é previsível demais — provocou Riku, cutucando o braço dele.

Takumi sorriu, sem saber como responder. Era verdade. Ele era previsível. Sempre escolhia o mesmo prato, sentava no mesmo lugar, seguia a mesma rotina. Mas com Riku, tudo parecia um pouco menos rígido. Um pouco mais... vivo.

Enquanto esperavam os pratos, Daichi começou a contar uma história absurda sobre um professor que confundiu cola com creme de mão. Todos riram, menos Takumi, que apenas observava. Riku, por outro lado, ria tanto que quase derrubou o copo de chá.

— Você devia rir mais, Takumi — disse Riku, ainda se recuperando. — Faz bem pra saúde.

— Eu rio... às vezes — respondeu Takumi, olhando para o copo.

— Então vou ter que te fazer rir mais vezes. Missão aceita.

Os pratos chegaram, fumegantes e cheirosos. Takumi começou a comer com calma, enquanto Riku já roubava um pedaço do tonkatsu de Daichi.

— Ei! — protestou Daichi. — Você tem o seu!

— Mas o seu tem mais molho — justificou Riku, lambendo os dedos.

Takumi observava tudo com um misto de fascínio e confusão. Como alguém podia ser tão espontâneo? Tão livre? Ele admirava isso em Riku. E, ao mesmo tempo, sentia algo estranho no peito. Algo que não sabia nomear.

Depois do jantar, o grupo se despediu na porta do restaurante. Daichi e os outros seguiram para casa, e Takumi ficou parado, olhando para o céu escurecendo.

— Quer que eu te acompanhe? — perguntou Riku, ao lado dele.

— Não precisa... minha casa é logo ali.

— Eu sei. Mas quero andar mais um pouco.

Eles caminharam em silêncio pelas ruas tranquilas do bairro. As árvores balançavam suavemente com o vento, e o som dos passos ecoava no asfalto.

— Você tá diferente hoje — disse Riku, quebrando o silêncio.

— Diferente como?

— Não sei... mais calado. Pensativo.

Takumi hesitou.

— Só estou cansado.

— Ou talvez... esteja escondendo alguma coisa?

Takumi parou. Olhou para Riku, que sorria, mas com um olhar curioso.

— Não estou escondendo nada — mentiu.

Riku deu de ombros.

— Se estiver, tudo bem. Só não esquece que pode contar comigo.

Takumi sentiu o coração acelerar. Queria dizer algo. Queria perguntar se Riku sentia o mesmo. Mas não sabia o que era “o mesmo”. Não sabia se era amizade, admiração... ou algo além.

— Boa noite, Riku — disse, parando em frente ao portão de casa.

— Boa noite, Takumi. E lembra: amanhã tem prova. Não me abandona, hein?

Takumi sorriu.

— Nunca.

Riku acenou e seguiu seu caminho, enquanto Takumi entrava em casa com o coração cheio de perguntas. Subiu para o quarto, abriu o diário e escreveu:

> “Hoje ele me defendeu de novo. Como sempre. Mas hoje... foi diferente. O jeito como olhou pra mim. O jeito como falou. Eu queria entender. Eu queria saber se ele sente. Ou se sou só eu.”

Fechou o diário e olhou pela janela. Lá fora, Riku ainda caminhava, chutando pedrinhas e rindo sozinho. E Takumi, do outro lado do vidro, sentia que algo estava prestes a mudar.

Capítulo 2 – O Som das Ondas

A manhã seguia seu ritmo habitual na Escola Hanamori. O som dos passos apressados nos corredores misturava-se ao zumbido dos ventiladores de teto, ainda ligados apesar do clima ameno de setembro. Na sala 2-B, Takumi já estava em seu lugar, organizando seus cadernos com precisão. Ao lado, Riku dormia profundamente, com o rosto enterrado nos braços e o uniforme ligeiramente desalinhado.

A professora de história escrevia na lousa com firmeza, explicando os acordos pós-guerra, quando percebeu o estado de Riku. Caminhou até ele e tocou seu ombro com delicadeza.

— Tanabe-kun, acorde. Estamos em aula.

Riku murmurou, sem abrir os olhos:

— Mãe... só mais cinco minutinhos...

A sala explodiu em risadas. Takumi, que raramente se deixava levar por brincadeiras, abaixou o rosto, tentando esconder o sorriso que escapava. Riku abriu os olhos devagar, piscando como se estivesse em outro planeta.

— Isso não é meu quarto?

— Não, e eu não sou sua mãe — respondeu a professora, com um sorriso contido. — Mas agradeço o carinho.

Riku se endireitou, ainda meio perdido, e olhou para Takumi.

— Você devia ter me cutucado... ia me salvar de virar piada no LINE.

— E perder a melhor parte da aula? Nem pensar.

Riku fez uma careta e voltou a encarar a lousa, tentando fingir que estava prestando atenção. Mas seus olhos ainda carregavam o brilho de quem não tinha acordado por completo.

Quando o sinal tocou, anunciando o fim do dia, os alunos começaram a se dispersar. Takumi guardava seus materiais com precisão, enquanto Riku se espreguiçava como um gato preguiçoso.

— Ei, você vai direto pra casa?

— Sim. Por quê?

— Vamos dar uma volta. Só um pouquinho. Preciso respirar depois de ser confundido com um bebê.

Takumi hesitou, mas assentiu. Caminhar com Riku era sempre imprevisível, mas nunca desagradável.

Saíram da escola e seguiram por um caminho que conheciam bem. A trilha entre as árvores os levava à mesma praia que frequentavam desde pequenos, quando ainda corriam descalços e competiam para ver quem encontrava a concha mais bonita. Era um trecho tranquilo da costa de Kanagawa, onde o mar parecia sempre calmo e os sons da cidade ficavam distantes.

— Lembra quando a gente tentou construir um castelo aqui e ele virou uma montanha de lama?

— Você queria fazer um fosso com balde furado.

— Era um fosso estratégico! Você que não entendeu a genialidade.

Takumi sorriu, tirando os sapatos. Riku fez o mesmo e correu alguns passos pela areia, como se tivesse voltado a ter oito anos. Mais adiante, encontraram o velho tronco meio enterrado, onde costumavam sentar para comer biscoitos ou observar o mar.

Sentaram-se lado a lado, em silêncio. O vento soprava leve, e o som das ondas preenchia o espaço entre eles.

— Você acha que as pessoas mudam muito? — perguntou Riku, com a voz baixa, quase como se estivesse falando com o mar.

Takumi demorou a responder.

— Algumas mudam. Outras só se revelam com o tempo.

Riku olhou para ele, curioso.

— E você? Já se revelou?

Takumi desenhou linhas na areia com o dedo, sem olhar para ele.

— Ainda estou tentando entender o que está escondido.

Riku balançou as pernas, observando os próprios pés afundando na areia.

— Eu acho que você é tipo... uma caixa de segredos. Mas não é uma caixa trancada. É só que ninguém sabe onde está a chave.

Takumi parou de desenhar e olhou para o mar.

— Talvez a chave esteja com alguém que não sabe que carrega.

Riku franziu o cenho, pensativo.

— Isso foi profundo. Você devia escrever livros. Tipo... “O menino que falava com o vento”.

Takumi sorriu, discreto.

— E você seria o personagem que dorme nas aulas e acorda achando que está em casa.

— Ei! Isso foi só uma vez. Tá, duas. Mas eu sou bom em outras coisas. Tipo... fazer você rir.

Takumi olhou para ele, e por um instante, o mundo pareceu desacelerar. O mar, o vento, o céu — tudo em silêncio, como se esperasse por uma resposta.

— Você me faz rir. Mesmo quando não entende por quê.

Riku sorriu, satisfeito, e se deitou no tronco, olhando para o céu.

— Então tá tudo certo. Se eu conseguir fazer você rir todo dia, acho que já tô fazendo alguma coisa certa.

O sol começava a se esconder atrás das nuvens, tingindo o céu com tons suaves. Takumi sentia o coração bater mais rápido, mas não sabia se era pelo vento, pela paisagem ou pelas palavras de Riku.

Ao chegar em casa, subiu para o quarto, abriu o diário e escreveu:

> “Hoje fomos à praia. A mesma de sempre.

> Ele falou sobre chaves e caixas, como se soubesse mais do que imagina.

> O mar continua o mesmo. O tronco também.

> Só ele parece mais perto do que antes.

> E eu... talvez esteja mais longe de esconder o que não sei nomear.”

Fechou o diário e olhou pela janela. Lá fora, Riku ainda não tinha entrado em casa, e parecendo que sentia o olhar de Takumi, virou e olhou diretamente para a janela e acenou. Takumi, respondeu ao aceno do outro lado do vidro, com o sentimento de que o mundo realmente estava mudando. Devagar. Mas mudando...

Capítulo 3 – Degraus e Pirulitos

Era domingo em Kanagawa. O céu estava limpo, o ar fresco, e o bairro parecia suspenso entre o silêncio e o som distante de um trem cruzando os trilhos. Sem aula, sem uniforme, sem pressa. Takumi estava sentado no degrau do portão de casa, com os cotovelos apoiados nos joelhos e o olhar perdido na rua quase vazia.

A mãe havia saído cedo para visitar uma amiga em Yokohama, deixando um bilhete carinhoso e um prato de onigiri na geladeira. A casa estava silenciosa. E Takumi, como fazia às vezes, buscava refúgio no ar livre — no mesmo degrau onde, anos atrás, havia se sentado pela primeira vez naquela casa, com oito anos e um coração quebrado.

*

Naquele dia, o céu também estava limpo. Mas Takumi não viu beleza nenhuma nele. Estava sentado com os joelhos juntos, os olhos fixos no chão, e uma sacola de brinquedos ao lado que não tocava. A mudança havia sido rápida. Depois da morte do pai, sua mãe decidiu deixar Tóquio e recomeçar ali, numa cidade menor, onde a vida seria mais simples — e menos cheia de lembranças.

Takumi não entendia completamente o que havia acontecido. Só sabia que o pai não voltaria. E que a casa nova não tinha o cheiro de café fresco pela manhã, nem o som da risada grave que costumava preencher os corredores. O apartamento espaçoso, os fins de semana em museus, os jantares com guardanapos dobrados... tudo havia ficado para trás.

Ficou ali, no degrau, por horas. A mãe estava ocupada com caixas e papéis, e os vizinhos ainda não haviam se apresentado. Mas do outro lado da cerca, alguém o observava.

Riku, também com oito anos, estava de pé atrás do portão da própria casa, com um pirulito na mão e o cabelo bagunçado pelo vento. Tinha ouvido a mãe comentar que “uma nova família estava chegando, com um menino da mesma idade”. E ali estava ele, curioso, mas sem saber como se aproximar.

Depois de alguns minutos, Riku atravessou o jardim, abriu o portão devagar e caminhou até Takumi. Parou em frente a ele, sem dizer nada, e estendeu o pirulito.

— É de morango. Eu gosto mais de uva, mas esse é bom também.

Takumi levantou os olhos, surpreso. Não disse nada. Apenas olhou para o doce, depois para o rosto de Riku, que sorria com simplicidade.

— Você pode ficar com ele. Eu tenho outro.

Takumi pegou o pirulito com mãos hesitantes. Riku sentou-se ao lado, sem pedir permissão, e ficou ali, com os pés balançando no ar e os olhos voltados para o céu.

Nenhum dos dois falou. Mas o silêncio não era pesado. Era leve, como se bastasse estar ali.

*

O som de pneus finos sobre o asfalto trouxe Takumi de volta ao presente. Riku surgiu pedalando sua bicicleta vermelha, com uma sacola de conveniência pendurada no guidão e o mesmo cabelo bagunçado pelo vento. Parou bem em frente ao portão, com um sorriso despreocupado.

— Tô pensando em dar uma volta pelos arredores. Quer vir?

Takumi se levantou devagar. Riku já estava virando o corpo para liberar o espaço no banco traseiro.

— Sobe aí. Mas nada de ficar segurando só no banco, hein. Eu vou voar hoje.

Takumi se acomodou no carona, segurando discretamente nas laterais do assento. Riku olhou por cima do ombro, percebeu o gesto e, sem pensar muito, puxou suavemente as mãos do amigo para sua cintura.

— Aqui. Se segura direito. Não quero te perder no meio da descida.

Takumi congelou por um instante. O toque foi leve, quase casual, mas o calor da pele de Riku sob a camiseta fez seu coração acelerar. Ele assentiu em silêncio, apertando os dedos com cuidado, tentando não parecer nervoso.

Riku não percebeu. Já estava focado nos pedais, na rua à frente, no vento que começava a subir. A bicicleta ganhou velocidade, e os dois seguiram pelas ruas do bairro, passando por vending machines coloridas, gatos dormindo sobre muros e o som de risadas vindo da praça central.

Lá, alguns colegas da escola estavam reunidos em círculo, com garrafas de chá e pacotes de salgadinhos espalhados entre eles. Riku estacionou a bicicleta e Takumi desceu com calma. Sentaram-se com o grupo, e logo estavam todos rindo de histórias bobas, comentando sobre o festival escolar e trocando memes no LINE.

A conversa era leve, cheia de pausas tímidas e risadas abafadas — o tipo de interação que só adolescentes japoneses conseguem manter por horas sem dizer quase nada direto. Takumi, como sempre, falava pouco. Mas sua presença era notada.

Foi Daichi quem percebeu primeiro.

— Ei, olha ali... — disse, cutucando Riku discretamente.

Do outro lado da praça, um pequeno grupo de meninas estava reunido perto da máquina de bebidas. Cochichavam entre si, rindo timidamente e lançando olhares na direção de Takumi. Uma delas apontou com o dedo, tentando ser discreta, e outra escondeu o rosto atrás do copo de chá.

Riku seguiu o olhar de Daichi e viu. As meninas estavam claramente comentando sobre Takumi. E não era sobre os estudos.

— Parece que o Hayasaka tá ficando popular — disse Daichi, com um sorriso malicioso.

Os outros riram, mas de forma contida. Como era típico, ninguém ousava fazer piadas diretas. Era tudo subentendido, tímido, quase infantil.

Takumi percebeu os olhares, mas fingiu não notar. Pegou uma garrafa de chá e manteve os olhos no chão. Riku, por outro lado, sentiu algo estranho. Um aperto leve no peito. Como se algo estivesse fora do lugar.

— Quer ir embora? — perguntou Riku, levantando-se de repente.

Takumi olhou para ele, surpreso.

— Agora?

— Só pensei em dar mais uma volta. Tá ficando cheio aqui.

Takumi assentiu. Despediram-se dos colegas e voltaram para a bicicleta. Riku não falou nada sobre o que viu. Mas pedalou mais rápido do que antes.

Mais tarde, no quarto, Takumi abriu o diário, mas não escreveu nada. Ficou olhando a página em branco...

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