Renascida das Cinzas
                                                        O Café Derramado
                    
        O sol da manhã mal atravessava as janelas empoeiradas da escola, mas o corredor já fervilhava com risadas, conversas e o som de armários batendo. Sophia, com seus 18 anos e um peso invisível nos ombros, caminhava apressada, segurando um copo de café que havia comprado no caminho. Era seu primeiro dia de volta após repetir o segundo ano do ensino médio, e a ansiedade fazia seu coração martelar. Ela mantinha a cabeça baixa, os cabelos castanhos caindo sobre os olhos, tentando não chamar atenção.
 
        Ao virar o corredor, seu ombro esbarrou em algo firme. O copo escapou de suas mãos, e o café quente voou, respingando na camiseta branca de um garoto alto que estava parado ali. O líquido escuro manchou o tecido, e Sophia congelou.
 
        
        Sophia
Meu Deus, me desculpa!
 
        Exclamou ela, o rosto vermelho de vergonha. Desajeitada, pegou um lenço de papel da bolsa e começou a esfregar a mancha na camiseta do garoto, que a encarava com uma mistura de surpresa e irritação.
 
        
        Sophia
Eu juro que não vi você, eu...
 
        
        William
Tá, relaxa, não precisa esfregar minha alma junto
 
        Disse o garoto, com um tom seco, mas um leve sorriso nos lábios. Ele era alto, com cabelo castanho bagunçado. Sophia parou, segurando o lenço amassado, sem saber o que fazer.
 
        De repente, uma voz cortante interrompeu:
 
        
        Liu
O que tá acontecendo aqui?
 
        Uma garota de cabelos longos e pretos, tão brilhantes que pareciam refletir a luz do corredor, se aproximou. Era Liu, com sua postura confiante e um olhar que fazia qualquer um se sentir pequeno. Seus olhos estreitaram ao ver Sophia, ainda segurando o lenço, e a mancha na camiseta do garoto.
 
        
        Sophia
Eu... derrubei o café nele sem querer
 
        Explicou Sophia, a voz tremendo um pouco.
 
        
        Sophia
Já pedi desculpas, eu...
 
        Liu a interrompeu, cruzando os braços e erguendo uma sobrancelha.
 
        
        Liu
Sério? Você não presta atenção por onde anda, novata?
 
        O tom dela era afiado, carregado de desprezo.
 
        
        Liu
Olha a merda que você fez na camiseta do William.
 
        Sophia começou, mas Liu riu, um som curto e cruel, antes de se virar para o garoto, que agora parecia mais divertido do que irritado.
 
        
        Liu
Vamos, Will, deixa essa desajeitada aí.
 
        Liu passou o braço pelo dele, puxando-o para longe. William deu uma última olhada para Sophia, algo indecifrável no rosto, antes de acompanhar Liu pelo corredor. Ela ficou ali, parada, o lenço ainda na mão, sentindo o peso dos olhares de outros alunos que testemunharam a cena.
 
        Com o coração apertado, Sophia guardou o lenço e seguiu para a sala do segundo ano. O peso de ser a “repetente” a acompanhava como uma sombra. Sentou-se no fundo da sala, tentando se tornar invisível, quando uma garota de cabelos lisos e sorriso gentil se aproximou. Era Bella, uma colega que Sophia mal conhecia.
 
        
        Bella
Ei, vi o que rolou lá fora
 
        Disse Bella, sentando-se na carteira ao lado.
 
        
        Bella
Não fica mal por isso, tá? Acidentes acontecem.
 
        Sophia forçou um sorriso tímido.
 
        
        Sophia
É, mas eu fiz uma bagunça... e aquela garota, a Liu, pareceu tão brava.
 
        Bella suspirou, inclinando-se para falar mais baixo.
 
        
        Bella
Olha, só um conselho: toma cuidado com o William e a Liu. Eles meio que... mandam por aqui. Não são exatamente legais com quem não tá no grupinho deles. E, tipo, eles adoram humilhar quem cruza o caminho errado.
 
        Sophia engoliu em seco, sentindo um frio na espinha. O dia mal tinha começado, e ela já sentia o peso daquele lugar. Mas, no fundo, algo em seu peito se agitou — uma faísca de determinação, pequena, mas viva. Ela não sabia ainda, mas aquele momento seria o começo de tudo.
 Jogo de Fogo
                    
        O dia tinha sido longo, e Sophia sentia o peso dele nos ombros quando finalmente chegou em casa. A pequena casa de dois quartos, com paredes descascadas e um cheiro constante de café velho, era silenciosa, exceto pelo ronronar distante do ventilador. Ela jogou a mochila no canto do quarto e se deixou desabar na cama, o colchão rangendo sob seu peso. O teto rachado parecia zombar dela, mas ali, sozinha, ela podia respirar.
 
        Pegou o celular, mais por hábito do que por vontade, e viu uma notificação piscando na tela: William Carter solicitou seguir você. O nome dele trouxe um aperto no peito, uma mistura de vergonha pelo incidente do café e curiosidade. Ele parecia diferente de Liu, menos cruel, mas ainda assim... perigoso. Com o dedo hesitando, ela aceitou a solicitação. “Que seja”, murmurou para si mesma, antes de largar o celular e fechar os olhos, deixando o cansaço levá-la ao sono.
 
        Na manhã seguinte, Sophia caprichou mais do que o normal. Vestiu uma calça jeans justa, uma blusa preta simples e prendeu o cabelo em um rabo de cavalo alto. Não era vaidade, era armadura. Na escola, o burburinho do corredor parecia menos opressivo, mas ela ainda mantinha a cabeça baixa ao atravessar o mar de alunos.
 
        A primeira aula era educação física, e o professor, um homem careca com uma prancheta sempre na mão, gritou para que todos fossem à quadra.
 
        
        professor 
Hoje é queimada!
 
        Anunciou ele, jogando uma bola vermelha no ar.
 
        
        professor 
Dividam-se em dois times, vamos ver quem sobrevive!
 
        Sophia se misturou ao grupo, sentindo os olhares ocasionais. Liu, com seus cabelos pretos soltos e um sorriso afiado, estava do outro lado da quadra, ao lado de William e outros do “grupinho”. Quando o jogo começou, a bola voava com força, e os gritos ecoavam. Sophia se movia com agilidade, esquivando-se com facilidade. Ela sempre fora boa em queimada, algo que aprendera nas ruas com os primos, onde perder significava levar bola nas costas.
 
        Liu, no entanto, parecia ter um alvo fixo: Sophia. Cada vez que pegava a bola, mirava nela com uma intensidade quase pessoal. Sophia desviava, pulando e girando, sem deixar Liu acertá-la. Os outros alunos começaram a notar, alguns até murmurando em aprovação.
 
        Gritou alguém do time dela.
 
        Então, veio o momento. Sophia pegou a bola que rolou até seus pés. Seus olhos encontraram os de Liu, que a encarava com um sorriso debochado. Sem hesitar, Sophia arremessou com força. A bola cortou o ar e atingiu Liu bem no ombro, com um estalo que ecoou. A quadra ficou em silêncio por um segundo, antes de alguns rirem e outros aplaudirem.
 
        Liu ficou vermelha, os olhos faiscando de raiva.
 
        
        Liu
Você vai se arrepender disso
 
        Sibilou ela, antes de jogar o cabelo para trás e sair da quadra, ignorando o chamado do professor.
 
        Sophia sentiu uma onda de adrenalina, mas também um frio na espinha. Ela sabia que aquilo não terminaria ali.
 
        Após o jogo, suada e com o coração ainda acelerado, Sophia foi para o vestiário tomar banho. O banheiro da escola era velho, com azulejos quebrados e um cheiro de mofo que irritava o nariz. Ela pendurou a toalha e entrou no chuveiro, deixando a água quente lavar a tensão do dia. Quando terminou, enrolou-se na toalha e voltou para pegar suas roupas... que não estavam lá.
 
        Ela procurou freneticamente pelo vestiário, verificando os armários, o chão, até debaixo das bancadas. Nada. Suas roupas, mochila, tudo havia sumido. O pânico começou a crescer, mas uma risadinha abafada do lado de fora do vestiário confirmou suas suspeitas. Liu.
 
        Sem opções, Sophia apertou a toalha contra o corpo e abriu a porta. O corredor estava lotado, e o silêncio caiu como uma guilhotina quando ela apareceu, apenas de toalha, o cabelo molhado pingando no chão. Risos começaram, alguns abafados, outros escancarados. Ela sentiu o rosto queimar, mas levantou o queixo, recusando-se a desmoronar.
 
        Perguntou, a voz tremendo, mas firme o suficiente para calar alguns dos risos. Ninguém respondeu, mas os olhares desviaram para o fundo do corredor, onde Liu estava, encostada em um armário, com um sorriso vitorioso.
 
        Sophia não disse nada. Com passos decididos, ela atravessou o corredor, ignorando os cochichos e os celulares apontados para ela. Foi direto para a sala da direção, a toalha ainda apertada contra o corpo. Bateu na porta com força.
 
        
        vice-diretora
Senhorita, o que está acontecendo?
 
        Perguntou a vice-diretora, uma mulher de óculos grossos, ao abrir a porta.
 
        
        Sophia
Alguém roubou minhas roupas no vestiário
 
        Disse Sophia, a voz firme apesar da humilhação.
 
        A vice-diretora franziu a testa, mas fez sinal para ela entrar.
 
        
        vice-diretora
Vamos resolver isso. Fique aqui, vou chamar a responsável pelo vestiário e...
 
        Ela parou, olhando para Sophia com um misto de pena e preocupação.
 
        
        vice-diretora
Vou arranjar algo pra você se vestir.
 
        Enquanto esperava, sozinha na sala da direção, Sophia sentiu as lágrimas queimarem os olhos, mas as engoliu.
 Fagulhas de Rebeldia
                    
        A porta da sala da direção se abriu com um rangido, e a vice-diretora, Dona Clara, entrou com um conjunto de roupas dobradas — uma calça legging e uma camiseta larga da escola. Atrás dela, Liu vinha com os braços cruzados, o rosto fechado como se tivesse engolido algo amargo. Sophia, ainda segurando a toalha, pegou as roupas com um aceno tímido de agradecimento.
 
        
        vice-diretora
Senhorita Liu, isso é inaceitável
 
        Começou Dona Clara, a voz firme, ajustando os óculos no nariz.
 
        
        vice-diretora
Roubar as roupas de uma colega? Isso não é brincadeira, é bullying, e eu não tolero esse tipo de comportamento nesta escola. Vou chamar seus pais agora mesmo para uma reunião.
 
        Liu revirou os olhos, mas a raiva em seu olhar era evidente.
 
        Disparou ela, a voz carregada de indignação.
 
        
        Liu
Foi só uma brincadeira, e ela
 
        Liu apontou para Sophia, que vestia as roupas atrás de um biombo no canto da sala
 
        
        Liu
Não precisava vir chorar na direção como uma criancinha.
 
        Sophia terminou de se vestir e ergueu o olhar, encontrando o de Liu. Por um segundo, pensou em retrucar, mas algo na expressão de Dona Clara a fez se calar.
 
        
        vice-diretora
Liu, já chega
 
        
        vice-diretora
Você fica aqui até eu resolver isso. Sophia, você está liberada para ir para casa mais cedo. Cuido disso amanhã.
 
        Liu deu um passo à frente, os olhos faiscando ao se dirigir a Sophia.
 
        
        Liu
Você não devia ter aberto a boca
 
        Sibilou, baixo o suficiente para que Dona Clara não ouvisse.
 
        
        Liu
Agora sua vida vai ser um inferno. Pode apostar.
 
        Sophia engoliu em seco, mas sustentou o olhar de Liu por um instante antes de virar as costas e sair da sala. O corredor estava vazio agora, o silêncio quase ensurdecedor. Ela pegou sua mochila, que milagrosamente havia sido devolvida, e caminhou para fora da escola, o peso do dia esmagando seus ombros.
 
        Em casa, Sophia se jogou na cama, o celular ao lado. O incidente no vestiário rodava em sua mente como um filme preso em looping. A humilhação, os risos, o olhar cruel de Liu...
 
        Uma notificação no celular a tirou dos pensamentos. Era uma solicitação de amizade de Bella. Sophia aceitou sem hesitar, e logo uma mensagem chegou:
 
        
        Bella
📲Oi, Sophia! Tô preocupada com o que rolou hoje. Tá tudo bem?
 
        Sophia hesitou, mas digitou uma resposta.
 
        
        Sophia
📲Tô... tentando ficar bem. Foi horrível.
 
        
        Bella
📲Nossa, eu sei. A Liu é insuportável. Olha, tô na minha casa com uns amigos, uma festinha pequena. Vem pra cá, vai te fazer bem!
 
        Sophia olhou para o teto rachado, considerando. A ideia de sair, de esquecer aquele dia, era tentadora.
 
        
        Sophia
📲Tá, acho que seria legal. Me manda o endereço.
 
        Bella enviou o endereço, e Sophia, com o Google Maps aberto no celular, pegou uma jaqueta e saiu. A casa de Bella ficava a poucos quarteirões, e o ar fresco da noite ajudava a clarear sua mente. Ao chegar, ouviu risadas e música abafada vindo de dentro. Bateu na porta, e Bella abriu, com um sorriso largo.
 
        Exclamou Bella, puxando-a para dentro.
 
        
        Bella
Relaxa, é só um pessoal legal aqui.
 
        A sala estava cheia de luzes coloridas piscando, copos vermelhos espalhados e um grupo de jovens rindo alto. Alguém passou uma cerveja para Sophia, e ela aceitou, sentindo a adrenalina do momento. Depois de algumas doses, o peso do dia parecia mais leve, e ela até riu com Bella enquanto dançavam uma música pop qualquer.
 
        Mais tarde, com a cabeça leve e o rosto quente do álcool, Sophia esbarrou em um cara no canto da sala. Ele era alto, com cabelo preto caindo sobre a testa e um sorriso que parecia iluminar o ambiente.
 
        Começou Sophia, rindo da própria falta de equilíbrio.
 
        
        Jhonatan
Relaxa, acho que o chão tá dançando mais que a gente
 
        Disse ele, com uma voz grave e divertida.
 
        Respondeu ela, sentindo um calor diferente subir pelo pescoço. Eles começaram a conversar, e Jhonatan era fácil de gostar: falava com entusiasmo sobre música, fazia piadas ruins que a faziam rir mesmo assim, e parecia genuinamente interessado nela.
 
        
        Jhonatan
Sabe, você tem um jeito... diferente
 
        Disse ele, inclinando-se um pouco mais perto.
 
        
        Jhonatan
Gostei de te conhecer.
 
        Sophia sorriu, meio zonza, mas feliz.
 
        Antes de se despedir, Jhonatan pegou o celular dela e digitou o número dele.
 
        
        Jhonatan
Me chama qualquer dia. Foi legal te encontrar, Sophia.
 
        Ela voltou para casa naquela noite com o coração acelerado, o número de Jhonatan salvo no celular e uma sensação nova brotando no peito.
 
                    Para mais, baixe o APP de MangaToon!
                    