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O Retorno da Noiva do Chefão

Prólogo — O Retorno da Noiva do Chefão

A sala estava cheia de fumaça, taças de cristal tilintando e olhares carregados de poder. O cheiro de charuto e vinho envelhecido pairava no ar, e no centro de tudo, sentado como um rei em seu trono de ferro invisível, estava meu pai. O chefe. O homem que todos temiam e reverenciavam.

Eu, sua filha única, era apenas mais uma peça no tabuleiro. O preço da lealdade, o elo da confiança, a moeda rara que ele sempre soube que poderia usar.

— Está decidido. — A voz dele ecoou com a frieza de uma sentença de morte. — O casamento será em seis meses.

Meu coração parou. As palavras atravessaram meu peito como lâminas afiadas. Eu já sabia o que ele queria. Desde pequena, era prometida ao herdeiro de uma das famílias aliadas. Um homem poderoso, calculista, moldado pelo mesmo mundo sujo que eu sempre tentei evitar.

— Pai, eu… — tentei falar, mas o olhar dele me silenciou. A mesa inteira mergulhou em um silêncio sufocante.

Ele sorriu, aquele sorriso gélido que sempre carregava quando acreditava estar vencendo.

— Você não tem escolha, minha filha. Esse é o seu destino.

Engoli o choro, mas por dentro uma chama queimava. Não era rebeldia infantil, não era teimosia. Era amor. Amor verdadeiro. Algo que eu tinha encontrado fora das muralhas de ferro que me cercavam desde o nascimento. Amor em um homem comum, que me prometeu liberdade, futuro, vida.

E naquela noite, enquanto os olhos atentos me vigiavam, eu já sabia: fugiria. Fugiria não apenas do casamento arranjado, mas do peso da máfia, da sombra do meu pai, das correntes invisíveis que me aprisionavam desde o berço.

Não seria moeda de troca. Não seria a noiva do chefão.

Seria apenas eu, nos braços do homem que escolhi.

Mal sabia eu que essa escolha custaria meu sangue.

Capítulo 1 — A Liberdade que Eu Escolhi

O vento da madrugada cortava meu rosto enquanto o carro avançava pela estrada deserta, e eu sentia que podia respirar. Não era apenas o cheiro de gasolina misturado ao de terra molhada que me fazia sorrir; era a sensação de que, enfim, eu tinha deixado para trás o mundo que sempre me sufocou. A mansão com suas paredes altas, os olhares carregados de segredos, as ordens do meu pai que caíam sobre mim como correntes invisíveis… tudo parecia distante agora, como se tivesse sido apenas um pesadelo do qual eu acabara de despertar.

Do lado do motorista, ele segurava o volante com firmeza, os olhos fixos na estrada escura. O homem pelo qual eu havia abandonado tudo. Samuel. Não era mafioso, não era filho de clã algum, não tinha sangue em suas mãos. Quando o conheci, parecia exatamente o contrário de tudo que meu pai representava. Simples, com um sorriso fácil e uma fala macia, ele me prometeu aquilo que eu nunca havia ousado sonhar: uma vida normal.

— Você está bem? — ele perguntou, sem desviar os olhos da pista.

Assenti, ainda abraçando meus próprios braços para afastar o frio.

— Estou. Só… é estranho. Parece um sonho.

Ele riu baixinho.

— Então vamos viver esse sonho juntos. A partir de agora, você é só minha, não daquela prisão que chamam de família.

Meus olhos se encheram de lágrimas, e eu olhei pela janela, deixando que a escuridão engolisse qualquer sombra de culpa. Eu sabia que meu pai não iria desistir facilmente. Ele não era o tipo de homem que aceitava ser desafiado, muito menos pela própria filha. Mas naquele momento eu não queria pensar nele, nem no casamento arranjado, nem na vida que abandonei. Eu só queria acreditar que estava segura, que Samuel era suficiente para me manter longe da guerra, da violência e da morte.

Os dias seguintes foram um turbilhão de descobertas. Acordar em uma cama pequena, de lençóis simples, mas quentes, era uma novidade que me fazia sorrir todas as manhãs. Samuel arrumava café com pão fresco, e às vezes queimava a torrada, arrancando risadas que eu nem lembrava que podia ter. Andávamos de mãos dadas pela rua como um casal qualquer, e ninguém nos olhava com desconfiança, ninguém abaixava a cabeça com medo de quem eu era. Pela primeira vez, eu não era “a filha do chefão”. Eu era apenas… eu.

Mas, por trás da doçura desses momentos, algo sempre parecia fora do lugar. Samuel tinha um jeito inquieto, às vezes distante. Em alguns dias chegava mais tarde do que prometia, com desculpas vagas sobre trabalho. Outras vezes ficava horas preso ao celular, trocando mensagens que não compartilhava comigo. Eu tentava afastar esses pensamentos, porque, no fundo, meu maior medo era que minha desconfiança fosse apenas reflexo da vida que deixei para trás.

Certa noite, acordei com um sobressalto. Samuel não estava ao meu lado na cama. Levantei devagar, sentindo o piso frio debaixo dos pés, e segui a luz fraca que vinha da cozinha. Ele estava encostado à bancada, falando baixo ao telefone.

— Eu já disse, não se preocupe com ela… ela acredita em tudo.

Meu coração acelerou, e precisei segurar a porta para não desmoronar ali mesmo. Quem era “ela”? Será que estava falando de mim? Ou seria apenas paranoia? Fiquei parada, ouvindo, mas antes que pudesse juntar coragem para perguntar, ele desligou e voltou para o quarto. Deitei de volta e fechei os olhos, fingindo dormir. Quando ele me abraçou por trás, eu me obriguei a acreditar que talvez tivesse entendido errado.

Os dias viraram semanas, e a sensação de liberdade começou a rachar como vidro sob pressão. Eu ainda sorria, ainda fingia estar tranquila, mas no fundo algo latejava dentro de mim, uma voz sussurrando que eu estava correndo de um destino apenas para cair em outro. Samuel era doce quando queria, mas havia um vazio no olhar dele que eu não sabia como preencher.

Uma tarde chuvosa, estávamos sentados no sofá, a televisão ligada em um programa qualquer que eu nem prestava atenção. Olhei para ele, o rosto iluminado pelas imagens coloridas da tela, e senti a pergunta subir à minha boca antes que pudesse controlar:

— Você me ama, Samuel?

Ele riu, como se a dúvida fosse absurda.

— Claro que amo, você largou tudo por mim, não é?

Eu forcei um sorriso. A resposta era simples demais, automática demais. Como se amor fosse apenas um lembrete do que fiz, e não algo que ele realmente sentisse.

Naquela noite, sonhei com meu pai. O olhar dele duro, frio, cravado em mim, como se me dissesse: “você vai voltar para mim, cedo ou tarde”. Acordei suando, com a respiração presa na garganta, e percebi que Samuel dormia pesado ao meu lado, alheio ao turbilhão dentro de mim.

As semanas seguintes foram um espelho quebrado: pedaços de felicidade espalhados entre cortes de incerteza. Eu ainda acreditava nele, mas já não tinha certeza se deveria. E, mesmo assim, me agarrava à ideia de que o amor era suficiente para me salvar, para me afastar das garras da máfia, para me proteger do mundo cruel ao qual eu pertencia por sangue.

Eu não sabia, ainda, que essa ilusão teria um preço alto demais. Que a confiança que depositava nele seria o fio que me levaria direto ao inferno.

Mas, naquela altura, eu ainda acreditava. Ainda segurava a mão dele com força, acreditando que havia feito a escolha certa.

E foi justamente essa fé cega que me condenou.

Capítulo 2 — O Preço da Escolha

A chuva caía fina naquela noite, molhando as ruas estreitas do bairro em que vivíamos. Samuel tinha saído mais cedo do trabalho e prometera trazer vinho e pizza para celebrarmos nosso “mês de liberdade”, como ele chamava o tempo que estávamos longe da influência do meu pai. Eu me sentia inquieta desde cedo, como se algo pesado estivesse prestes a acontecer, mas ignorei. Coloquei um vestido simples, deixei o cabelo solto e tentei me convencer de que tudo ficaria bem.

O relógio marcou nove horas, depois dez, e Samuel não voltou. Mandei mensagens, liguei duas vezes, sem resposta. A cada minuto que passava, a sensação em meu peito se tornava mais sufocante. Resolvi descer até a pequena mercearia da esquina para comprar algo, distraindo minha mente. Mal fechei a porta do apartamento e comecei a andar pela calçada molhada, quando um carro preto encostou bruscamente ao meu lado.

Antes que pudesse reagir, uma porta se abriu e mãos ásperas me agarraram pelos braços. Gritei, mas a rua estava deserta, a chuva abafava meu pedido de socorro. Tentei lutar, mas o golpe seco contra minha cabeça me fez perder o fôlego. Fui arrastada para dentro do carro, o cheiro de couro e gasolina me sufocando, e um capuz escuro foi enfiado sobre meu rosto.

— Cala a boca, princesa. — A voz grave e debochada de um dos homens me fez gelar. Eles sabiam quem eu era.

Meu corpo inteiro tremia enquanto o carro arrancava em alta velocidade. Cada curva parecia me arremessar contra os bancos, e as risadas abafadas dos sequestradores faziam meu estômago revirar. Eu tentava controlar o pânico, lembrar de qualquer ensinamento de sobrevivência que ouvira em conversas pela metade na mansão do meu pai, mas o medo me paralisava.

Quando finalmente me arrastaram para fora, meus joelhos bateram contra o chão áspero. O capuz foi arrancado e a luz crua de uma lâmpada pendurada iluminou o espaço. Era um galpão abandonado, cheirando a ferrugem e óleo queimado. Havia quatro homens, todos armados, com olhos que brilhavam de crueldade.

— Olhem só para ela. — Um deles riu, puxando meu cabelo para trás com violência. — A filhinha do chefão, tentando brincar de vida normal.

Mordi os lábios, tentando não chorar. Sabia que mostrar fraqueza só os divertiria mais. Mas quando o primeiro soco veio, atravessando meu rosto com a força de um martelo, não consegui segurar o grito. O gosto metálico de sangue escorreu por minha boca.

Eles não pararam. Chutes, tapas, puxões de cabelo. Cada golpe parecia um recado enviado diretamente ao meu pai: “Podemos tocar no que você mais ama. Podemos quebrar seu bem mais precioso.”

— Vamos ligar para o namorado dela. — Um deles disse, rindo, enquanto mexia no celular. — Quero ver quanto vale essa bonequinha para ele.

Meu coração bateu acelerado. Samuel. Ele viria. Ele tinha que vir.

Colocaram o celular no viva-voz, e eu ouvi o tom de chamada até a voz dele soar.

— Alô?

— Temos sua namoradinha. — A voz do sequestrador era carregada de sarcasmo. — Se quiser vê-la viva, prepare dinheiro.

Houve um silêncio breve do outro lado, antes de Samuel rir. Rir.

— Isso é algum tipo de piada?

Meu peito se apertou.

— Samuel, é verdade! Eles me pegaram! Por favor, me ajuda! — gritei, a voz embargada pelo desespero.

Mas a resposta dele foi um suspiro entediado.

— Vocês acham mesmo que vou cair nesse joguinho? Ela está aí do lado de vocês rindo agora, não é?

— Não estamos brincando. — O homem insistiu, segurando meus cabelos para trás e me mostrando para a câmera ligada. — Olha bem, idiota.

Ouvi Samuel resmungar, impaciente.

— Não vou cair nessa. Ela sabe muito bem como me manipular. Adeus.

A ligação foi encerrada, e o som seco da chamada terminada foi como uma lâmina atravessando meu coração. Eu fiquei imóvel, paralisada, sem acreditar no que acabara de ouvir. Samuel… não acreditou em mim. Samuel me deixou para morrer.

As lágrimas finalmente transbordaram, quentes, misturando-se ao sangue em meu rosto. Os sequestradores gargalharam, divertidos com meu desespero.

— Parece que você não vale nada nem para o amante. — Um deles disse, antes de me dar mais um chute no estômago.

A dor me fez dobrar, arquejando no chão frio. Tentei me proteger com os braços, mas eles me arrastaram como um saco de lixo, amarrando meus pulsos atrás das costas.

As horas seguintes foram um borrão de dor e humilhação. Eles me deixavam ali, sem água, sem comida, entre golpes e insultos. A cada instante, eu me perguntava se meu pai já sabia, se estava vindo, se alguém se importava. Mas a lembrança mais dolorosa, que insistia em se repetir dentro da minha mente, era a voz de Samuel rindo, duvidando, desligando.

O tempo perdeu sentido. Minha boca estava seca, meu corpo latejava em feridas, e cada respiração parecia ser o último fio de vida que eu conseguia segurar. Em algum momento, a escuridão ameaçou me engolir, e eu desejei que fosse rápido, que acabasse logo.

Mas foi nesse instante que o som seco de tiros ecoou no galpão. Um, dois, três. O estilhaço de vidros quebrados, gritos abafados e passos firmes cortando o silêncio. Eu mal consegui erguer a cabeça, mas vi quando a porta foi arrombada e uma sombra alta, vestida de preto, surgiu.

Não era Samuel.

Os olhos frios e implacáveis daquele homem encontraram os meus, e mesmo à beira da morte, reconheci quem era. O noivo que meu pai havia escolhido. O homem que rejeitei.

Ele caminhou até mim com passos calculados, o cheiro de pólvora impregnando o ar. Atirou em mais um dos sequestradores sem hesitar, e quando o último caiu, o silêncio se fez.

Ajoelhou-se diante de mim, cortando as cordas que prendiam meus pulsos. Eu tremia, incapaz de entender se era salvação ou condenação.

— Eu disse que você não poderia fugir de mim. — Sua voz era grave, fria, mas havia algo mais. Um traço de fúria. De posse.

Me ergueu nos braços como se meu corpo ferido não pesasse nada. Apoiei a cabeça em seu peito, as lágrimas silenciosas molhando sua camisa.

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